O sucesso inesperado de Alerta Vermelho, a novela literária que apresentou o Murderbot (ou Robô-Assassino, em português) ao mundo, levou Martha Wells a focar mais em sua criação e, considerando o formato curto escolhido, ela foi capaz de lançar três novas histórias ao longo de 2018 que, no conjunto, fecham o que podemos chamar de primeiro arco narrativo de seu fascinante personagem robótico antissocial que adora séries de TV e que se recusa a admitir que, no fundo, ele gosta de verdade dos humanos que escolheu proteger. Condição Artificial chegou quase que exatamente um ano depois do primeiro livro, em maio de 2018, trazendo uma jornada de autodescoberta para o androide, com Protocolo Rebelde (minha tradução para Rogue Protocol já que ainda não há título oficial em português) sendo publicado três meses depois, levando o inesquecível personagem para uma estação abandonada de terraformação na órbita do planeta Milu.
Se robôs e androides, na ficção, existem para realçar nossa humanidade, poucos conseguem ser tão verdadeiramente humanos como o autodepreciativo Murderbot, que secretamente hackeou seu Módulo de Governança para tornar-se independente, somente para descobrir que isso o aproximou ainda mais daqueles seres puramente de carne e osso que ele foi originalmente programado para proteger. Wells escreve seu personagem tão bem e tão vizinho de sentimentos cotidianos de todos nós que é impossível não sentir imediata empatia por ele, mesmo quando tudo o que ele faz é reclamar dos outros, reclamar do que ele tem para fazer e reclamar que o que ele tem que fazer tira tempo dele assistir, sozinho, aquilo que gosta, especialmente a série A Ascensão e Queda da Lua Santuário, sua favorita, mas mesmo assim sendo muito eficiente e com plena abnegação. É o supremo rabugento de enorme coração mesmo que ele não exatamente tenha coração, somente algumas partes orgânicas clonadas de humanos.
Sua viagem ao planeta Milu tem como objetivo desencavar mais provas sobre os atos ilegais da corporação GrayCris, inimiga nas sombras e sem rosto que está sempre presente nesse grande arco inicial composto pelos quatro primeiros livros da saga, e por duas razões: para ajudar a Dra. Ayda Mensah, sua amiga humana que ele, claro, hesita e tergiversa em categorizar dessa forma, e para se ajudar, já que o embate judicial entre Mensah e GrayCris levantou suspeitas sobre sua própria natureza como uma Unidade de Segurança confiável, já que ninguém a não ser sua amiga e as pessoas que gravitam ao redor dela, sabe que ele é um androide com vontade própria e livre arbítrio, algo normalmente temido. Mas é claro que, chegando na instalação abandonada, ele descobre que ela não está exatamente abandonada e, encontrando humanos por lá, primeiro esconde sua inumanidade e, depois, é obrigada a revelá-la quando eles são atacados por um robô de combate, estabelecendo uma conexão com o tecnologicamente inferior robô humanoide Miki que, por sua vez, diz ser amigo do humano Don Abene, o que funciona para abrir um mundo de possibilidades filosóficas para o protagonista.
O que segue do ataque inicial é uma aventura muito boa do Robô-Assassino que, porém, não consegue restabelecer o frescor de Alerta Vermelho, ainda que, em razão principalmente de sua simpática amizade cibernética com Miki, algo bem diferente do que acontece com A.R.T., por exemplo, a novela ganhe contornos interessantes e reveladores. No entanto, tenho para mim que o que realmente importa nessa série de livros é como Wells escreve seu protagonista e não necessariamente a história como um todo ou as sequências de ação. Muderbot é interessante e cativante por si só e acompanhar suas eternas rabugices é um enorme prazer, algo que fica ainda melhor quando notamos que a autora consegue fazer seu personagem evoluir de verdade a cada nova história, com uma clara e evidente transição que retira tanto o “robô” quanto o “assassino” do apelido que ele se deu quando sua memória falha o fazia lembrar que ele havia assassinado humanos em algum momento de seu passado.
Protocolo Rebelde, portanto, é uma boa desculpa para mais uma vez o leitor acompanhar as desventuras do Robô-Assassino em seu inexorável caminho em busca de entender quem ou o que ele é exatamente e, de quebra, indagando de nós o que realmente, lá no fundo, nos faz humanos. Nada como um ser artificial bem escrito para nos fazer olhar para nós mesmos com afinco e compreender que a humanidade é mais do que Ser Humano.
Protocolo Rebelde (Rogue Protocol – EUA, 2018)
Autoria: Martha Wells
Editora original: Tor.com
Data original de publicação: 07 de agosto de 2018
Páginas: 160