Publicado em 1991, Psicopata Americano, de Bret Easton Ellis, foi recebido com um misto de polêmica e aclamação crítica, sendo considerado um dos marcos da literatura pós-moderna. Sua representação da violência, do consumismo e da alienação estimulou debates acalorados sobre ética, moralidade e o papel da literatura em refletir os aspectos mais sombrios da sociedade. O legado do livro continua, influenciando autores e gerando discussões sobre a natureza da psicopatia e o comportamento na cultura contemporânea. Com projetos para novas traduções para o cinema e uma iniciativa seriada que não avançou há alguns anos, o romance nos apresenta Patrick Bateman, um narrador não confiável que distorce a realidade e omite detalhes sobre suas próprias ações. Sua perspectiva é profundamente influenciada por suas obsessões e delírios, levando o leitor a questionar a veracidade de sua narrativa e a natureza de sua psicopatia. Com fluxo constante de consciência e, consequentemente, pensamentos confusos em profusão, com trocas constantes de ponto de vista, o texto de Ellis estabelece uma crítica mordaz ao hedonismo de uma era que tinha Trump como representante máximo do comportamento yuppie, no entanto, a composição literária não é das mais fáceis para quem busca diletantismo, pois o desenvolvimento dos capítulos com muita fragmentação, por vezes, breca a leitura.
Ao longo de duas 432 páginas, Psicopata Americano expõe uma crítica incisiva ao consumismo e ao materialismo da sociedade estadunidense dos anos 1980. Bateman se preocupa obsessivamente com marcas de roupas, marcas de comida e estilo de vida sofisticado, o que revela a superficialidade de suas relações e suas aspirações. Essa crítica mostra como o valor do ser humano foi reduzido a sua capacidade de consumir. No livro, percebemos a representação de Bateman como alguém que possuidor de tudo aquilo que deseja materialmente. Ele é prepotente, misterioso e desejável por mulheres aficionadas por homens de sucesso. Homofóbico, praticamente cospe impropérios em homossexuais, a maioria das vezes, em seus hediondos pensamentos, se apresentando para nós leitores como alguém que simula emoções, numa saga que funciona como um convite à análise crítica do que a cultura do consumo pode fazer com a identidade humana. O personagem é, em última análise, um produto desse ambiente, onde a autenticidade e a emoção são sacrificadas em prol da aparência e do status. Esse retrato provoca questões sobre a verdade oculta por trás das fachadas que a sociedade cria, levando à reflexão sobre o papel do consumismo na formação da identidade individual e coletiva.
Há, em numerosas passagens, a violência como forma aterrorizante de expressão, numa saga de chocante e provocativa diante das mortes pornográficas idealizadas pelo protagonista. Bateman comete atrocidades de maneira fria e calculada, e essa violência está muitas vezes entrelaçada com suas descrições de produtos e estilo de vida. Isso provoca uma reflexão sobre a falta (ou ausência) de sensibilidade da sociedade em relação à violência e à desumanização dos indivíduos. A vida dupla de Bateman, que é um executivo de sucesso durante o dia e um assassino à noite, explora a ideia de uma perigosa identidade fragmentada. Essa dualidade reflete as pressões sociais para se enquadrar em um determinado padrão e questiona a capacidade do indivíduo de manter sua verdadeira essência em um mundo superficial. Como consequência, essa identidade estilhaçada expõe uma crise densa de sua masculinidade, nos apresentando Bateman como a personificação da masculinidade tóxica. Sua necessidade de controle, poder e dominação sobre os outros, especialmente sobre mulheres, revela o lado obscuro de uma sociedade que promove valoriza o patriarcalismo e a objetificação sexual.
As mulheres no romance geralmente são tratadas como objetos, refletindo a visão distorcida de Bateman sobre o mundo e a dinâmica de poder entre os gêneros. As interações de Bateman com as mulheres são frequentemente violentas, levantando questões sobre a misoginia e o tratamento das mulheres na sociedade contemporânea. Curioso observar que apesar de estar cercado de pessoas e ter uma vida social ativa, Bateman se sente intensamente isolado e desconectado. Essa desconexão emocional reflete a alienação que resulta de uma cultura que prioriza as aparências sobre relações autênticas, mostrando a solidão presente mesmo em meio à abundância de conexões sociais superficiais. O livro desafia a compreensão da realidade, pois Bateman frequentemente oscila entre suas experiências cotidianas e suas fantasias violentas. Essa ambiguidade leva o leitor a questionar o que é real e o que é o resultado de sua mente perturbada, enfatizando a fragilidade da percepção da realidade em uma sociedade saturada pela superficialidade. É um livro com muito potencial para debates numerosos sobre o tema exposto ao longo de suas páginas lá em 1991, mas de uma atualidade absurda.
Em praticamente todos os capítulos, Ellis incorpora diversas referências à cultura pop, desde músicas até filmes, criando um ambiente onde a linha entre a realidade e a ficção se torna insustentável. Essas referências servem como um reflexo da obsessão de Bateman por status e imagem e ajudam a contextualizar o mundo em que ele vive. O típico comportamento yuppie, moldados pelo consumismo e focados no individualismo hedonista, reflexos de um contexto de pessoas que buscavam incessantemente prazer e status em um contexto de crescente materialismo. A memorável passagem do cartão de visitas, também muito bem evidenciada na tradução para o cinema nos anos 2000, com Christian Bale como Patrick Bateman, deflagra essa caça pelo poder e projeção social de sucesso. Ao mesmo tempo em que desfrutava das benesses do capitalismo, os yuppies também enfrentava as suas críticas e desafios, questionando, em última análise, o verdadeiro significado do sucesso e da satisfação pessoal. Assim, eles se tornaram um símbolo de uma era, encapsulando tanto a aspiração como a ambivalência de um tempo de grande transformação, algo sabiamente emulado na escrita de Bret Easton Ellis, na trajetória errante de seu protagonista psicopata.
Ademais, a violência em Psicopata Americano é toda em tom pornográfico. Mas, caro leitor, o que exatamente significa isso? Basicamente, quando aplicada a livros ou filmes, esse é um conceito que envolve a representação de atos violentos de forma que eles podem ser percebidos como sexualmente estimulantes ou absurdamente exagerados. Primeiramente, é importante compreender o que se entende por violência nesse contexto. A violência no livro se manifesta de várias formas, incluindo agressões físicas, tortura, homicídios e outros atos que causam dano ou sofrimento aos que infelizmente atravessam o caminho dos pensamentos de Patrick Bateman. Quando essa violência é apresentada de maneira explícita, muitas vezes busca chocar o público ou enfatizar a gravidade de uma situação. Ellis fez isso com tanta veemência em seu livro que a primeira versão foi organizada e depois cancelada por editores, que temiam boicote no investimento, com a publicação ganhando as prateleiras das livrarias depois de negociações com outro grupo editorial. Importante refletir que ao adicionarmos a camada do “tom pornográfico” em uma história, estamos falando de uma representação que pode se aproximar do erotismo ou que tem como intenção principal seduzir o espectador/leitor, mesmo que essa sedução seja provocada por cenas de dor ou sofrimento. E é assim que Bateman é retratado.
Muitas vezes, a violência em tom pornográfico é direcionada a grupos marginalizados, reforçando estereótipos e alimentando narrativas que desumanizam categorias inteiras de pessoas. Para muitos críticos da época, nesse sentido, não se trata apenas de uma questão estética, mas de um fenômeno que pode ter repercussões sociais reais, influenciando atitudes e comportamentos em relação à violência e à sexualidade na vida cotidiana. Por outro lado, houve quem argumentasse que a exploração de temas como a violência em um contexto mais libertário e artístico pode servir como uma forma de crítica ou reflexão sobre a condição humana. É assim, caro leitor, que filosofo sobre cada página de Psicopata Americano. É possível perceber que o autor utiliza a combinação de violência e erotismo para provocar a reflexão sobre o poder, a submissão e a resistência, criando um espaço para discussões mais profundas sobre os limites da moralidade.
Em linhas gerais, um livro ainda muito atual em suas representações violentas.
Psicopata Americano (American Psycho/Estados Unidos, 1991)
Autoria: Bret Ellis Easton
Tradução: Paula Raviere
Editora: Darkside Books
Páginas: 432