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Crítica | Psicose (1998)

por Ritter Fan
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Existem remakes bons (a minoria). Existem remakes ruins (a maioria). E existem remakes idiotas. Como vocês devem ter adivinhado, é nessa última categoria que o Psicose de Gus Van Sant se encaixa, além de ser o líder isolado, literalmente impossível de ser ultrapassado.

Mas porque idiota? – talvez vocês me perguntem caso não tenham assistido. Bem, Van Sant refilmou a obra mais característica de Hithcock quase que literalmente quadro a quadro, com os mesmos movimentos de câmera, enquadramentos, trilha sonora (objeto de remake também, nota por nota, por Danny Elfman) e personagens. As únicas duas grandes “diferenças” foram a transposição da ação da década de 60 para a de 90 e a fotografia em cores, no lugar da em preto e branco. Ah, mas tem que ter mais diferenças, isso não pode ser verdade! Não tem e é verdade. Bem, claro que tem se olharmos mais a fundo, pois os atores são outros (dã!) e o texto e os valores envolvidos tiveram que ser levemente atualizados para se encaixar com a nova década. De resto, é só. E, se vocês esperam, aqui, alguma espécie de sinopse, saibam que não sou adepto de remakes, pelo que, se não souberem de que se trata o filme (em que caverna moram?), convido-os a ler a crítica do filme original.

Se Van Sant fosse um diretor amador que estivesse aprendendo a dirigir, até entenderia essa refilmagem como um treinamento, da mesma maneira que desenhistas e pintores amadores vão aos museus para reproduzir as obras dos grandes mestres. Mas Van Sant já não era amador em 1998. Ele havia feito, no ano anterior, o festejado e ótimo Gênio Indomável, além dos competentes Um Sonho Sem Limites, Garotos de Programa e Drugstore Cowboy antes ainda. Ou seja, não há justificativa para o que ele fez e o que a Universal aprovou (juro que não entendo como alguém pode comprar a ideia de um remake quadro a quadro só que a cores).

Uma vez, há muitos anos, em artigo perdido nas brumas do tempo, escrevi que remakes deveriam sempre ser uma releitura do original, que acrescentassem novos elementos ao que veio antes, tornando sua existência algo que efetivamente agregue à Sétima Arte. Além disso, afirmei que uma obra icônica como, por exemplo, a trilogia original (para mim, a única) de Star Wars não deveriam ser objeto de refilmagem jamais, justamente pelo espectador já ter as imagens do que veio antes marcado a ferro e a fogo no cérebro. Psicose de Hithcock talvez seja o filme mais icônico já feito e refilmá-lo é um convite ao fracasso, como foi o caso da obra de Van Sant.

E o pior é que Van Sant ainda conseguiu, com pequenas modificações, acabar com toda a sutileza de Norman Bates, o mais famoso serial killer do cinema. O Bates de Anthony Perkins é uma alma torturada, alguém muito doente que tenta o mais que sua mente em frangalhos permite ser normal. Nós compramos facilmente a ideia que ele é apenas o dono de um motel de beira de estrada e mais nada, exatamente como a audiência dos anos 60 comprou. Ainda que seja difícil a cínica audiência moderna fazer o mesmo diante de um remake desse porte, a atuação de Vince Vaughn, dirigida por Van Sant, telegrafa desde o primeiro segundo a bizarrice do personagem. Além disso, na sequência em que Bates, no original, olha pelo buraco na parede Marion Crane (Janet Leigh) tomando banho dando a primeira pista de que tem algo de errado com ele, vemos, no olhar de Perkins, toda a sandice cuja extensão só viríamos a compreender bem lá para frente na fita. No remake, porém, Van Sant deixa claro e evidente, com o auxílio de som, que o Bates de Vaughn se masturba vendo sua Marion (Anne Heche), jogando, com isso, o suspense pela janela.

Em termos de atuação, ainda que uma comparação seja injusta, ela é inevitável até pela escolha equivocada do diretor de simplesmente refazer integralmente o original. Assim, Vince Vaughn tem performance pálida diante da majestade doentia de Anthony Perkins e Anne Heche, ainda que eficiente, não tem a mesma envergadura dramática de Leigh, talvez por tentar imitá-la toda vez que pode. Julianne Moore, como Lila Crane, irmã de Marion, é a única atriz que se digna a fazer uma personagem própria, bem mais forte e decidida que a Lila vivida por Vera Miles. Mesmo assim, essa personalidade mais durona é trazida à tona por elementos artificiais, como movimentos bruscos, voz em tom elevado e o uso de um famigerado fone de ouvido amarelo com música alta. Assim, resta ao simpático William H. Macy salvar a pátria, como o detetive Arbogast, originalmente vivido  por Martin Balsam. Sua caracterização anacrônica (tanto em figurino quanto em diálogos e postura) é a única que se sobressai nesse filme que nunca deveria ter existido.

E é interessante notar que nem mesmo a explicação didática que Hitchcock martela ao final de seu filme e que foi seu grande erro, gerado provavelmente por insegurança, é consertada por Van Sant. Ele repete exatamente o mesmo monólogo expositivo do psiquiatra (Robert Forster na nova versão) que não deixa margens à dúvidas interpretativas e que chamam o espectador de burro. Ou seja, o bem que Van Sant poderia ter feito, ele não fez. Se tivesse, teria, talvez, ganhado uma estrela, exatamente aquela que tirei da obra de Hithcock justamente por esse problema.

Pensando bem, não teria não…

O remake de Psicose, por Gus Van Sant, continua sendo um filme inexplicável, injustificável e inaceitável. Ainda bem que sempre haverá o original.

Psicose (Psycho, EUA – 1998)
Direção: Gus Van Sant
Roteiro: Joseph Stefano (baseado em romance de Robert Bloch)
Elenco: Vince Vaughn,  Anne Heche, Julianne Moore, Viggo Mortensen, William H. Macy, Robert Forster, Philip Baker Hall, Chad Everett
Duração: 105 min.

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