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Crítica | Pulso – 1ª Temporada

Um drama médico satisfatório, mas dominado por irregularidades em seus eixos temáticos.

por Leonardo Campos
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Na análise da primeira temporada de The Pitt, um excelente drama médico contemporâneo, apontei que o heroísmo dos médicos era um ponto preponderante para o sucesso neste formato narrativo, em constante expansão na era dos streamings. Outro fator crucial que contribui para a atratividade dos dramas médicos é a sensação de conforto e esperança que essas produções promovem. No conforto de suas casas, as pessoas assistem a personagens que lidam com crises de saúde e emergências emocionais, experimentando um tipo de catarse vicariante. Esse processo de observar os personagens enfrentando adversidades pode oferecer ao público um espaço seguro para explorar suas próprias ansiedades sobre a saúde, a morte e o sofrimento. Tais dramas muitas vezes têm um arco narrativo que culmina em uma resolução positiva, onde a maioria dos personagens encontra alguma forma de cura ou redenção. Essa narrativa redentora destaca o poder da medicina e da ciência, proporcionando ao público uma sensação de que, mesmo nas situações mais sombrias, há possibilidade de recuperação. Para muitas pessoas, ver personagens sendo salvos e superando obstáculos pode ser uma forma de reafirmar a fé na medicina e, por extensão, na própria vida. O drama e a emoção da narrativa, portanto, tornam-se meio de escape, permitindo que os espectadores se distanciem de suas ansiedades diárias.

Além disso, muitas produções exploram temas universais, como a luta contra doenças, a vida em comunidade e o apoio familiar, contribuindo para a identificação e a conexão emocional do público. Quando os espectadores reconhecem as lutas enfrentadas no drama, refletindo as suas próprias experiências e medos, a conexão se aprofunda. Isso gera uma sensação de pertencimento e compreensão, onde os dramas médicos não apenas entretêm, mas também validam os sentimentos e as experiências pessoais dos espectadores. Muitos dramas médicos, inclusive, também desempenham um papel educativo, uma vez que muitas vezes buscam retratar procedimentos médicos e conceitos científicos com certa precisão. Embora dramatizados, esses detalhes informativos podem aumentar o interesse das pessoas pela medicina e fornecer insights sobre questões de saúde que, de outra forma, poderiam ser desconhecidas ou mal compreendidas. Dessa forma, eles não apenas entretêm, mas também educam e informam, criando uma conexão mais profunda entre os espectadores e a realidade da medicina, embasada em práticas oriundas de anos de estudos, mas também de seres humanos que sentem, pensam, agem e reagem diante dos estímulos que tecem seus respectivos cotidianos.

Mesmo escrevendo bastante sobre diversas modalidades narrativas ficcionais e documentais por aqui, sou uma pessoa que também gosta de ler as reflexões dos meus pares. Um dos meus erros, por sua vez, foi esmiuçar demais as questões da série Pulse, drama médico criado por Zoe Robyn, que estreou na Netflix em 3 de abril de 2025, marcando o primeiro drama médico original em inglês da plataforma, antes de assistir ao menos um episódio. As análises, no geral, eram em sua maioria, antipáticas em relação ao programa, apontando a fragilidade dramática da história e o estabelecimento de um debate equivocado sobre uma temática social bastante polêmica e ainda muito atual. Devo dizer, por sua vez, que os textos lidos não estão distantes do que realmente a narrativa apresenta, mas Pulse não é tão ruim quanto apontado por tanta gente. A trama se desenvolve ao redor da vida pessoal e profissional dos residentes de emergência e cirurgia do Hospital Maguire, em Miami, e se concentra na disputa pelo cargo de Chefe de Residência em Medicina de Emergência, além de explorar as repercussões de uma denúncia de assédio sexual em meio a um furacão que atinge a cidade.

Apesar das comparações com Grey’s Anatomy, que resultaram em críticas sobre sua trama rasa e personagens pouco envolventes, o drama médico nos apresenta 10 episódios com média de 50 minutos, dentro de uma fórmula conhecida, porém nem sempre eficaz, ao combinar dramas profissionais com conflitos pessoais, paixões e desentendimentos entre os residentes do Maguire Medical Center. A trama central da primeira temporada gira em torno de Danny Simms, interpretada por Willa Fitzgerald, que se torna chefe dos residentes após denunciar seu antecessor, Xander Phillips (Colin Woodell), por assédio sexual. Essa situação gera desconfianças sobre suas habilidades e intenções, complicando seu novo papel na dinâmica do hospital. Confesso que não simpatizo nada com Fitzgerald enquanto atriz. Nada contra seu desempenho dramático, mas a atriz em si não me passa uma gota de credibilidade ou carisma, motivos que me levaram a desconfiar profundamente deste drama médico e quase desistir de acompanha-lo. Justina Machado, como a Dra. Natalie Cruz, é um dos motivos também para acompanharmos um pouco mais, tamanho o carisma de sua personagem.

Mas, como exercício profissional e também interesse em radiografar o gênero drama médico com maior expansão, tomei a decisão de ir até o desfecho e gostei do que foi apresentado, mesmo diante de ressalvas em relação ao seu ritmo e a fórmula requentada. A tensão na série é amplificada pela iminente chegada de um furacão a Miami, que força as equipes do hospital a atender um número crescente de feridos, enquanto lidam com os desafios impostos pelo mau tempo e a vulnerabilidade das instalações. Essa combinação de dilemas profissionais e pessoais promete manter a audiência engajada, enquanto a medida do sucesso inicial da série levanta questionamentos sobre seu futuro. Como muitos dramas médicos, Pulse é repleta de casos intrigantes e profissionais complicados, mas se destaca por sua abordagem do movimento #metoo, que é tanto incisivo quanto infelizmente subdesenvolvido. A série inicia com um acidente chocante, onde um ônibus escolar cai de uma ponte, estabelecendo um tom intenso que apenas se intensifica ao longo da narrativa. A inclusão de uma história sobre assédio sexual, centrada na dinâmica de poder entre Danny Simms e seu superior, Xander Phillips, apresenta um aspecto crítico e reflexivo sobre falhas institucionais em lidar com essas situações.

A trama se aprofunda em flashbacks que revelam o relacionamento entre Simms e Phillips antes da denúncia de assédio, complicando a percepção do público sobre a protagonista. Embora Simms inicialmente rejeite os avanços de Phillips, um gancho logo mais, surpreendente, nos revela que eles estão, na verdade, em um relacionamento e morando juntos, o que provoca uma reavaliação do caráter de Simms. Essa reviravolta não apenas questiona a autenticidade de suas ações, mas também eleva a complexidade da narrativa, refletindo as dificuldades em discutir e retratar temas sérios como assédio em um ambiente de entretenimento. É interessante observar como alguns dos momentos mais impactantes de Pulse surgem quando Danny Simms navega pelos corredores do hospital, ouvindo comentários maldosos sobre sua conduta, sendo rotulada de manipuladora e mentirosa. Em contraste com as respostas espirituosas típicas da televisão, Simms opta por ignorar essas fofocas, focando inteiramente em seu trabalho e em salvar vidas, demonstrando sua dedicação inabalável e rejeitando distrações que possam interferir em sua missão. Ela suporta o sarcasmo e avança, refletindo a luta de um profissional determinado em um ambiente hostil. Diferente de outras produções com a atriz, desta vez, consegui me envolver com a sua trajetória e até esquecer que seu desempenho não me causa desconforto.

No entanto, falta maior firmeza. Pulse enfrenta dois problemas significativos. O primeiro deles é a sua estrutura narrativa. Diferentemente do que é comum em dramas médicos, onde há um equilíbrio inicial que permite ao público entender os personagens antes de eventos de alta tensão, a série inicia no centro da crise, com os médicos lidando com as consequências de um furacão em um turno de 24 horas. Essa abordagem desorientadora impede os espectadores de se familiarizarem rapidamente com os personagens e suas relações, desviando o foco para as vítimas do desastre e relegando os procedimentos médicos mais intrigantes para a segunda metade da temporada, que se torna mais envolvente. Isso resulta em uma narrativa que parece perder o equilíbrio entre o drama pessoal e a ação médica, dificultando o desenvolvimento inicial dos personagens. Além disso, a demora para fornecer uma visão completa dos personagens resulta em uma sensação de fragmentação, onde os residentes parecem sombras de suas verdadeiras identidades. Enquanto a série alterna entre passado e presente, as personalidades começam a se revelar de forma insuficiente. Danny, que deve assumir um papel de liderança, acaba parecendo despreparada. Esse impacto deixa a impressão de que, em uma emergência real, os pacientes deveriam evitar o Maguire Medical Center, visto que os médicos parecem desarticulados e infelizes, fora o ritmo irregular entre alguns episódios.

O problema mais grave da série, no entanto, está na representação do assédio sexual. A narrativa sobre a dinâmica problemática entre Danny e Xander é apresentada de maneira superficial, gerando uma sensação de manipulação e falta de profundidade. A complexidade dos comportamentos inadequados no ambiente de trabalho não é explorada de forma adequada, o que é particularmente desconcertante num contexto onde o silêncio e a opressão das vozes femininas são frequentemente evidentes. Apesar de algumas interações autênticas entre os personagens, a produção luta para manter o interesse do público e, ao final da temporada, muitos espectadores podem se sentir frustrados e cansados, tendo que atravessar longas sequências de caos e drama pessoal para alcançar momentos verdadeiramente cativantes. Como sabemos, os dramas médicos atraem o público por diversas razões, incluindo a representação do heroísmo dos médicos e a sensação de conforto que os espectadores encontram ao observar as lutas e vitórias dos personagens. A complexidade das situações enfrentadas, os dilemas morais e a ênfase no trabalho em equipe, juntamente com a oferta de um espaço seguro para explorar ansiedades sobre saúde, tornam esse gênero profundamente ressonante. Em um mundo cada vez mais incerto, dramas médicos servem como uma fonte de esperança, inspiração e solidariedade, além de gerar bastante receita para seus realizadores.

A grande pergunta, neste caso, é: há fôlego para uma segunda temporada?

Pulso: 1ª Temporada (Pulse/Estados Unidos – 2025)
Criação: Zoe Robyn
Direção: Kate Dennis
Roteiro: Zoe Robyns
Elenco: Willa Fitzgerald, Colin Woodell, Justina Machado, Jack Bannon, Jessie T. Usher, Daniela Nieves, Chelsea Muirhead, Jessy Yates
Duração: 45 min. (Cada episódio – 10 episódios)

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