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Crítica | Pura Raiva: Os Bastidores de Extermínio

Um documentário com linguagem jornalística que reflete o processo de composição de Extermínio.

por Leonardo Campos
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Ao longo de Pura Raiva: Os Bastidores de Extermínio, nós nos colocamos como espectadores de uma produção documental, que flerta com o jornalismo sensacionalista em termos estéticos, mas que também nos proporciona uma análise fascinante e provocativa do icônico Extermínio, dirigido por Danny Boyle e protagonizado por Cillian Murphy. Desde suas primeiras cenas, a produção apresenta uma edição vertiginosa que mescla trechos do filme, recortes de jornais e depoimentos fragmentados de especialistas em Ciências Biológicas, especialmente nas áreas de Infectologia e Microbiologia. Levando o espectador a refletir sobre as conexões entre a ficção e a realidade, os depoimentos do diretor, do elenco e do roteirista Alex Garland nos revelam a intenção de criar uma narrativa que, embora fictícia, aborda medos e pânicos humanos bem enraizados. Este registro, produzido como parte da campanha para lançamento do filme em mídia física, na época, não só homenageia a obra que se tornou um marco no gênero, mas também insere a discussão em um contexto contemporâneo, onde a vigilância sanitária global e as pandemias seguem sendo assuntos prementes. Um dos aspectos mais intrigantes abordados no documentário é a questionável distância entre a realidade apresentada em Extermínio e o mundo que vivemos na atualidade. Se visto hoje, após a pandemia que nos arrebatou em 2020, é ainda mais instigante.

Com a sequência direta Extermínio: A Evolução, nós espectadores percebemos como duas décadas após a estreia do original, o filme antecipou temas cruciais que ressoaram, salvaguardadas as devidas proporções comparativas, profundamente durante a pandemia da Covid-19. As cenas de pânico e incertezas que permeiam Extermínio não estão tão distantes do período que vivemos. A forma como o filme lida com o colapso social, a desintegração da ordem e o medo constante de uma ameaça invisível são reflexões diretas sobre um presente que, repentinamente, se viu paralisado por um inimigo biológico. Assim, o documentário não apenas contextualiza o impacto do filme na cultura pop, mas também levanta questionamentos pertinentes sobre a pertinência de tais narrativas em tempos de crise sanitária. O seu tom, nalguns momentos, diria, quase todos, é propositadamente sensacionalista, especialmente ao explorar os medos ancestrais da humanidade em relação aos microorganismos. Uma passagem marcante é a lembrança de uma atriz do filme sobre uma frase de sua professora do Ensino Médio: “não tenham medo do efeito estufa, tenham medo dos vírus e bactérias”.

Essa citação não apenas serve como uma piada autoirônica, mas também evidencia a profundidade das consequências psicológicas que os medos relacionados à microbiologia podem ter sobre a sociedade. Enquanto a atriz brinca sobre a mensagem que a acompanhou durante as filmagens, o espectador é forçado a reconhecer a gravidade que reside nesse alarme: os micróbios, muitas vezes invisíveis, podem provocar consequências devastadoras. A combinação de elementos humorísticos e sensacionalistas serve para destacar a luta contínua entre a racionalidade e o medo, um dilema que se torna ainda mais relevante em um mundo marcado pela incerteza. Além da análise de Extermínio, o documentário também reflete sobre temas contemporâneos como guerra biológica e vírus sintéticos, medos que frequentemente dominam o imaginário social, massificados pela mídia em nosso mundo pós 11/09. Tais tópicos não são apenas veículos para provocar desconforto, mas também estimulam discussões sobre a ética na pesquisa científica e as implicações das biotecnologias. A interseção entre ficção e realidade se torna um campo fértil para examinar como as sociedades lidam com ameaças que estão além de seu controle.

Assim, Pura Raiva não é apenas uma radiografia dos bastidores de uma produção que logo se transformou em um clássico moderno, mas também um convite à reflexão crítica sobre os temores coletivos que moldam a nossa experiência social. Nesse sentido, o documentário reitera que, em um mundo onde os vírus e as relações humanas estão interligados, a arte pode ser uma forma poderosa de processar e questionar as realidades que habitamos. Dirigido por Toby James em um formato conciso de 24 minutos, eis uma narrativa que sabe aproveitar seu curto tempo de duração para passar as informações necessárias ao público. Com uma edição cuidadosa por parte de Matt Barker e Glyn Robinson, e uma narração sombria realizada por Lisa L’Anson, a narrativa se propõe a explorar não apenas o processo criativo por trás do filme, mas também as complexas questões sociais e psicológicas que ele levanta. A obra destaca a escolha das câmeras digitais como uma decisão estratégica de Danny Boyle, que buscava captar a desolação das ruas vazias de Londres de uma forma que refletisse a realidade de uma cidade em colapso. A urgência de filmar em locais desabitados, apesar do apoio da polícia, reforça a sensação de um cenário apocalíptico e a busca por um realismo autêntico, que é uma das marcas do filme.

Um dos pontos mais interessantes abordados no documentário é a escolha do elenco. Boyle decidiu apostar em atores menos conhecidos na época, de modo que o público estivesse menos distraído pelas estrelas e mais imerso na narrativa impactante da história. Essa estratégia revela uma intenção clara de priorizar a trama e seus temas universais, como o medo e a sobrevivência, em vez de dar ênfase às celebridades. Além disso, para intensificar o realismo da narrativa, o elenco passou por um rigoroso treinamento militar, enquanto uma equipe de maquiadores se dedicou meticulosamente à criação de efeitos especiais. Esse compromisso com os detalhes não apenas melhora a qualidade estética da produção, mas também torna a experiência do espectador mais visceral e autêntica, aproximando-o das emoções dos personagens em um ambiente de crise. Ademais, Pura Raiva também aborda uma reflexão importante sobre a confiança que a sociedade deposita na ciência e na medicina. Em depoimentos, é enfatizado que, embora a medicina moderna tenha progredido significativamente, ainda existem muitas interações desconhecidas entre humanos, vírus e bactérias. O que isso nos sugere?

Isso sugere que a fé cega nas soluções científicas pode ser arriscada, especialmente diante da possibilidade de pandemias devastadoras, que podem impactar não só a saúde pública, mas também a economia global. Essa crítica à complacência social dá uma nova dimensão ao filme e ressalta a importância de se manter numa vigilância contínua em relação a ameaças biológicas, mostrando que nem sempre as respostas que buscamos serão satisfatórias ou à altura das crises que enfrentamos. Cillian Murphy, que dá vida ao protagonista, conclui o documentário trazendo uma reflexão fundamental: embora o filme seja uma forma de entretenimento, ele também é um convite à reflexão profunda sobre a natureza humana e as dinâmicas sociais em tempos de crise. A combinação de diversão e inquietação nas narrativas de terror revela verdades incômodas que ressoam através do tempo e das experiências coletivas da sociedade. Essa dualidade entre entretenimento e crítica social mostra que Extermínio e seus bastidores, conforme apresentados em Pura Raiva, servem como um importante registro reflexivo sobre como o terror e a ficção podem abordar dilemas contemporâneos, questionar nossa confiança nas instituições e provocar discussões sobre vulnerabilidades humanas frente a ameaças invisíveis e incontroláveis.

Pura Raiva: Os Bastidores de Extermínio (Pure Rage: The Making-Of 28 Days Later/Reino Unido, 2002) 
Direção: Toby James
Roteiro: Toby James
Elenco: Danny Boyle, Lisa I’Anson, Naomie Harris, Brian Duerden, Andy Coghlan, Cillian Murphy, Brendan Gleeson, Megan Burns
Duração: 25 min.

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