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Crítica | Puro Sangue

por Iann Jeliel
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Puro Sangue

Thoroughbreds que dá o título original de Puro Sangue – devidamente preservado na tradução literal do nome original – é uma raça de cavalos mais conhecida pelo seu uso em corridas de hipismo. O filme abre com um deles ao lado de Amanda (Olivia Cooke), equipada com uma faca, encarando o animal com uma expressão estranha. A cena, dá o tom excêntrico de suspense que permeará em todo o primeiro projeto dependente do cineasta Cory Finley. “Corta”, para acompanharmos personagem indo tomar aulas de banca com uma velha amiga da infância, Lily (Anya Taylor-Joy), numa mansão da mais alta classe social. O casarão é do padrasto de Lily, Mark (Paul Sparks), o qual ela nutre bastante antipatia e vê como um problema em sua vida. A premissa se instaura, quando a reconexão entre as duas meninas ricas e mimadas, influência Lily a bolar um plano de assassinar o amante de sua mãe (Francie Swift), que aparentemente a trata de forma abusiva, sem ser pega.

Dividindo em quatro capítulos, Puro Sangue aposta primordialmente na experiência sensorial do ensaio de psicopatia, do que exatamente na complexidade moral de seus pormenores. Há uma teia de motivação circundando as personagens, situando diversos caminhos críticos que a obra pode ir e até vai, numa encenação tão sem emoção quanto a personagem de Amanda, mas que sabe imita-las quando necessário. Faz parte do jogo de convencimento do texto cínico de Finley esse tratamento apático teatral a força do comentário sobre a classe alta, feminicídio, influência do meio ou geração letárgica, para torná-lo evidente, ao mesmo tempo que enigmático em seus direcionamentos, colaborando para a atmosfera bem construída de suspense. Há uma imprevisibilidade da mise en scene nesse sentido, onde os movimentos de câmera são envelopados num virtuosismo impessoal que basicamente cria tensão com qualquer movimento do espaço cênico, trazendo um senso hipnótico as interações entre Lily e Amanda, onde está o centro narrativo: o estudo de ambas as personagens.

Cada uma das jovens é interpretada por dois dos nomes mais promissores de Hollywood dos últimos anos, Anya Taylor Joy e Olivia Cooke. Ambas, irretocáveis. Numa química constantemente conflituosa de personalidades, que carregam o filme em uma sequência de debates interessantíssimos sobre o caráter motivacional da ação planejada. Os diálogos entre as duas são maravilhosos, transformando a trama em servente das suas dinâmicas e desenvolvimento. Ainda que isso faça a história deixar lacunas no ar nesse sentido, refletidos especialmente no exótico final, que oferece respostas mais diretas, embora não contextualize os pormenores, no fim das contas, é mais sobre as duas do que qualquer outra coisa. Embora, vale destacar, a participação relevante de Anton Yelchin, num dos últimos papeis de sua carreira infelizmente encerrada pelo seu falecimento pouco tempo depois, como um reforço do texto ao estigma geracional vivido pelas adolescentes, além de ser um desvio de tensão devidamente eficiente.

Falando em desvios, é preciso mencionar o senso cômico inteligente idealizado por Finley como tutor dessa apreensão constante sobre o espaço. Existe uma sensibilidade útil do cineasta em usá-lo como quebra da própria provocação, num humor um tanto involuntário sobre o caráter de imprevisibilidade das personagens mencionado – o fechamento do raciocínio da cena inicial do cavalo é tão assustador quanto engraçado de nervoso. O cineasta é ainda inteligente o suficiente para canalizar a banalidade da narrativa nesse ponto da comédia ao invés da violência desdobrada na história, desviada do explicito visual, embora reforçada pelo apuro da mixagem sonora amplamente desconfortável. Aliás, é uma grande estreia na direção. Finley é muito inventivo nos recursos que utiliza para brincar com a expectativa do público, seja passeando pelos cenários tensionados com planos sequência sutis, ou as vezes, estabilizando em um ponto fixo e lentamente abrindo ou fechando o foco, algo que dá um charme bem peculiar ao longa, rendendo ótimas surpresas no desenvolvimento.

Se for para colocar algum defeito no filme, talvez fosse a perda de oportunidade perfeita para se finalizar numa ambiguidade acachapante. Ainda que o póstumo final continue ambíguo, como dito, ele é um pouco didático demais na própria estranheza. Era bem melhor se tivessem finalizado naquele fade-out. Independente disso, Puro Sangue é um ótimo filme, bem diferente do habitual, com excelentes interpretações centrais, que esbanja estilo na técnica cinematográfica e substância como exercício de gênero. Portanto, não deve ser perdido sobe nenhuma hipótese.

Puro Sangue (Thoroughbreds | EUA, 2017)
Direção: Cory Finley
Roteiro: Cory Finley
Elenco: Olivia Cooke, Anya Taylor-Joy, Anton Yelchin, Paul Sparks, Francie Swif, Kaili Vernoff, Svetlana Orlova, Alyssa Fishenden, Jackson Damon, James Haddad
Duração: 92 minutos

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