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Crítica | Quando Eu Estava Morto

por Luiz Santiago
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Ernst Lubitsch: um aspirante a contador do ramo da alfaiataria (um negócio da família) que teve contato com o teatro, se apaixonou pela representação da comédia de costumes no palco e quis fazer disso a sua nova profissão, encontrando aí uma rápida ascensão e prestígio. Em 1911, aos 19 anos, ele já participava da icônica trupe de Max Reinhardt, e seu primeiro papel no cinema veio no ano seguinte, como ator. Na direção ele estreou em 1914, com o filme Fräulein Seifenschaum, hoje perdido. Aliás, esta é a situação dos 6 primeiros filmes do diretor, dos quais restaram apenas algumas fotografias da produção e alguns fotogramas. Quando Eu Estava Morto, de 1916, é o seu mais antigo filme a sobreviver inteiro ao tempo.

Na maioria das comédias de Lubitsch vê-se temas cotidianos, dilemas pessoais e problemas de relacionamento em diversos âmbitos familiares ou sociais elegantemente representados, todos expostos em roteiros com camadas de cinismo e sagacidade, um pacote de atributos normalmente chamado de “o Toque Lubitsch“. Em Quando Eu Estava Morto, apesar das facilidades com que o personagem principal, interpretado pelo próprio diretor, consegue levar adiante o seu plano para reatar o casamento, conseguimos ver claramente todos esses ingredientes funcionando no decorrer da trama.

O personagem de Lubitsch, cuja esposa é interpretada por Louise Schenrich, tem um casamento feliz e um passatempo que parece irritar tanto à sua sogra (que faz de tudo para que ele se separe) quando à esposa, incomodada pela forma como o marido trata a matriarca. As muitas horas dele no clube de xadrez acabam sendo o pivô de uma separação e também o mote central para a comédia que se desenrolará, com o homem tentando viver uma vida boêmia mas caindo em depressão, e com a mulher negativamente influenciada pela mãe, que não perde tempo e vai à uma agência matrimonial buscar um novo par para a moça. Todos os desandes familiares, as provocações entre genro e sogra, as brigas de casal quando há uma mãe dominadora no meio… tudo isso ganha um sabor mais ácido que o normal pelas mãos de Lubitsch, especialmente na forma como a “vingança” do marido se dá.

O interessante aqui é como o diretor concebeu cada ato cômico dentro de um ritmo e paridade que não são exatamente comuns de se encontrar em comédias dos anos 1910. O mesmo vale para os cortes precisos nos rostos dos personagens, sem segurar demais um plano na representação de uma emoção já fartamente exposta ao público. A veia teatral é compressível tanto pelo período do filme quanto pelas origens teatrais do diretor, mas vale dizer que esse contexto não é apenas um produto de leitura externa ao filme. Os olhares e gestos exagerados combinam com o tipo de obra que ele escreveu aqui, e o mais interessante é que vemos a sua preocupação em colocar apenas um desses personagens muito exagerados por bloco, sendo que os outros seguem uma linha mais comedida de expressão, gerando um contraste e um destaque corretos, sem enjoar o público.

Talvez por ter uma concepção cíclica e, por isso mesmo, um pouco limitada, o filme deixe de explorar a contento os personagens fora da contenda. Claro que temos a carta de suicídio (que não acontece) vinda do noivo para a noiva — daí vem uma das camadas do humor da obra e que também dá sustentação ao título em português — mas isso não é dado como desenvolvimento de personagem, apenas como um ponto fixo da comédia, a despeito da pequena cena de sofrimento que traz para a noiva enlutada. Quando Eu Estava Morto é um filme curto mas não nega ter as melhores qualidades que esperamos de uma obra de Ernst Lubitsch, mesmo e seus primeiros passos.

Quando Eu Estava Morto (Wo ist mein Schatz?) — Alemanha, 1916
Direção: Ernst Lubitsch
Roteiro: Ernst Lubitsch
Elenco: Ernst Lubitsch, Louise Schenrich, Helene Voß, Julius Falkenstein
Duração: 35 min.

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