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Crítica | Quando o Céu se Engana

A matrix divina.

por Kevin Rick
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Existe uma certa pureza inocente no cinema de comédia que simplesmente tenta ser edificante, que pretende divertir, tocar no emocional e disfarçar suas ambições sob o verniz do familiar. Quando o Céu se Engana (uma tradução razoável, mas que não tem o mesmo sentido duplo do original Good Fortune) se posiciona exatamente nesse limiar: não faz promessas de genialidade, mas aspira a algo honesto. Sob a direção e roteiro de Aziz Ansari, o filme mistura fantasia (um anjo que se envolve com humanos), sátira social (economia de bicos, desigualdade, status) e leveza moral (amizade, persistência, redenção). O resultado é uma obra simpática, por vezes afável, mas que não alça nada realmente memorável.

Em sua essência, o filme parte de uma estrutura clássica: o anjo Gabriel (Keanu Reeves) decide intervir na vida de Arj (Ansari), um trabalhador precário, para demonstrar que a riqueza de Jeff (Seth Rogen) não é o remédio para o vazio que corrói Arj. A troca de vidas, o choque de realidades e o despertar moral são elementos tão antigos quanto o cinema de comédia, com a obra me lembrando o espírito de Trocando as Bolas, mas sem a vulgaridade. Ansari acrescenta camadas de temas de classe, economia e até referências ao sagrado para a loucura de alguns, com o anjo que fica sem asas e a queda que implica redenção. Contudo, essa ambição temática não foge tanto do molde padrão desse tipo de trama.

O humor do filme oscila entre o eficaz e o genérico. Reeves, no papel de Gabriel, entrega sua habitual presença calada, agora revestida de uma certa apatia. Sua performance deadpan funciona como contrapeso aos dois personagens humanos, mas ao mesmo tempo, falta-lhe um pouco de artilharia cômica: há momentos em que Reeves parece pouco envolvido e meio deslocado do material. Ansari como Arj tenta trazer a energia urbana e o desespero em sua busca por dignidade, tirando alguns bons momentos, mas não o vejo carismático o suficiente para carregar a película. Rogen, como Jeff, contribui com o tipo de personagem já familiar (o rico folgado que descobre humanidade), num papel confortável, simpático, sem grande surpresa. A química entre eles funciona, mas o filme não arrisca muito além do esperado.

As mensagens morais são claras e gentis: amizade importa, perseverar importa, classe não define valor, buscar sentido fora da riqueza é mais que metáfora. O filme se aproxima de uma fábula infantil para adultos, não no tom maniqueísta (até porque Ansari tenta subverter um pouco a ideia de que dinheiro não traz felicidade), mas na forma: o anjo, o homem comum, a crise existencial. Isso é tão honesto quanto revestido de leveza. Sinto que a obra é um pouco expositiva em suas lições e a narrativa fica meio repetitiva à medida que progride, ganhando certo fôlego quando Gabriel vira humano.

Visualmente e estruturalmente, a obra é funcional e não tem receio de parecer boba, como o uso das asas indica. A montagem, as reviravoltas e o ritmo são previsíveis até que o filme atinja o objetivo de ser “boa comédia com coração”, mas quase nunca o de ser uma comédia marcante. A impressão é que Ansari se contentou com um texto mais padrão, meio que confortável, que só atualiza uma trama batida com referências atuais e uma comédia romântica superficial ali no meio. 

Considerando tudo, Quando o Céu se Engana é um filme agradável. A obra combina comédia e mensagem, fantasia e realidade, tudo de maneira simpática e acessível. A produção diverte, toca, acerta o timbre correto de “comédia consciente”, e aposta em temas universais. Mas, claro, não tem ousadia ou criatividade o suficiente para realmente chamar a atenção, se contentando em ser “bonitinho”.

Quando o Céu se Engana (Good Fortune) – EUA, 2025
Direção: Aziz Ansari
Roteiro: Aziz Ansari
Elenco: Aziz Ansari, Seth Rogen, Keke Palmer, Sandra Oh, Keanu Reeves
Duração: 97 min.

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