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Crítica | Quarteto Fantástico: Primeiros Passos (Com Spoilers)

Uma família no centro do universo.

por Kevin Rick
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  • Leiam, aqui, a crítica sem spoilers.

Quarteto Fantástico: Primeiros Passos não é apenas a estreia do supergrupo mais antigo da Marvel Studios no MCU, é uma carta de amor ao escapismo ingênuo das HQs, ao mesmo tempo que funciona como catalisador de ideias maiores, mais cósmicas e mais conceituais para o futuro do universo compartilhado nesse início da Fase 6 que, se tudo der certo, parece que vai alçar ares melhores do que a Fase 5. O diretor Matt Shakman entrega um filme deliberadamente estilizado, impregnado de referências visuais aos anos 60, onde a estética retrofuturista convive com dilemas humanos sinceros e onde uma ameaça universal surge não apenas para destruir, mas para testar a coesão de uma família.

Diferente das desastrosas tentativas anteriores de adaptar o grupo, aqui não há recontagem de origem nem ambientação no presente. A Marvel acerta ao nos inserir numa realidade paralela denominada de a Terra-828 (número em homenagem a Jack Kirby), onde o Quarteto já existe, já é amado pelo público e já atua como uma família funcional há pelo menos quatro anos. O tom lembra muito o de Superman (2025): o mundo já está pronto para esses heróis e o filme também não perde tempo nos dizendo como tudo aconteceu, com uma montagem inicial eficiente. O restante da exposição está contida em diálogos naturais, propagandas, manchetes e um mundo que vive em harmonia com o extraordinário, praticamente como uma utopia que idolatra a família titular e que tem uma pegada diegética fora do tempo.

Nesse sentido, o que mais se destaca logo de cara em Primeiros Passos é seu visual. O filme parece um mix entre Os Incríveis, os quadrinhos clássicos de Stan Lee e Jack Kirby, e um comercial de automóveis futuristas da década de 60. Os uniformes são impecáveis: azuis vibrantes com o “4” bem estampado, sem medo do ridículo. A base do grupo é toda inspirada em designs circulares, com um design de produção e uma direção de arte que apostam em formas geométricas, metal cromado e figuras coloridas. A direção de Shakman favorece enquadramentos simétricos, evocando quadrinhos em diversas transições. A trilha sonora de Michael Giacchino, apesar de não ser tão marcante, é extremamente orgânica, brincando com temas de ficção científica antiga, sintetizadores e orquestra, com momentos grandiosos e outros mais íntimos, além de um chiclete “Fantastic Foooour” que dá vontade de gritar no cinema diversas vezes.

O cerne emocional do filme está na gravidez de Sue Storm (Vanessa Kirby), e é a partir desse ponto inicial que a narrativa se desdobra em camadas de responsabilidade, medo e esperança. Reed Richards (Pedro Pascal) vive o dilema do homem que enxerga probabilidades, mas falha em lidar com sentimentos. Johnny (Joseph Quinn), ainda um jovem impulsivo, anseia por aventura. E Ben Grimm (Ebon Moss-Bachrach), o coração melancólico do grupo por conta de sua aparência, é quem mais vocaliza a necessidade de preservar aquilo que já conquistaram. 

Depois de um início carismático e aprazível, mas sem tantos riscos dramáticos, o enredo se intensifica com a chegada da Surfista Prateada (Julia Garner), aqui uma reinterpretação da personagem Shalla-Bal, não Norrin Radd, vivida com frieza melancólica pela intérprete, numa versão que vem dos quadrinhos para deixar aqueles “fãs” preconceituosos confusos se reclamam ou se aceitam a escolha. A antagonista secundária anuncia a vinda de Galactus, o devorador de mundos, gerando receio em uma sociedade utópica e apresentando o conflito central da trama. Há inteligência na forma como a Surfista Prateada é tratada, servindo como cúmplice filosófica e como uma personagem trágica, tanto em seu sacrifício para salvar seu mundo ao se tornar a arauta de Galactus, quanto em sua culpa ao ajudar a entidade cósmica a destruir diversos planetas. Sua conexão direta com Johnny cria uma subtrama dramática muito boa entre a dupla em suas similaridades e um possível reflexo do Tocha Humana se sacrificando pela Terra, o que gera um ótimo twist quando a Surfista o salva.

Rebobinando um pouco, como consequência desse encontro inicial, temos um dos segmentos mais impactantes visualmente e tematicamente significativos do filme no bloco espacial, quando o Quarteto viaja para o limiar da galáxia, numa tentativa desesperada de interceptar Galactus antes que ele alcance o sistema solar. A sequência marca uma virada estética: saímos do retrô terrestre estilizado e adentramos um cosmos psicodélico, onde as leis da física parecem moldadas por pinceladas de Jack Kirby. A direção de arte abraça cores distorcidas, geometrias impossíveis e um ambiente onírico que reforça o isolamento da equipe diante da vastidão cósmica – a cena do buraco negro é puro suco de sci-fi, assim como a perseguição da Surfista, de fato surfando nos cosmos e no espaço-tempo. É aqui que o dilema de Reed também se intensifica, entre a impossibilidade de calcular o incalculável, e onde Sue tem seu início de protagonismo silencioso, sentindo, pela primeira vez, o peso de carregar um filho que pode ser mais do que humano.

A trilha de Giacchino se torna etérea, as cenas ganham mais força do que os diálogos, como a destruição de um planeta de dentro para fora, e há uma beleza melancólica nessa jornada pelo desconhecido, com muitas tecnobaboseiras divertidas e um trabalho de CGI notável, com os primeiros momentos de ação na obra. O encontro com Galactus tem um peso visual forte, com ótima presença em sua escala impressionante e na forma como sua aparência remete às interpretações clássicas de Kirby com traços modernos – a sacada da produção em torná-lo “menor” do que o padrão é assertiva para o filme ter mais organicidade. Eventualmente, o espaço e essa entidade passam a ser metáfora com uma revelação: o nascimento de Franklin é antecipado como algo transcendental. O filho de Sue e Reed será a centelha cósmica que despertará o ser para sua forma plena. A maternidade, portanto, se torna o gatilho de uma ameaça universal, de uma alegoria ousada e de uma barganha impossível, tudo que o roteiro abraça com convicção, que se conecta facilmente aos temas familiares do grupo e que dá o tom da divertidíssima fuga do grupo na nave enquanto Sue entra em trabalho de parto do garoto que nasce no espaço.

O ritmo do filme é acelerado nesse início, mas desacelera no segundo ato quando o Quarteto retorna para a Terra e precisa lidar com reflexões complicadas sobre a entrega de seu filho sob escrutínio do público em geral. Há uma pequena barriga narrativa nesse bloco, mas essa parte da trama serve para explorar os personagens, algumas de suas dinâmicas e características, com destaque especial para Sue. Sinto que Ben é o mais escanteado, ganhando poucos momentos de destaque real, mas de maneira geral o texto é assertivo em sua simplicidade e objetividade com a construção de uma família que tem tudo para ser disfuncional, mas que funciona como poucas por aí. Entre discursos cafonas bacanas e algumas conveniências de “eureka” de Reed, o roteiro entende bem os personagens e dá início a um plano mirabolante que quase dá certo com o teletransporte da Terra (quem sabe é daí que podemos ver uma certa Coalisão de Planetas sendo adaptada…).

A luta final contra Galactus na Terra é uma batalha tradicional contra um ser mais poderoso e um espetáculo de escala. A insignificância de seus poderes frente ao Devorador de Mundos é natural e evidencia a qualidade do antagonista como um ser imparável, talvez sem profundidade por ser um antagonista relativamente simples em sua natureza, mas com densidade no que representa à trama como uma força cósmica. A principal virada do filme ocorre quando Sue decide confrontar Galactus usando todo o potencial de seus poderes de invisibilidade e campos de força. É um momento com peso simbólico: a mãe que protege com seu próprio corpo o seu filho, disposta a se sacrificar. Pode ser bobo para alguns, mas parece ser a moral dos filmes de heróis esse mês.

Durante a sequência de ação, podemos ver algumas das habilidades do grupo (queria tê-los visto mais em ação, mas penso que teremos outras oportunidades). O clímax talvez não seja tão intenso, mas é emocionante e bem bonito, em especial quando Franklin salva a sua mãe. Tudo no filme grita família, então é natural que a história seja uma celebração do heroísmo familiar em sua forma mais pura. Esteticamente ousado, emocionalmente sincero e narrativamente funcional, a obra talvez peque por evitar riscos maiores ou dilemas mais espinhosos, mas há beleza na simplicidade. É um filme que acredita no amor, na ciência, na coragem e na possibilidade de redenção, todos temas clássicos, mas sempre necessários e aparentemente retornando à tona nessa nova era do gênero super-heroico, ironicamente evocando eras antigas.

O epílogo mostra que o futuro está aberto. A presença de Franklin como figura de poder deve indicar o caminho para Guerras Secretas ou quem sabe até uma mistura com a Dinastia Kang, mesmo que Kang tenha sido discretamente ignorado neste capítulo – particularmente, não queria que a Marvel abandonasse por completo essa linha narrativa. O fato é que o Quarteto voltou, e voltou para ficar. Franklin agora se projeta como entidade central no MCU, com implicações diretas para Vingadores: Doomsday. A cena pós-créditos com Dr. Destino ao lado de Franklin prepara terreno para a clássica rivalidade, enquanto um curta animado remete com carinho às antigas séries de 60, equilibrando peso e leveza de uma família icônica.

No fim das contas, Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é tudo aquilo que o grupo merecia há muito tempo: um filme que entende sua essência sem precisar reinventar a roda, que encontra força na estética, emoção na simplicidade e futuro na esperança. Não tenta ser o maior ou mais impactante filme do MCU e justamente por isso acerta. É uma aventura com alma, cor e identidade, que planta sementes cósmicas sem abandonar o chão onde pisa: o da família. E ele também não redefine o gênero, mas reabilita uma equipe tantas vezes maltratada no cinema com carinho, talento e visão. Com isso, abre o multiverso da Marvel não com destruição, mas com nascimento. E que bela forma de começar a Fase 6, sendo esse o primeiro passo de uma longa caminhada, e que bom que ele foi dado com o coração no lugar certo.

Quarteto Fantástico: Primeiros Passos (Fantastic Four: First Steps – EUA, 2025)
Direção: Matt Shakman
Roteiro: Josh Friedman, Eric Pearson, Jeff Kaplan, Ian Springer
Elenco: Pedro Pascal, Vanessa Kirby, Ebon Moss-Bachrach, Joseph Quinn, Julia Garner, Natasha Lyonne, Paul Walter Hauser, Ralph Ineson, Sarah Niles, Mark Gatiss, Matthew Wood, Ada Scott
Duração: 115 min.

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