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Crítica | Quatro Dias ao Teu Lado

Mostrando o porquê de o viciado não sair do vício sozinho.

por Iann Jeliel
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Quatro Dias ao Teu Lado

Quatro Dias ao Teu Lado utiliza a estrutura de “dramalhão” biográfico de superação para expor a dificuldade da sociedade em enxergar o dependente químico como um caso clínico a ser resolvido como qualquer outro caso de saúde pública. A escolha de utilizar o recorte de convivência de alguns dias entre a mãe da usuária e a usuária, no ponto de vista da mãe (já esgarçada após um histórico de tentativas frustradas de reabilitação) é uma jogada inteligente do cineasta Rodrigo Garcia para conseguir criar uma relação empática do público para com a viciada, no reconhecimento da visão preconceituosa da mãe com a própria filha. Em suma, o filme é o retrato imagético da pergunta: “E se fosse com o seu filho?”, direcionado justamente para aqueles que acreditam no combate reativo/excludente do usuário de drogas do convívio social.

Não que o roteiro isente a personagem da Mila Kunis (Molly) como a principal responsável por cavar o buraco em que se encontra, só não há interesse em saber como esse buraco foi cavado, como que ela foi parar lá dentro, porque isso não importa. Uma vez dentro do buraco, a depender da profundidade, não há muito o que fazer para quem caiu, não interessa se ele pulou por vontade própria, o escape passa a ser possível só se outro alguém jogar uma corda e ajudar a puxar. Essa responsabilidade externa de jogar/puxar a corda não seria só da mãe, como também do sistema de saúde, que apesar de fornecer ajuda por “obrigação” – igual a qualquer mãe tem com a filha –, é indiferente, insensível ou repugna os poucos que ainda conseguem ir procurar a ajuda.

O grande mérito do texto é trabalhar a ressignificação da mentalidade de Deb (Glenn Close) através da consciência das semelhanças das suas atitudes com a filha, para como o sistema a trata durante essa nova tentativa de reabilitação, assim como o público aprende, pelos erros da personagem, como o julgamento do vício parte muitas vezes do incômodo particular sobre quem precisar cuidar mais de quem vivencia a prisão pelo vício. É como se a dor do viciado fosse menor do que a dor de quem teoricamente estava responsável por ele e “falhou” na missão. Falamos mais “coitado dos pais” do que “coitado do filho”. Por mais que haja uma compreensão no desenvolvimento motivacional particular de Deb ao longo da história, existe propositalmente essa provocação nas suas reações sob cada recaída de Molly, evidenciando que a origem do problema no sistema está diretamente ligada às pessoas com mentalidade semelhante que o preenchem.

Quatro Dias ao Teu Lado busca educar uma reversão desse pensamento com auxílio do recorte escolhido, que captura o convívio entre os personagens ao máximo nesses poucos dias em que teoricamente seriam de fácil superação, caso houvesse uma compreensão prematura deles (e da sociedade) com as variáveis da situação. Afinal, a “cura” medicinal da químico-dependência já existe e é sobreposta como solução do problema nos primeiros minutos. A dificuldade da resolução do conflito não está no processo de “reabilitação” – que exige alguns dias de abstinência para a aplicação da referida “cura” não ser perigosa –, mas sim na visão de culpabilização do viciado como motivo para que ele se vire sozinho para sair dessa. É uma obra moralista, sem dúvidas, embora não seja tão direta nesse papel, atribuindo seus comentários nas entrelinhas do andamento da narrativa, sem, contudo, entrar somente num tratamento tangente da temática.

Não dá para dizer também que a melodramatização seja triunfante e complexa. Essencialmente existe a proposta de “filme de elenco”, com o objetivo claro de alçar indicações em premiações. Close e Kunis estão realmente muito bem e encenam os embates entre as personagens com performances calibradas em tom (sem se deixar levar por exageros), mas falta uma encenação à altura de suas interpretações. Tudo na mise-en-scene de Garcia é muito básica e correta, mesmo que não haja apelos de trilha melódica de fundo e seu texto até busque caminhos alternativos aos convencionais ao tipo reconhecível de narrativa, ela continua soando extremamente derivada. Faltou um pulso mais firme na direção de Quatro Dias ao Teu Lado não cair no rótulo de Oscar Bait, embora ele possua uma leitura de tema um tanto mais cuidadosa do que aquelas feitas por filmes que querem somente agradar a Academia.

Quatro Dias ao Teu Lado (Four Good Days | EUA, 2020)
Direção: Rodrigo García
Roteiro: Rodrigo García, Eli Saslow
Elenco: Mila Kunis, Carla Gallo, Glenn Close, Stephen Root, Gloria Garayua, Rebecca Tilney, Carlos Lacamara, Kim Delgado, Audrey Lynn, Nicholas Oteri, Joshua Leonard, Rebecca Field, Chad Lindberg, Violet Brinson, Michael Hyatt, Mandy June Turpin, Sam Hennings
Duração: 100 minutos

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