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Crítica | Que Droga de Vida!

por Ritter Fan
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De todos os longas que Mel Brooks dirigiu, Que Droga de Vida! é o único que não é nem sátira e nem mesmo comédia. Ok, há uma pegada levemente cômica na obra, até porque Mel Brooks, como ator e, aqui, ele é o protagonista mais uma vez, automaticamente leva para o lado humorístico, mas tanto a temática quanto a crítica socioeconômica que resulta dela muito claramente faz com que a abordagem dramática sobrepuje a comédia e talvez tenha sido essa a razão – somada com a ausência de sua trupe clássica no elenco – para o fracasso duplo do longa, tanto de crítica, quanto de bilheteria.

Mas o antepenúltimo filme da carreira do comediante merece mais destaque do que teve justamente por ser diferente e por ser um veículo de críticas nada sutis à especulação imobiliária e ao abismo que separa os muito pobres dos muito ricos nos EUA, com aplicação imediata, também, nos mais variados países do mundo, inclusive o Brasil. A premissa é simples, com Goddard Bolt (Brooks), empresário bilionário que pouco liga para os pobres e que deseja transformar uma região paupérrima no centro de Los Angeles em um empreendimento imobiliário cuja metade é de sua propriedade, faz uma aposta com outro bilionário que deseja a mesma região, Vance Crasswell (Jeffrey Tambor), que é dono da outra metade. Na aposta, Bolt precisa viver como um destituído durante 30 dias no local e se ganhar, ele leva toda a região; e, se perder, tudo vai para Crasswell.

O que resulta daí é a óbvia e mais do que esperada transformação de Bolt, de um homem que não liga para ninguém a não ser ele mesmo, em alguém que entende as agruras dos despossuídos e a necessidade de os mais ricos ajudá-los. A lição de moral parece mequetrefe e banal, com uma abordagem talvez direta demais, sem qualquer tentativa de se criar nuanças narrativas, além de providenciar um final feliz que talvez seja feliz demais e isso tudo é verdade, mas ela continua válida, especialmente nos dias de hoje, e às vezes é bom ver algo evidente assim só para nos relembrar do que convenientemente esquecemos de fazer.

Por incrível que pareça, Brooks está até bem como ator, mas os destaques ficam mesmo com Lesley Ann Warren como Molly, ex-bailarina e moradora de rua que faz as vezes de interesse romântico de Bolt (que logo é apelidado de Pepto por dormir em cima de uma caixa de Pepto-Bismol e ficar com a testa “tatuada”), além de Howard Morris como Sailor, e Theodore Wilson como Fumes, dois outros moradores de rua que fazem amizade com o bilionário. A conexão entre eles é bonita e agradável, com o roteiro arriscando-se até mesmo a levar a história em uma direção trágica que, porém, é mal aproveitada. Aliás, diria que toda a evolução de Bolt ao longo de seus 30 dias de pobreza absoluta é muito corrida, com uma estranhíssima escolha de lidar apenas com os primeiros dia dele na rua e então estabelecer uma elipse temporal que já leva o espectador ao último, desperdiçando oportunidades.

Mas o longa funciona quando não quer fazer o tipo de humor que notabilizou Brooks. Sim, eu disse que funciona quando não faz esse humor, vocês leram corretamente. É que os momentos engraçados são apenas levemente engraçados e não casam bem com a situação dramática das pessoas que moram na região onde o ricaço passa a viver. Brooks deveria ou ter sido mais ousado e ferino na pegada cômica ou simplesmente tê-la eliminado por completo, pois o meio termo não funciona bem. Na verdade, juntamente com a elipse temporal, o meio termo simplesmente atrapalha a história agridoce da humanização a jato de Bolt.

Que Droga de Vida! tem uma premissa interessante, que leva a um filme de execução cambaleante e que funciona melhor quando embarca no drama leve carregado de críticas socioeconômicas óbvias, mas mesmo assim não menos importantes, do que quando tenta injetar comédia nesse mix. O elenco principal, incluindo aí o sempre ótimo Tambor, ajuda a tornar o longa apreciável e carismático, fazendo com que os espectadores reflitam um pouco sobre a situação de moradores de rua que provavelmente estão literalmente logo ali na esquina da vida de cada um de nós.

Que Droga de Vida! (Life Stinks – EUA, 1991)
Direção: Mel Brooks
Roteiro: Mel Brooks, Rudy De Luca, Steve Haberman
Elenco: Mel Brooks, Lesley Ann Warren, Jeffrey Tambor, Stuart Pankin, Howard Morris, Rudy De Luca, Theodore Wilson, Carmen Filpi, Michael Ensign, Matthew Faison, Billy Barty, Brian Thompson, Raymond O’Connor, Carmine Caridi, Sammy Shore, Frank Roman
Duração: 92 min.

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