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Crítica | Quebrando o Silêncio: Os Bastidores de Hannibal

por Leonardo Campos
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A produção de Hannibal, continuação de O Silêncio dos Inocentes, lançada em 2001, foi bastante badalada. O documentário Quebrando o Silêncio: Os Bastidores de Hannibal trata de abordar o processo de maneira muito detalhada, num material que funciona não apenas como o descortinar metalinguístico habitual em nossa curiosa contemporaneidade, mas também como uma aula de cinema das boas. Direção, desempenho dramático, processos de produção e pós-produção, composição musical e outras particularidades que estruturam os mecanismos que engendram a indústria cinematográfica são delineados ao longo dos 70 minutos deste material produzido e editado por David Crowther, responsável por organizar as entrevistas com os produtores, o diretor Ridley Scott, os membros do elenco, em especial, Anthony Hopkins e Julianne Moore, dentre outros profissionais importantes o retorno de Hannibal Lecter para as telas,

No filme, Lecter é uma presença ainda muito triunfante. E é justamente a sua imponência, somada ao tom bizarro do romance de Thomas Harris que serve como ponto de partida, a mola propulsora para deixar todos divididos diante desta narrativa corajosa e ambiciosa, considerada bastante violenta e sem as sutilezas que o seu antecessor tinha apresentado. Para quem já leu a minha crítica de Hannibal, sabe que considero o filme uma obra-prima. Ridley Scott assume o material literário com coesão, se propõe a retratar o antagonista com sinceridade e ainda imprime um tom diferenciado para o absurdo final exageradamente fantástico do livro, contornando um problema que seria sim, maior que a violência gráfica exibida nas cenas mais polêmicas da tradução intersemiótica. Hannibal e Clarice juntos, na Argentina, como se um pertencesse ao outro? Bastante difícil de digerir, não é mesmo? É uma viagem muito controversa, licença poética excessiva do escritor que aparentemente se perdeu na concepção das últimas páginas.

Indo muito além de um banal filme policial, Hannibal possui uma estrutura dramática forte e um desenvolvimento estético primoroso.  Ao acompanhar o documentário, dividido em cinco partes, rememoramos alguns grandes momentos e observamos como o processo foi guiado com zelo por todos os envolvidos. No primeiro bloco, “Desenvolvimento”, Dino de Laurentiis conta que é muito amigo de Thomas Harris e que a espera pelo fechamento do livro era algo esperado com muita ansiedade por todos. Assim que o escritor sinalizou o encerramento do novo romance, a corrida pela produção ganhou o seu ponto de partida. Bizarro e com ultrapassagem vertiginosa de limites, o material literário de Harris era pura controversa e Laurentiis percebeu que seria um grande desafio transformá-lo em narrativa cinematográfica. Anthony Hopkins, na época, em vias de se aposentar e cansado da indústria que ele criticou e chamou de “ilusória”, era o interesse maior de todos. Fazer Hannibal sem Hopkins? Ninguém queria. Então, foram atrás do ator, para convencê-lo.

Com o ator escalado, faltava as confirmações de Jonathan Demme e Jodie Foster. Demme não assumiu, Jodie estava envolvida com a direção de um novo projeto há tempos aguardado, algo que dificilmente a faria sair da curva de sua trajetória na ocasião. Ademais, a atriz que interpretou Clarice Sterling pela primeira vez não tinha gostado do material, pois achou a violência excessiva demais. Assim, temos a saída de Foster para a entrada de Julianne Moore. Um filme, como sabemos, não se faz apenas com o elenco. É preciso alguém para orquestrar todo o processo. Foi assim que Dino e Martha de Laurentiis chegaram a Ridley Scott, na época, envolvido nas filmagens de Gladiador, na Itália. Os produtores foram até lá, levaram o manuscrito, deixaram com o cineasta e deram um deadline para a resposta do realizador que aceitou após ler o material em apenas quatro pausas durante os intervalos de gravação do premiado filme com Russell Crowe.

Para Scott, Hannibal era uma sinfonia e ele tinha de filmá-lo. Steve Zaillian, dramaturgo elogiado por vários entrevistados, foi chamado para escrever o roteiro. Tem-se assim, o painel para os próximos passos, isto é, a “Produção”, título da segunda parte do documentário. Com depoimentos relevantes entrecortados com as imagens belíssimas da Itália, Martha de Laurentiis fala sobre a arquitetura de Florença, a sua história de violência medieval, as paisagens favoráveis para a captação de imagens deslumbrantes e os desafios de se filmar numa região que em algumas ocasiões, recebe muitos turistas diariamente, um contingente maior que a própria população nativa. Como destaque de bastidores, temos a cena da Ópera, manifestação artística musicada com trechos de um peculiar soneto de Dante. A polêmica passagem da mesa de jantar com Ray Liotta e seu personagem manipulado fisicamente pelo bisturi de Hannibal Lecter também ganha destaque, numa conversa didática sobre a importância dos efeitos visuais e a desmistificação sobre o CGI ser um substituto completo da maquiagem no futuro da indústria cinematográfica.

Mais adiante, a cena dos javalis é delineada pelos realizadores, com destaque para o trabalho de Phil Neilson como coordenador de dublês, um treinador que se dedica bastante para a coreografia dos animais que fazem a festa numa determinada e violenta cena da produção. Antes de passar para a terceira parte, “Efeitos Especiais em Maquiagem”, Dino de Laurentiis compara elogiosamente o diretor Ridley Scott a Federico Fellini, dando enfoque ao jeito prático de ambos nos bastidores, cineastas conhecidos por seus métodos objetivos de filmagem. Assim, ao chegar no deflagrar dos truques de maquiagem de Hannibal, conhecemos o trabalho de Keith Vanderlaan e Greg Cannom, ambos supervisores do setor. Uma versão do javali que mescla um boneco e os animais reais, a cena da morte do inspetor italiano pendurado e o destino violento do personagem de Liotta na já mencionada passagem do bizarro jantar são os momentos de horror visual que os realizadores consideram que não foram vistos com tanta intensidade desde O Exorcista. Estes são os principais tópicos parte que antecipa as revelações sobre o desenvolvimento da música para o filme, composta e orquestrada por Hans Zimmer.

A música, como é exposto pelo compositor, é um diálogo. Nesta quarta parte, contemplamos os encontros de Scott com Zimmer, músico que revela ser a composição “algo próximo de algum tipo de loucura”. Com menções ao Renascimento, associação com A Bela e a Fera para refletir sobre Hannibal e Clarice, além de suas interpretações sobre corrupção policial, solidão da personagem de Julianne Moore e o lado sombrio do antagonista, a trilha sonora de Hannibal é um primor, mesclada pela doçura da flauta em alguns trechos, contraste entre violoncelo e contrabaixo, ambos ao extremo, e atmosfera que não soa como uma orquestra contemporânea, mas na verdade, uma representação musical com tom de antiguidade. Para quem já se dedicou ao álbum sonoro do filme, sabe que a trilha é um dos pontos mais valiosos da narrativa. Ademais, contemplamos o lançamento do filme, as festas com a presença de atores talentosos e celebridades, a recepção do público, as polêmicas sobre o tom violento e um desfecho com depoimentos de convidados dos eventos e membros da produção, elogiosos em relação ao cineasta Ridley Scott, considerado destemido ao manipular o material polêmico com bravura, narrativa que parece uma tenebrosa alucinação de personagens envoltos em situações macabras e psicologicamente complexas.

Quebrando o Silêncio: Os Bastidores de Hannibal (Making Hannibal, EUA – 2001)
Diretor: David Crowther
Roteiro: David Crowther
Elenco: Ridley Scott, Julianne Moore, Anthony Hopkins, Ted Levine, Dino de Laurentiis, Martha de Laurentiis, Anthony Heald, Hans Zimmer, Ray Liotta,
Duração: 73 minutos

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