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Crítica | “Queen” – Queen

por Luiz Santiago
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Olhando em retrospecto para a grande carreira do Queen, é difícil imaginarmos os percalços e problemas que os 4 integrantes da banda passaram antes de se tornarem os ícones que se tornaram. E não digo isso pelo motivo óbvio ululante de todo projeto que engatinha miseravelmente antes de eventualmente ter sucesso. Até o lançamento do excelente A Night at the Opera (1975), quarto álbum de estúdio da banda, eles ainda tinham sérios problemas com finanças, turnês, crítica/recepção e seguiam naquela coisa de “brigar por dinheiro” que apareceu por acaso, durante a gravação da demo de Liar, em 1971, e que duraria até o final dos anos 1980.

Formada em 1970, a banda composta por Freddie Mercury (principal vocalista, piano), Brian May (guitarra, vocal), John Deacon (baixo) e Roger Taylor (bateria, vocal) já se conhecia há pelo menos 2 anos, todos em idade universitária (Deacon: 19 anos; Taylor: 21 anos; May: 23 anos; Mercury: 24 anos) e com visões relativamente diferentes sobre suas carreias. Depois da insistência de Mercury e Taylor em continuar tentando gravar o primeiro álbum, o sonho do quarteto foi realizado.

Em julho de 1973, Queen foi finalizado; um álbum de 40 minutos, com 10 músicas (9 canções e 1 instrumental), que hoje podemos ver como uma espécie de semente para todas as ideias que a banda traria nos discos seguintes. Trata-se de um produto relativamente desigual — no tocante ao conjunto do álbum — mas traz coisas bem interessantes como a tendência operística adaptada ao rock típica de Freddie Mercury (veja o que ele faz nas excelentes My Fairy King ou Jesus, por exemplo) e a harmônica interação entre os músicos — não o simples “arranjo entre partes” que vemos em muitos grupos de rock por aí –, deixando clara a simbiose entre o vocal de Mercury e a guitarra de May e a energia inacreditável de Taylor e Deacon na bateria e no baixo, respectivamente.

O álbum começa com Keep Yourself Alive, canção que gruda na cabeça e que já mostra a insana qualidade de Brian May na guitarra, com criações que servem de coluna para a música, que sabe recuar para dar espaço a um bem-vindo solo de bateria e que faz variações tonais aparentemente desconexas dentro da base harmônica da faixa (para um ouvinte desatento) mas que não só funciona muito bem como também nos faz perceber a intenção de May (que compôs a canção) em ligar os vocais do trio em “partes distintas“, daí os riffs plurais que ele espalha ao longo de quase 4 minutos. Não há dúvidas que foi a escolha certa para a abertura do disco, até porque ela tem um poder que pouco se repete no álbum — e não falo isso como algo negativo, entenda –, já que a tendência mais acústica e de músicas-suíte são a característica central do que vem depois.

As comparações do Queen com o Led Zeppelin foram muitas à época e são muitas até hoje, especialmente quando o crítico ou fã vai estreitar laços dentro do hard rock. No entanto, o que o Queen faz aqui é diferente em proposta musical, técnica e conjunto daquilo que o Led Zeppelin fez em seus álbuns I e II (ambos de 1969), os que mais são comparados ao Queen nesse início. A questão é que o quarteto da rainha teve, desde o começo, um modo diferente de fazer [não só] hard rock. Quer um exemplo deste mesmo álbum? Peguemos Liar. Observe a cadência da introdução da guitarra — ritmo e base –, as linhas musicais do baixo e os compassos diferentes da bateria. Há interrupção brusca do vocal (solo e de conjunto), há versos que lembram folk music, há um quê de pop em certas estrofes da canção… Como classificar esta música (ou a maioria delas) como sendo um genérico hard rock? Aliás, a característica primária do Queen foi a forma única de trabalhar os mais diversos gêneros, daí a estranheza de comparações “pau a pau” que normalmente se tenta fazer com o quarteto.

Com Doing All Right (composição de Brian May e Tim Staffell, da época da banda Smile) temos a balada do disco, uma canção bonita e que nos deixa confortáveis para reafirmar o já conhecido “contraste musical” típico do Queen. Mesmo sendo uma balada, há blocos de guitarra pesada além de variedade vocal e junção de vocais com coro. Mais uma vez, a pluralidade da banda se fazia ver. Na sequência, Great King Rat, a segunda faixa mais longa do projeto. Compasso de marcha, belos duetos e pequenas frases sobrepostas marcam a gravação, que a exemplo de outras canções já citadas, é dividida em blocos, cada um com um gênero/subgênero específico.

Saindo do mundo sujo e doente de Great King Rat, chegamos ao paraíso de Mercury em My Fairy King, que brinca com o poema O Flautista do Manto Malhado em Hamelin, de Robert Browning (se não leu, leia, vale muito a pena!) e dentro da mesma proposta da canção anterior cria um universo especial — porém, musicalmente mais elegante e de maior qualidade que em Great King Rat –, um mundo para o qual Mercury voltaria na última faixa, Seven Seas of Rhye, onde também temos a forte presença do piano. Neste álbum, temos apenas a versão instrumental desta composição, porque Mercury não havia terminado de escrever a letra. A versão cantada seria gravada no álbum Queen II.

The Night Comes Down é “a outra balada” do disco, mais nostálgica e mais pobre que Doing All Right. Também composta por Brian May, quando a banda Smile chegou ao fim, a canção tem um bom trabalho de engenharia de som, um bom vocal no refrão, mas a letra é enjoativa, melancólica demais. Possivelmente a canção mais fraca do disco. Modern Times Rock ‘n’ Roll tem seu ritmo acelerado, uma pegada proto-punk e é a típica música de “fazer todo mundo dançar” em shows, mas não é a melhor composição de Roger Taylor.

Son and Daughter nos traz o inesquecível I – WANT – YOU na letra. É uma canção que combina com o “final do disco”, realmente dando a impressão de que a jornada já estava terminando. Infelizmente, a versão de estúdio não traz o famoso solo de guitarra que as versões ao vivo conteriam. Por fim, Jesus, a penúltima canção do disco (e a última cantada), a versão de Mercury para a história de Cristo, uma sensacional mistura de rock e do Kyrie de qualquer missa que ganham na tríade de instrumentos (guitarra, baixo e bateria) uma força e qualidade aplaudíveis. A marcação das frases musicais em staccato, a voz forte e limpa de Freddie Mercury + as vozes de apoio numa forma da banda interpretar um coro sacro finalizam a canção em algo que poderíamos chamar de sublime: uma longa parte instrumental com direito a mais uma exibição perfeita de Brian May.

É claro que existem alguns pequenos tropeços neste primeiro álbum do Queen (The Night Comes Down, o maior deles), mas a verdade é que estamos diante de um sensacional disco de estreia, um daqueles álbuns que você ouve uma, duas, três vezes e não consegue nem começar a enjoar. Uma meteórica e brilhante carreira de uma das melhores bandas de todos os tempos estava apenas começando.

***

Nota sobre fontes: eu traduzi trechos de informações em entrevistas com os membros da banda para diversas redes de TV e rádio ao longo dos anos; compilei informações técnicas específicas expostas no livro Queen – História Ilustrada da Maior Banda de Rock de Todos os Tempos, de Phil Sutcliffe (e também de encartes de CDs, documentários de DVDs e livros que acompanham os boxes Especiais da banda); trouxe diversas informações sobre decisões ou discussões de bastidores, processo de criação das músicas, uso específico de instrumentos, descrição de cenas da produção dos discos, estilos ou comparações entre canções de diversas Eras da banda através de um processo criativo de caráter biográfico do documentário Queen – Days of Our Lives e também de artigos em diversas páginas ligadas à banda, aos estúdios e principalmente aos produtores dos discos.

Aumenta!: Liar
Diminui!: The Night Comes Down
Minha canção favorita do álbum: Jesus

Queen
Artista: Queen
País: Reino Unido
Lançamento: 13 de julho de 1973
Gravadora: EMI (Europa), Elektra (EUA)
Estilo: Hard Rock, Progressive Rock

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