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Crítica | Quem Vê Cara Não Vê Coração

por Iann Jeliel
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Quem Vê Cara Não Vê Coração

Uncle Buck, personagem do título original de Quem Vê Cara Não Vê Coração, talvez seja a representação perfeita da mentalidade de John Hughes. Um solteirão com espírito de criança, mas que no fundo de seu orgulho, acredita fortemente no poder da familia e matrimônio. O caminho de Hughes em sua filmografia, especialmente como diretor, é trazer a unificação desses valores, tangendo comentários críticos para ambos os lados da moeda. Nesta comédia dramática em especial, essa união também se vale as vertentes do seu cinema, atingindo o espectro familiar, com o adulto infantilizado e um pouco da valência colegial, além de claro, passear pelo drama e comédia com muita destreza. Por mais que seja mais previsível que seus demais longas por adotar escolhas parecidas com o que já havia feito quando trabalhou essas temáticas isoladamente, há um carinho específico na execução que eleva o material a aquele bom e velho status de classico oitentista da sessão da tarde.

A principal teia de conflitos escolhe a vertente familiar. Uncle Buck (John Candy) foi distanciado pela familia pelo seu jeitão e crenças de solteirice. Ele é chamado como último recurso da familia Russel, que não ironicamente precisa viajar para cuidar do patriarca da familia que havia sofrido um ataque do coração, que, como segundo a própria filha menciona, foi “causada pelo distanciamento a familia”. Ora, essa piada não foi à toa, mas a confirmação desse pensamento vem da subversão da causa, no caso, a personalidade de Buck. É com ela que ele facilmente conquista a confiança das crianças e não tão facilmente, faz a filha mais velha Tia (Jean Louisa Kelly) a repensar sobre sua rebeldia sem causa diante da familia. Ela e mãe (Elaine Bromka) não se dão tão bem, o que a faz procurar um porto seguro em lugares perigosos, nos quais, Buck, entende bem por ter convivido no universo. Me refiro, ao lado ilícito das relações joviais, não só as drogas e festas alcoolizadas, mas principalmente na predatória masculina por relações sexuais, onde todas as suas atitudes só são pensadas a chegarem a esses fins corporais.

Claro, Hughes entra nesse ponto com uma leveza humorística tremenda. A piada de Buck ser um “empata foda”, é daquelas que podem aparecer várias vezes durante o longa que continua engraçada. Mas por trás dela há essa leitura bastante madura do diretor, principalmente em subverter a imagem de seu retrospecto ligado a cultura sexista, como foi em Gatinhas em Gatões. De lá para cá, sua filmografia reitera o comportamento masculino com uma lente mais crítica, embora não menos descompromissada com a comédia. John Candy é o tipo de rosto ideal para fornecer isso sem cair numa figura – que o Hughes nunca também concordou – paterna controladora da liberdade da filha só porque é mulher. O caráter superprotetor de Buck é levado tão a sério, quanto a revanche de Tia em prejudicá-lo com a namorada. É uma disputa de “poder” de muito senso cômico, embora, seja a ponte para que os dois personagens se ressignifiquem durante a trama, convergindo, naquele final de coração quente, que o diretor tão bem sabe entregar.

Não deixa de ser um coming-off age em conjunto dos dois a reabilitação de uma familia antes pouco comunicável. Nesse sentido, sinto falta, no entanto, de uma resolução mais direta com Buck e os pais da jovem. Há uma cena no filme que mostra o quanto ele foi descartado pela familia ao ver sua aparição numa fotografia dobrada para não aparecer no álbum de recordações. O filme acredita, que no feito dele conseguir cuidar das crianças, da casa e das responsabilidades de modo geral – algo que ele sempre fugia –, era suficiente para ficar subentendido que isso seria dissolvido depois. Era uma possibilidade, mas ainda assim, a meu ver, era uma recompensa necessária para concluir a jornada do personagem e não a veria como um recurso apelativo. Se o filme dedicou uma cena inteira no meio do filme para gratuitamente fazer aquele ataque costumeiro de Hughes as instituições escolares, (uma ótima cena, diga-se de passagem), por que não ter uma outra, nem que ficasse gratuita no contexto linear da história com a mãe revirando a fotografia ao seu formato completo? Ou outras sidequests envolvendo as carismáticas crianças – quem não queria mais dessas fofuras de Gaby Hoffmann e Macaulay Culkin em cena?

De qualquer forma, isso é um mero detalhe, tal como a excelente – só que não – tradução do título em português que não anula em nada a eficácia cômica, dramática e moral de Quem Vê Cara Não Vê Coração. Um filme tão delicioso que seu maior defeito é acabar sem ter mais momentos gostosos. Outro titular de peso da carreira de dois gênios da comédia. Candy e Hughes, sem dúvidas, trouxeram um dos melhores “tiozões” da sétima arte.

Quem Vê Cara Não Vê Coração (Uncle Buck | EUA, 1989)
Direção: John Hughes
Roteiro: John Hughes
Elenco: John Candy, Jean Louisa Kelly, Gaby Hoffmann, Macaulay Culkin, Amy Madigan, Elaine Bromka, Garrett M. Brown, Laurie Metcalf, Jay Underwood, Brian Tarantina, Mike Starr, Suzanne Shepherd, William Windom, Dennis Cockrum
Duração: 100 minutos

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