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Crítica | Querido Menino

por Gabriel Carvalho
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“Eu preciso encontrar uma maneira de preencher esse buraco negro em mim.”

Uma muito cruel, mas necessária melancolia, permeia a narrativa de Querido Menino e suas proposições acerca do combate às drogas: o amor não é o único remédio para todos os problemas do mundo, podendo ser tão fracassado quanto qualquer outro tratamento medicinal. O amor não é suficiente. E essa questão é extremamente pesada para qualquer pai, mãe, parente de uma pessoa em condições tão problemáticas quanto as vividas por Nic Sheff (Timothée Chalamet), usuário de drogas em um estágio de dependência química. Steve Carell, encarnando o papel protagonista, vive o pai do personagem, e antes do longa-metragem entrar em qualquer pontuação acerca da depressão desse garoto, o projeto conduz um pungente estudo da perdição dos pais, ainda querendo ser, que seja mais uma única vez só, super-heróis para suas crianças já crescidas.

Mas como salvar um trem desgovernado, senão torcer para que o maquinista acorde? O pai não possui controle sobre os próximos passos desse menino. Por isso a primeira cena do filme, em que David começa a se preocupar com o sumiço do seu garoto, é importante como introdução ao cerne do longa-metragem, pois já exemplifica a ignorância do personagem em saber onde se encontra Nic, tanto em termos literais, quanto em termos figurativos. O que está aprontando o meu querido menino? Drogando-se, certamente. E onde está? No hospital, nas ruas, no fundo do mar? E a sua cabeça, sua mente? Pois está perdida, óbvio. Mas como resolver? Querido Menino não é um diagnóstico conclusivo sobre a temática do vício em drogas. Opta, em contrapartida, por uma averiguação comovente de que cuidar de um viciado pode ser tão assustador quanto ser o viciado.

O longa é um dos projetos recentes mais tristes sobre o assunto por justamente não conseguir responder ao que se espera, e então pautar-se em milagres esperançosos. Querido Menino tem consciência do drama inerente a pessoas que não compreendem a si mesmas, no caso do jovem, ou as outras, no caso do pai. O espectador não entende as causas. E ninguém – pouquíssimos sendo mais otimista – entende. As chances para o sucesso de certos tratamentos são muito pequenas. Sendo assim, o cineasta Felix van Groeningen não se interessa por um conteúdo investigativo, que procuraria as origens do problema num modo freudiano. Caso fizesse isso, Groeningen caparia drasticamente o peso dramático que David carrega, um medo pelo desconhecido, por possíveis equívocos que não soube compreender e, só, não mais pode corrigir.

Um outro diretor recorreria às revisitas ao passado, comuns a adaptações de memórias – os acontecimentos são inspirados em fatos -, para mostrar a transformação em andamento. Groeningen permitiria o público estudar o que acontecera, mas não o faz. Usa os flashbacks, constantes e acordados a uma montagem muito graciosa, regurgitando um contraste assustador em meio a cenas arrebatadoras, como impedimento a respostas. Em contrapartida, o artista usufrui dessa manivela, e que seria narrativa nessa outra possibilidade, para impulsionar ainda mais a substância emocional do projeto, em que causas primeiras parecem não existir, apenas o contraponto. Onde que erramos na criação? O passado é a esperança de que o futuro pode ser como era antes. Já o Nic atual só pode ser descrito pelo pai fisicamente, vide a primeiríssima cena.

O que resta para essas sequências, que soam se situar em uma outra realidade completamente diferente, é uma intimidade entre pai e filho que parece ter se perdido com o tempo. Timothée e Carell possuem uma ótima química, que desmorona-se, no presente, para cenas carregadas com desconforto e tensão. Tão grande a impotência de Steve Carrel que o ator assume uma submissão ao comportamento do seu filho. Desconstrói apenas paulatinamente a sua visão desse amor supostamente invencível a qualquer barreira. É o herói para quem gritam pedindo dinheiro emprestado. É o herói para quem gritam pedindo moradia. É o herói que deve salvar pessoas em estados tão depreciadores que roubam do próprio herói. O que os pais não fariam pelo os seus filhos, não é verdade? Mas e quando intervir não surtir efeito positivo algum? Iria David renunciar?

Surgem as personagens femininas como guias para a jornada do protagonista em recuperar o seu menino continuar. É nesse ponto, contudo, que o texto derrapa consideravelmente, mostrando não ter muita atenção no usufruto dessas presenças como movimentações dramáticas que complexassem as relações. Amy Ryan – um aceno entristecido aos fãs de The Office – interpreta a ex-esposa de David e serve como uma redundância não tão sentimental do papel de Carrel, ainda mais por conta do distanciamento geográfico entre esses personagens. Já Maura Tierney possui uma presença coadjuvante demais em vista de sua importância, casada no presente com David. Uma cena mais impactante ao fim, que ressignifica a sua missão como uma mulher partindo para um ultimato doloroso, precisava estar acompanhada de mais interações entre ela e o seu marido.

Aliás, nessa mesma cena, Tierney alcança o ápice de um cansaço que delonga-se por quase toda a duração do longa-metragem. Querido Menino, com esse seu cerne ansiando pela exaustão, pode até mesmo parecer narrativamente repetitivo em seus vai-e-vens, mas se as situações se repetem um pouco demais, o olhar humano se desgasta com muita profundidade, progressivamente. Um desgaste que se materializa mais nas interpretações, ora apáticas, ora desoladores, que na cinematografia, um contorno intencionado a capturar uma máscara falsa de conforto, de beleza, de salvação. As cores ganham mais força no passado, nostálgico. Então, quando enfim exausta-se, em caminhos cada vez mais estafantes de um amor que mostra-se vencível, o projeto ganha outros rumos. Torna-se desesperador, como muito bem exprime esse momento-chave de Tierney.

Do que seria os super-heróis, por fim, sem os super-vilões? Em busca desse relacionamento supostamente inexorável entre o preto e o branco, quem é o antagonista de Querido Menino, se as drogas recebem um tratamento menos maniqueísta? Uma cena no passado, por exemplo, mostra pai fumando maconha com o seu filho. Ora, será que Nic então é o cara mau? Groeningen, para mostrar a competência da sua execução, origina uma segunda camada dos flashbacks: um meio visando, paralelamente a outros princípios, ajudar os espectadores a não desgostarem de Nic, apesar das decisões retroativas que toma tantas vezes. Chalamet, em razão disso, evidencia uma complicada agonia, que ainda sentimos entristecidamente, apesar de não compreendermos. O menino é mais querido, opondo-se a seus equívocos, quando interage com os seus meio-irmãos.

Obviamente, nem os males seriam concretos em um drama pautado na incomunicabilidade. David até recorre, no seu processo de super-heroísmo, a uma exploração mais científica do vício, que parece gratuita, mas não é. Uma luz no fim do túnel? O roteiro, entretanto, assassina saídas. Será que o Superman conseguiria impedir um jovem de usar drogas? Será que o Superman conseguiria acabar com a depressão de um jovem? Querido Menino rejeita a cura invencível, renegando o sentimentalismo engrandecedor, a esperança utópica. “Recaídas fazem parte da recuperação”, comenta uma personagem terciária. A cada recaída, portanto, uma angústia aterrorizante. Querido Menino é sobre essa impaciente amargura de que tudo conquistado poderá acabar do nada. O milagre seria a espera durar um pouco mais. Os pais continuarão acreditando, e os filhos tentando.

Querido Menino (Beautiful Boy) – EUA, 2018
Direção: Felix van Groeningen
Roteiro: Luke Davies, Felix van Groeningen
Elenco: Steve Carell, Timothée Chalamet, Maura Tierney, Amy Ryan, Christian Convery, Oakley Bull, Kaitlyn Dever, Stefanie Scott, Julian Works, Jack Dylan Grazer, Zachary Rifkin
Duração: 111 min.

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