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Crítica | “Quiet Man” – Roo Panes

A masculinidade e a espiritualidade medieval.

por Davi Lima
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Quiet Man

Roo Panes tem cara de cavaleiro, mas canta como camponês. O cantor folk em seus álbuns e EPs anteriores havia se mostrado inteirado com as bases do seu gênero musical, indo ainda mais fundo no que se chama popularmente como folk. A reminiscência medieval na sua discografia tenha ficado mais clara na produção Land of Living. Seja pela letra com aspectos teológicos, como uma poesia inspirada em Santo Agostinho, pela capa de iluminura e pela vocalização incitando uma peregrinação dos ouvintes, em 2013, essa faixa do EP homônimo delineou seu caminho para as introspecções da masculinidade medieval.

No mesmo ano em que lançou Quiet Man, Roo liberou um cover de Elvis Presley, da música mais trovadoresca do rei do rock. Can’t Help Falling in Love mantinha a linha do canto inglês dentro do romantismo que iniciou sua carreira musical, usando sua voz grossa como conquista popular. O link com Elvis é sem dúvida acertado pelos tons de vozes, mas também indica essa propensão medieval que a canção trovadoresca carrega consigo, na cantiga de amor em contextos teocêntricos de entrega e servidão da Idade Média. Com instrumentos tradicionais e acústicos, bem introduzidos com os ambientes naturais, o folk, como música popular europeia, preservava a oralidade e as narrativas da vivência dos camponeses, guerreiros, monges, entre outros homens ditos quietos de uma época com perspectiva reduzida à eternidade cristã, ao ponto de as temáticas românticas equivalerem à passagem de Gênesis, do casamento como um só corpo entre homem e mulher, como a música de Elvis.

Mas diferente dessas músicas de inspirações medievais, o último disco não se direciona apenas na letra e no folk possibilitador da imersão no medievo, como coloca o eu lírico masculino em peregrinação pelo próprio homem, ou o próprio Roo Panes, estudante de Teologia. O título da sua produção poderia apontar para o britânico do interior do Reino Unido, como o próprio Roo se refugiou para gravar, ou até mesmo para uma imaginação do homem sisudo da masculinidade social, que não pode tirar a barba em tempos mais conservadores. Entretanto, como a segunda faixa My Sweet Refuge demonstra bem, o homem quieto, calmo, é aquele que tem esperança religiosa, no santo, como os medievais, ou em Jesus, como Panes costuma dizer se inspirar para as suas poesias musicais.

Em A Message to Myself segue as veredas de um homem frágil indo atrás de um amor fundamental, como os movimentados homens da Idade Média atrás de santuários, curas para o corpo e o folclore natural, lugares aos quais a natureza se impunha como bucólica e criada por Deus. A finalização vocal dessa primeira faixa é como se Panes buscasse um portal atmosférico com a natureza, como os medievais podiam cantar sobre ela pela vivência.  A mensagem de introspecção, a tentativa de imergir no ritmo folk além do estilo, mas num tempo em que o estilo musical era o cotidiano. Sketches of Summer traduz essa tentativa de propor uma personagem no trem, entre os carros, ainda como tema de uma estação anual. Os violinos e o aparente som do xilofone reproduzem bem um aspecto urbano com o mais folclórico antigo nos dois instrumentos.

Na narrativa das estações, Ophelia é o outono, um cântico com uma empolgação vocal que chega no gênero folk, mas preserva o tema da morte para a eternidade cristã. Há uma narrativa de volta ao rio, sobre como essa personagem Ophelia é desejada pelo céu, um eufemismo para a nossa mentalidade contemporânea secular, mas coerente com o horizonte de expectativa medieval cristão. Há, talvez, uma referência a personagem da peça de Shakespeare com uma reversão, em que a morte da feminilidade em Hamlet era a derrocada, a consequência da vingança, enquanto o homem de Roo Panes vai ver esperança na sua Ophelia da poesia. Isso é quase um manifesto em que Panes “grita” pela a primeira vez no álbum.

Se o álbum sai da atmosfera temporal do medievo para confrontar a nossa realidade, além da própria existência de questionamento sobre a masculinidade calma que o álbum propõe, ele volta por completo até a faixa Quiet Man. A Year in Garden se aproxima mais do Arcadismo dos burgueses e operários britânicos com saudade do campo, porém traduz uma outra performance, como um guerreiro peregrino que saiu do castelo e se encanta com o popular, esperando danças e a eternidade. Panes se transmuta num vocal mais emocionado ou soturno, como se tentasse captar os vários homens daquela época, o que acaba criando algumas contradições sociais em espaços de experiências, mesmo que ambas voltadas para o mesmo horizonte teológico.

Por isso, My Narrow Road se emociona como uma poesia para Jesus, como caminho estreito, do fácil imaginário cristão em contradizer ao caminho largo do pecado, e em seguida a faixa A Gift To You se acalma com um som que parece mais country gospel, ainda com o tema do sacrifício messiânico que simboliza inspiração para o guerreiro medieval. E antes da faixa título encaixa uma temática paterna bem relacionada com a masculinidade que quer propor. Com um som de cordas sonoramente parecidas com a guitarra que Elvis usava em suas músicas havaianas, com um ritmo bem mais lento, existe uma tranquilidade quanto aos filhos dessa geração como Roo Panes. Não chega a ser uma busca por encaixe, mas de encorajamento. Apesar dessas poesias inspiradas, é uma queda considerável para a narrativa do álbum, mesmo que essas faixas possam ser bons singles.

Em Quiet Man, finalmente, existe a convergência do homem contemporâneo sincronizado com o homem medieval.

Well I’m going to keep my ears close to the ground
And hear your voice above the stampede trampling town
Oh heaven knows that I am living on the sound
And your voice the day the light came through the clouds

Essa compreensão do som e do espaço é o homem quieto e calmo que mesmo no agitado tempo da atualidade tem o preceito do medievo de estar atento às vozes teológicas, ao horizonte natural e espiritual. Não é a faixa mais elaborada melodicamente, mas une o emocional em sinergia com a imersão que A Mensage To Myself procurava. O álbum poderia acabar aí, com a faixa que peregrina por dentro do eu lírico ao ponto de diversificar as maneiras como precisa e quer o amor espiritual, como um anacrônico medieval caminhando por guerras, por santos e milagres nas terras.

As últimas faixas são epílogos de uma chegada. Sejam camponeses ou guerreiros nobres, ambos podem cantar Warrior, aparentemente. A felicidade de Quiet Man como faixa é se finalizar num anseio profundo que se varia em 4 versos de uma mesma estrofe, mas Roo Panes prefere assumir o lado nobre do homem calmo, e menos “frágil-corajoso”. Se há alguma dúvida nas inspirações cristãs do cantor britânico, Peace Be With You fecha o portal medieval, desejando descanso divino aos homens quietos que peregrinam na atualidade atentos ao horizonte da eternidade.

Quiet Man é um álbum bem singular no quesito de cavalgar nas raízes culturais do folk, em toda a sua história que constrói o gênero musical hoje, na Europa, América e Ásia. Idade Média, como uma boa historiografia conta, não foi tempo de inabilidade ou imobilidade, e sim de percursos e crescimento em conhecimento. Roo Panes foca no teológico para direcionar essa mensagem introspectiva a ouvintes modernos que precisam parar para ouvir essa produção. O horizonte de expectativa e o espaço de experiência da medievalidade é bem diferente do que temos hoje, e felizmente Roo Panes media com algumas turbulências por meio da temática da masculinidade e suas classes medievais um manifesto ironicamente calmo para se ouvir vozes mais espirituais da natureza escondida.

Faço esse texto crítico em homenagem a Gabriela, que me apresentou Roo Panes anos atrás. 

Aumenta!: Quiet Man
Diminui!: A Gift To You
Minha Canção Favorita do Álbum: Ophelia

Quiet Man
Artista: Roo Panes
País: Reino Unido
Lançamento: 15 de junho de 2018
Gravadora: CRC Records
Estilo: Folk 

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