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Crítica | Quinze Dias, de Vitor Martins

Aprendizado e sentimentos.

por Luiz Santiago
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Quinze Dias possui uma delicadeza e veracidade tão grandes, além de personagens tão carismáticos e relacionáveis, que mesmo os leitores que não se consideram parte do público-alvo da obra se veem tocados pela história de Felipe e Caio. Lançado em 2017, o livro teve um rápido crescimento e conquistou o público dentro e fora do Brasil, construindo sua narrativa ao longo dos quinze dias em que os pais de Caio viajam para o Chile e pedem que a mãe de Felipe hospede o vizinho. À primeira vista, trata-se de uma premissa aparentemente clichê, que empresta ingredientes variados das mais conhecidas comédias românticas ou romances de verão, especialmente do cinema. Essa aparência inicial, contudo, vai sendo enriquecida e gradualmente modificada, deixando que o leitor perceba como Vitor Martins domina a narrativa com graça, transformando os dias dessa hospedagem numa experiência que, para nossa tristeza, passa rápido demais.

Por um lado, devo admitir que muito da linguagem própria ao gênero não me agrada. Entendo, contudo, que essa escolha integra a linha dramática construída pelo autor, e que certas opções narrativas ou mesmo os destinos traçados para os personagens dialogam com o público para o qual a obra se dirige. Ainda assim, o sentimento que nasce do encontro entre Caio e Felipe é de uma beleza tão genuína e vai adquirindo uma intensidade tão marcante que leitores de qualquer faixa etária vão sorrir ao ver a paixão florescendo. Sendo fisicamente e emocionalmente diferentes, os protagonistas dão ao autor um território fértil para explorar as diferentes maneiras como cada um navega pelo meio em que vivem, permitindo que o peso das expectativas sociais seja sentido de forma prática e leve a dupla a experimentar territórios inexplorados e a fugir de confrontos que ainda não se sentem preparados para enfrentar.

Não existe heroísmo barato em Quinze Dias. E falo isso porque muitos autores de livros para jovens adultos criam personagens que precisam se provar o tempo inteiro, protagonizando enfrentamentos, tendo diálogos contundentes que se sobrepõem, frases gigantescas que basicamente leem o roteiro contemporâneo de preconceitos e as suas formas de combate, mas tudo jogado, atropelado e em excesso. Aqui existem pausas e o tempo de desenvolvimento dos personagens. Claro que Felipe é o guia central da trama — é a partir de seu ponto de vista que vemos o que acontece — e que a narrativa está “impregnada” de seus tiques e medos, mas isso não impede de, mesmo por esse olhar, vermos Felipe se transformar também. Até mesmo os personagens secundários possuem nuances de mudança, o que prova que o texto foi bastante polido para não se dobrar aos vícios do narrador e também não parecer uma colcha de retalhos (em termos de forma), tentando encaixar jeitos muito díspares de narrar uma história de amor nascente.

Embora não evite questões como sofrimento, preconceito, rejeição e ansiedade — explorando toda uma constelação de medos e dilemas que atravessam os personagens –, Vitor Martins consegue manter Quinze Dias longe do território do melodrama opressivo e desalentado. Ele aplica a dose dessas questões: cada emoção surge no momento adequado, preservando espaços para as reticências e para aquilo que deve ficar em aberto. De gostos culturais a hábitos de higiene, de momentos cinematográficos a discussões literárias, de “coisas que adolescentes não deveriam fazer” a honestas conversas com adultos (mãe e terapeuta, sem chatices) o livro desenha o labirinto da vida de dois rapazes que estão na fase de descoberta interna (cada um com seus fantasmas) e externa, criando personagens tão genuínos em suas jornadas de descoberta que o leitor se vê investido em cada escolha que fazem. Não por acaso, a ternura e a honestidade da escrita fazem com que nossa entrega emocional à história seja inevitável.

Quinze Dias (Brasil, 2017)
Autor: Vitor Martins
Editora: Alt
288 páginas

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