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Crítica | Quo Vadis, Aida?

por Iann Jeliel
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Quo Vardis Aida?

Não é preciso entender completamente os pormenores do contexto político em que se passa a história de Quo Vadis, Aida? para compreender seu direcionamento crítico às figuras que deveriam ser garantidoras da paz mundial. O exercício de tensão do filme, na verdade, até melhora caso não conheça nada sobre o fatídico incidente descrito como “O Massacre de Srebrenica”, porque sua construção narrativa é pensada num aspecto plural de encenação, onde a protagonista sequer existiu nos eventos reais e foi criada justamente para trazer um ponto de vista presencial da total apatia da Organização das Nações Unidas (ONU) perante uma tragédia que poderia ser evitável. A lente da cineasta Jasmila Žbanić tem como principal motivação a exposição, através de Aida (Jasna Djuricic), da impessoalidade das figuras políticas e como o freio de burocracias consolidou um dos eventos mais sombrios da guerra civil iugoslava.

Quando está em seu epicentro, no caso, a protagonista, o filme possui uma dramaturgia poderosa. A emulação da montagem consegue passar o teor exaustivo da rotina da tradutora que caminha para todos os lados sendo a mediadora de todo tipo de situação criada pelo refúgio precário que abrigava os civis afastados da cidade em guerrilha nos arredores. O primeiro ato consegue estabelecer muito bem a personalidade da personagem através de suas interações, seu espírito empático nos conquista rapidamente, e consequentemente o filme introduz de maneira igualmente veloz sua narrativa particular, envolvendo a entrada da família sob proteção maior. Um implante cuidadosamente calculado no timing ideal para o texto apresentar seu primordial dilema: o individualismo ou a coletividade? Aida irá se ver entre priorizar a família ou obedecer as reges burocráticas da ONU por algumas vezes durante o longa, e para esse conflito funcionar era necessária a introdução explicativa de seu senso de discernimento, para que eles não se misturassem.

Vejamos, uma coisa não anula a outra. É possível querer o bem coletivo e, ainda por cima, querer o seu próprio bem e das pessoas que você gosta, colocando-as como prioridade. O que a burocracia deveria fazer, em teoria, era aliar ambas, pensar em soluções que correspondessem a todos, mas não ignorar a meritocracia, porque de alguma forma é por meio do mérito que são selecionados critérios para chegar num equilíbrio de decisões nessas situações envolvendo vida ou morte de inúmeras pessoas. A diferença é que tais decisões não correspondem a especificações emocionais de contextos, o que deveria ser fundamental, no mínimo, para corroborar com a imagem de uma justiça salvadora. O primeiro ato é o melhor, por reservar esse tempo ao povo, mas a obra perde força quando não consegue nesse momento converter a voz dos civis em uma perspectiva tão ampla, tampouco consegue direcionar Aida como um símbolo dele ao final, apesar do drama familiar.

Porque, primeiro, não sobra tanto tempo para adentrar nessa relação entre ela, o marido e os filhos, e segundo, da metade para a frente, o filme descarta essas interações mais secundárias, que seriam fundamentais para trazer esse espírito unitário às vítimas, para focar ainda mais na intensidade da corrida de resolver situações para protegê-los. Nesse meio-tempo, é quando a narrativa consegue impor a graduada frieza da ONU diante da situação. Há uma cena muito boa em que um grupo de soldados sérvios procura por outros soldados em meio aos civis. Além de ser bastante tensa pelo fator imprevisibilidade, ela se torna bastante reflexiva, quando os mesmos responsáveis pela criação da guerra demonstram mais empatia do que os próprios protetores do povo contra ela. A sensação de injustiça humanitária sai muito mais daí e da expectativa da reação de Aida do que exatamente pela conjuntura dos civis como um grande personagem a ser vítima, ou mesmo, dos personagens individuais representantes da família.

Se o terror da guerra é puramente mental e emocional, falta essa maior pessoalidade também em outras figuras importantes impedidas por seu lado mais forte, que é na crítica à metodologia burocrática de situações adversas. Era plenamente possível traçar a crítica à falta de empatia sem que fosse o único recurso a ser usado para conseguir empatia das vítimas de modo natural. A denúncia é muito bem-feita, o contexto histórico é recriado perfeitamente pela mise-en-scène, mas faltou a Quo Vadis, Aida? aquele envolvimento aproximado mais assertivo para que sentíssemos devidamente o peso do luto em memória.

Quo Vadis, Aida? (Idem | Bósnia & Herzegovina, 2020)
Direção: Jasmila Zbanic
Roteiro: Jasmila Zbanic
Elenco: Jasna Djuricic, Izudin Bajrovic, Boris Ler, Dino Bajrovic, Johan Heldenbergh, Raymond Thiry, Boris Isakovic, Emir Hadzihafizbegovic, Reinout Bussemaker, Teun Luijkx
Duração: 101 minutos

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