Home TVEpisódio Crítica | Raised by Wolves – 1X01 a 3: Raised by Wolves, Pentagram e Virtual Faith

Crítica | Raised by Wolves – 1X01 a 3: Raised by Wolves, Pentagram e Virtual Faith

por Luiz Santiago
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Raised by Wolves

Pentagram

Virtual Faith

  • SPOILERS! Para ler as críticas dos outros episódios clique aqui.

Além de ter uma grande facilidade de adaptar-se a uma quantidade notável de ambientes (muitos deles hostis, inclusive), a humanidade carrega consigo um paradoxo em seu caráter de existência social. Ao mesmo tempo que traz consigo uma monumental força de vontade ao lutar pela sobrevivência, pela continuação de sua espécie, não se furta em eliminar em massa os pares que lhes são ideologicamente (ou em qualquer outro aspecto de convivência) opostos. Num “mundo pacífico, democrático e civilizado“, o tipo maior eliminação cotidiana é majoritariamente moral, jurídica ou emocionalmente eletrônica. Em nossa Era, temos a verdadeira excelência desse tipo de trato, que em alguns casos ficam apenas nos xingamentos e pseudo-discussões nas muitas caixas de comentários… enquanto em outros geram processos complicados e, em situações extremas, podem até levar à morte de indivíduos, com outros exercendo a sua própria justiça manufaturada. A grande questão é: e quando estivermos realmente em perigo e voltarmos a lutar, no sentido mais duro dessa palavra, pela sobrevivência de nossa espécie? Em que pé ficariam esses conflitos?

Em Raised by Wolves, série criada por Aaron Guzikowski, somos convidados a pensar diretamente sobre esse assunto. O resumo básico é, claro, um cenário de guerra exterminadora, sobre a qual ficamos sabemos cada vez mais à medida que os episódios avançam. Mãe (Amanda Collin) e Pai (Abubakar Salim) são dois androides colonizadores responsáveis por levar embriões humanos para o planeta Kepler-22B — aquele descoberto em dezembro de 2011 e que se tornou famoso por estar numa zona habitável de uma estrela semelhante ao Sol. Esta é a premissa. De início, o show nos apresenta uma luta pela sobrevivência e uma trajetória de geração e manutenção da vida. Poucas informações sobre o que os levou até ali nos são dadas, mas não é difícil imaginar que a vida na Terra tornara-se impossível ou praticamente impossível, por algum motivo. Colonizar outro planeta, portanto, era a única saída para a sobrevivência.

Os dois primeiros episódios, Raised by Wolves e Pentagram são dirigidos por Ridley Scott, que emprega verdadeiramente a sua marca na criação desse Universo cheio de possibilidades. A dinâmica do primeiro episódio é de intensa imersão do espectador no novo cenário, um misto de simplicidade no desenho de produção com uso pontual, mas admirável de efeitos especiais para as coisas que realmente precisam de efeitos. Nada, porém, é demasiadamente ambicioso. Quando um conflito envolvendo ciência e religião é apresentado como causa central da guerra que acabou exigindo a aventura extraplanetária dos humanos, passamos a entender um pouco mais sobre o que ocorreu na Terra (temos pelo menos um grande evento mostrado aqui, no ano de 2145) e aí vemos uma ampliação desses efeitos, não só na ativação de um certo tipo de androide chamado Necromante, mas também na exposição de um amplo cenário de catástrofe.

O grande dilema humano, todavia, se faz presente aqui, especialmente no desenvolvimento da personalidade do filho Campion (Winta McGrath, um excelente ator mirim), que em dado momento passa a juntar informações a ele fornecidas em outros contextos e tomar decisões que podem colocar a ele e a outros em perigo. O mistério em torno da sobrevivência do garoto frente aos seus irmãos é aludido desde o seu nascimento, mas isso fica ainda mais evidente quando se dá o encontro com a nave terráquea da religião do Sol (uma versão do Mitraísmo, que aqui é opositora mortal dos androides, criados e enviados pelos ateus a Kepler-22B) e novos e mais amadurecidos dilemas de convivência são apresentados, fechando bem o ciclo daquilo que apresentei no parágrafo de abertura, sobre a nossa capacidade de adaptação + luta para a continuação da espécie, ao mesmo tempo em que preservar a vida de opositores ideológicos (para ficar só no estudo de caso da série) não é uma opção. Opositor bom é opositor morto, e certamente o show colocará muito mais tutano nesse tipo de relação até o final da temporada, mas se pensarmos que falamos de uma guerra entre ateus e religiosos com tecnologia de ponta, lutando até chegar ao ponto de terem que enviar humanos para colonizar outro planeta… a coisa não é realmente muito misteriosa em conceito. Mas é definitivamente aterradora.

Em Virtual Faith, dirigido por Luke Scott, temos uma visita muito maior da fantasia mesclada ao terror visitando o cenário sci-fi que dominou os dois primeiros capítulos. A mudança tem um propósito interessante de adicionar uma camada de mistério no próprio planta, que parece, já nesse início de sua colonização, ganhar as sementes bélicas e odiosas que forçou a chegada dos humanos ali. O eterno ciclo de sobreviver para então odiar e matar. Por se tratar de um episódio com uma mudança notável de foco temático, o espectador percebe que alguns personagens são levados para um caminho relativamente novo, já dando indícios de sua mudança futura, mas esse tipo de introdução de gênero tem um preço. Certos desvios jogam um balde de água fria em linhas de eventos que então ganhavam excelente contorno, e o caráter fantástico (ao menos é isso que parece no momento) carece de um ingrediente despertador de encanto que o sci-fi teve desde o primeiro minuto.

O valor de produção de Raised by Wolves é altíssimo. O refinamento da direção de fotografia, especialmente de Dariusz Wolski, responsável pelos dois primeiros episódios (e vale lembrar que é o mesmo fotógrafo de Prometheus e Perdido em Marte) ajuda na criação imediata de uma atmosfera alienígena, imprimindo uma belíssima identidade ao planeta, tanto em cenas noturnas quanto diurnas. A abertura do show cerca os seus principais temas, passando de indicações atômicas em fotografia mais estourada até a chegada da nave até a Constelação do Cisne, num filtro bastante suave e com música quase etérea. Aliás, a trilha sonora aqui, especialmente do segundo episódio em diante, é um verdadeiro primor, com Ben Frost (mesmo compositor de Dark) fazendo um trabalho de resgate de músicas tribais, notadamente africanas, especialmente na percussão, e misturando variações para esse tipo de música com uma sombria abordagem de temas mais ligados à ficção científica. Até o uso de cordas, com orquestra quase em uníssono, soa macabro, criando uma suspeita aura auditiva, completada pela excelente edição e principalmente mixagem de som.

Se chegar o momento de colonizar outro planeta, será que ainda levaremos as nossas brigas para contaminar as crianças que irão formar a nova civilização? A nossa espécie tem ou não tem conserto? Tem ou não tem “direito” a continuar a existir fora da Terra?

Raised by Wolves – 1X01 a 3: Raised by Wolves, Pentagram e Virtual Faith (EUA, 3 de setembro de 2020)
Criador: Aaron Guzikowski
Direção: Ridley Scott (episódios 1 e 2) e Luke Scott (episódio 3)
Roteiro: Aaron Guzikowski
Elenco: Travis Fimmel, Jordan Loughran, Ethan Hazzard, Winta McGrath, Aasiya Shah, Ivy Wong, Loulou Taylor, Susan Danford, Daniel Lasker, Munro Lennon-Ritchie, Jenna Upton, Amanda Collin
Duração: c. 53 min. (cada episódio)

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