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Crítica | Raiva – Cenas da Vida Humana

por Luiz Santiago
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Terceiro trabalho de Ingmar Bergman para a televisão (sucedendo Sr. Sleeman e A Mulher Veneziana), o filme Raiva – Cenas da Vida Humana é uma curiosa adaptação teatral que está plenamente ciente de sua condição híbrida, mesclando bem as formas de mostrar cada grupo de personagens para o público e rompendo a quarta parede na introdução e no desfecho. Max von Sydow é um escritor que conversa com o público sobre um processo literalmente narrativo, já no minuto inicial da obra. Sua preocupação é como a mensagem que deseja passar — dramatizando a vida de pessoas de sua pequena cidade — será recebida pelo público. Esse tipo de conexão ou de atenção dedicada a um crítico argumento é o alvo desse Doutor-escritor, que posteriormente volta para nos fazer refletir sobre questões existencialistas, terminando com uma nota inquietante sobre a esperança. O que faz a vida valer a pena, apesar de suas misérias?

Essa pergunta é bastante pertinente aqui, cimentadora daquilo que o texto de Olle Hedberg desenrola. Já nos é bem conhecida a dinâmica psicológica, emocional e social sobre o exercício do poder e da força de um indivíduo sobre o outro, com cada um sofrendo algum tipo de dor, escanteamento, violência em um espaço, enquanto comete a sua própria versão dessas mesmas coisas em outro. O ciclo da raiva que um causa no outro é explorado aqui em distintas cenas da vida humana, marcando formalmente os atos da peça original e dando ao espectador a oportunidade de ver de forma isolada um ato de maldade causador de descontentamento em alguém.

Aqui não encontraremos um caminho fixo para essa abordagem da dor em cadeia. Cada cenário traz um tipo diferente de relação humana e um tipo diferente de personagem, não apenas sofrendo algo, mas refletindo sobre esse sofrimento, sobre essa condição. Um dos discursos de Erik (Folke Sundquist) serve como conexão para a ideia maior pregada pelo enredo, dando conta de que a natureza e a civilização são inteiramente cobertas por uma atmosfera de “cães raivosos” que só se preocupam em devorar a próxima vítima, matar a fome, dormir… e então partir para o próximo ataque. E claro, esse comportamento pode ser observado em todos, do maior ao menor indivíduo, camada social, status, poder.

O confronto com o escritor, ao fim, é uma espécie de acareação fundamentalmente hipócrita, com os personagens defendendo sua postura como “sensata na vida real e exagerada no drama“, procurando algum tipo de compensação para esse sofrimento moral a que foram submetidos. É engraçado imaginar que o dinheiro é a única preocupação do grupo e o único tipo de reparação que exigem. Um tanto acanhados diante daquele que soube mostrar a essência comportamental em seus núcleos sociais, essas pessoas vestem uma última máscara (de “boa gente“) antes de receberem o chamado à última reflexão, olhando para o sofrimento que passam, para o sofrimento que causam e para o tipo de vida que estão criando ao seu redor. Quem vai colocar um fim à cadeia de dor? Isso será permanente? Valerá a pena? A resposta, claro, está do lado de cá, com o espectador transformando-se também em personagem e sendo convidado a pensar sobre aquilo que vive, que torna possível para os outros e o que espera para um breve futuro.

Raiva – Cenas da Vida Humana (Rabies – Scener ur Människolivet) – Suécia, 1958
Direção: Ingmar Bergman
Roteiro: Olle Hedberg
Elenco: Max von Sydow, Gunnel Lindblom, Åke Fridell, Bibi Andersson, Folke Sundquist, Dagny Lind, Tor Isedal, Axel Düberg, Nils Nygren, Toivo Pawlo, Åke Jörnfalk, Marianne Stjernqvist
Duração: 89 min.

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