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Crítica | Rambo IV

por Ritter Fan
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Viver por nada, ou morrer por algo. Sua escolha.
– Rambo, John J.

A história que circula por aí é que Sylvester Stallone, depois de muito relutar em voltar a encarnar John Rambo e diante de um orçamento apertado para o quarto filme da franquia, decidiu diferenciá-lo aumentando ainda mais o grau de violência explícita. E o resultado é exatamente o que ele disse que faria: uma orgia pornográfica de sangue, pedaços humanos e crueldades em geral que faz todas as três obras anteriores parecerem episódios de Ursinhos Carinhosos em comparação.

No entanto, ainda estabelecendo paralelos com o que veio antes, a sanguinolência de Rambo IV é muito mais visceral, verdadeira e justificável dentro da simples estrutura narrativa desse capítulo do que a pancadaria caricatural, por vezes simplesmente hilária, tanto de Rambo II quanto de Rambo III, demonstrando que, às vezes, muito raramente, mais pode ser menos, algo que viola a regra basilar das continuações hollywoodianas, especialmente das continuações tardias do tipo “fim de carreira” como é essa aqui. Stallone, que pela primeira vez dirige, além de co-roteirizar, um filme da série, mostra versatilidade e inteligência ao carregar no sangue ao mesmo tempo que retorna à versão original do personagem ou pelo menos a mais próxima possível do jovem e injustiçado veterano de guerra que só queria atravessar uma cidadezinha americana lá atrás em Rambo – Programado Para Matar.

A desculpa para o morticínio, agora, é o resgate de missionários em trabalho humanitário em Burma, país há décadas em guerra civil e que até hoje existe em precário e instável estado. Depois de levar o grupo da Tailândia para lá pelo rio em uma travessia por si só extremamente perigosa, Rambo volta para trazê-los de volta depois que alguns, em especial Sarah Miller (Julie Benz), são capturados pelo violentíssimo exército. Apesar de contar com a ajuda de mercenários variados contratados pelo pastor da igreja dos missionários, eles não são muito mais do que enfeites para mostrar o quanto o então já sexagenário soldado é capaz de moer um bando de sádicos armados até os dentes entre um grunhido e outro.

No entanto, as décadas de Stallone à frente de produções variadas resultou em um profissional muito capaz de diversas maneiras diferentes, mesmo que muita gente revire os olhos para a aparência de brucutu que ele tem e sempre cultivou. Ele já demonstrou ter latitude dramática quando precisa ter (Rocky: Um Lutador, Cop Land: A Cidade dos Tiras, Creed: Nascido Para Lutar), além de um capaz – ainda que não brilhante – roteirista e um diretor que não tem medo da câmera. Em Rambo IV, Stallone não só constrói muito bem o sadismo do exército de Burma (e não pensem que, na vida real, não é algo parecido; basta ver documentários por aí como O Ato de Matar) e usa isso de maneira orgânica para justificar o extremismo destruidor do próprio Rambo em um conjunto catártico que o espectador, por mais que possa sair horrorizado, em algum nível aprovará exatamente como Michael Burnett (Paul Schulze), o líder dos missionários, aprova ao final da projeção.

Ou seja, em termos de gratuidade da violência, essa de Rambo IV está bem longe da dos dois exemplares anteriores da franquia, mesmo que o protagonista mantenha seu status de super-herói invencível. Só que mesmo isso é desafiado pelo roteiro bem descomplicado que Stallone e Art Monterastelli escreveram, já que, em uma breve sequência de flashes para o passado, com direito à voz de Richard Crenna (falecido em 2003)  como o Coronel Trautman, percebemos Rambo assumindo de vez o papel de máquina de matar que ele é não porque ele foi treinado para ser assim, mas sim por ser parte dele, algo que vem muito diretamente da obra literária de David Morrell que deu vida ao personagem ainda em 1972.

Por isso é que mencionei que esse filme representa uma volta ao veterano que vemos em Programado para Matar muito mais do que uma mera continuação mais mortal e mais barulhenta, ainda que  a contagem de corpos aqui, segundo pessoas que aparentemente não tem muito o que fazer, é a maior de todos os filmes da franquia. De certa forma, com isso, agrada-se a gregos e troianos, mesmo que o risco seja grande de a violência abafar todo o restante.

Mas não abafa se o espectador souber apreciar sequências destruidoras como o ataque ao vilarejo onde os missionários estão, que funciona como um prelúdio do que está por vir em forma de vingança, bem como o cuidado na coreografia e execução da sequência em que Rambo, já comandando os mercenários, entra na base inimiga silenciosamente, posicionando cada soldado. E, claro, há a troca de olhares ao final que diz muito mais sobre a temática da obra do que o discurso redundante e didático do final do primeiro filme. São poucos minutos em uma fita que tem velocidade vertiginosa, com nenhum minuto a perder, mas eles já mostram aquele olhar técnico que Stallone tem atrás das câmeras que, mesmo longe de ser um grande diretor, traz aquele toque para afastar a obra do meramente genérico.

Rambo IV é sem dúvida uma produção que cai na categoria das que tentam reviver ícones da Sétima Arte décadas depois de seu auge na eterna tentativa de Hollywood de requentar tudo e não criar nada. Mas o filme surpreende por ter coração e qualidade técnica acima do que notabilizou a franquia depois do sensacional primeiro capítulo. Mesmo que os exageros imperem, exageros esses conscientes e bem realizados, o quarto episódio da saga de John Rambo merece mais crédito do que recebeu à época de seu lançamento nos cinemas.

Rambo IV (Rambo, EUA/Alemanha – 2008)
Direção: Sylvester Stallone
Roteiro: Art Monterastelli, Sylvester Stallone (baseado em personagens criados por David Morrell)
Elenco: Sylvester Stallone, Julie Benz, Paul Schulze, Matthew Marsden, Graham McTavish, Rey Gallegos, Tim Kang, Jake La Botz, Maung Maung Khin, Ken Howard, Cameron Pearson,  Thomas Peterson, Tony Skarberg, James With, Supakorn Kitsuwon, Aung Aay Noi
Duração: 92 min.

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