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Crítica | Rango

por Luiz Santiago
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Se no ano passado tivemos em destaque as animações de um ar mais adulto, que traziam a saga do anti-herói para a tela (como no caso de Meu Malvado Favorito, 2010  e Megamente, 2010), esse início de 2011 começa por um via diferente, uma revisão do gênero western em um pastiche cinematográfico que já começa no nome do protagonista, Ringo + Django = Rango. Mas para esse nome, também podemos usar o elemento que nos é fornecido pelo filme. Quando o camaleão, até então sem nome, está no bar da cidade de Poeira, a bebida de cacto que ele tem nas mãos é da marca Durango – um dos 31 Estados do México – de onde o lagarto tira as quatro últimas letras e cria a sua personagem.

Para os espectadores das animações pós-3D, está bem claro que junto à nova tecnologia, parece ter-se firmado uma tendência que já sentíamos no final dos anos 1990, e que hoje é um caminho narrativo sem volta: foi-se o tempo que animações eram filmes para criança, e Rango é um exemplo definitivo disso. O Velho Oeste ganha com esse filme, um sem número de clássicas citações visuais, retiradas de obras como Star Wars e Apocalypse Now (na batalha aérea e bombardeios dos morcegos – e ainda vale lembrar que o filme é coproduzido e finalizado pela estreante Light & Magic, de George Lucas), No Tempo das Diligências (1939), Matar ou Morrer (1952), Por Um Punhado de Dólares (1964), Da Terra Nascem os Homens (1958), Era Uma Vez no Oeste (1968), Butch Cassidy (1969) e a lista só tende a crescer se lembrarmos de todas as cenas e sua composição e beleza visuais.

Além das referências formais e estéticas, os motivos narrativos recorrentes do western clássico como o herói nem sempre moral mas de bom coração, os vilões que se dividem em institucionais (geralmente ligados ao governo) e externos (nesse caso, o Jake Cascavel), e os feios, cômicos ou atrapalhados personagens, que em Rango, vão do próprio protagonista aos vários outros habitantes da cidade de Poeira; do mesmo modo, temos o prazer de ver na tela “Os Três Amigos”, cancioneiros mexicanos muito típico das comédias western. De toda essa gama histórica do gênero, com direito a doses de misticismo e crítica social, surge essa gloriosa animação dirigida por Gore Verbinski, o realizador da cinessérie Piratas do Caribe.

Rango é um camaleão urbano (e ator), que vive em um aquário com seus amigos inanimados: uma palmeira, uma boneca só com o tronco, um peixe de plástico e um inseto morto. Sua vida consiste em interpretar papeis, criar situações onde seus amigos estão em perigo e ele é sempre o salvador destemido. A solidão e uma profunda crise de identidade consomem o camaleão (percebam o quanto isso é interessante), que interpreta um herói, mas na verdade não se crê nem de longe como um. Do aquário até a cidade de Poeira, o camaleão sem nome passará por um longo caminho até que ele mesmo encontrará a oportunidade para criar sua personagem em um “teatro vivo”, e daí surge Rango, um perigoso e violento facínora, matador de muitos homens, conhecedor dos ranchos e terras mais remotos do Velho Oeste, temido e venerado por todos, desafiador de tudo. O falso facínora ascende na organização social de Poeira, ganha a simpatia do povo, mas em pouco tempo terá em mãos um problema de dimensões gigantescas: a falta de água na cidade, que está no meio do deserto.

Não só uma alusão à cidade de Las Vegas ou qualquer outra grande cidade americana daquela região que floresceu da corrupção política e arbitrárias apropriações de terras em tempos da Marcha Para o Oeste, como também a conscientização do poder que encerra aquele que controla a água potável, Verbinski nos presenteia com um filme engraçado e ao mesmo tempo cheio de indicações críticas, seja em relação ao próprio protagonista ou às personagens à sua volta. O roteiro, embora pouco original na linha dramática, traz piadas muito engraçadas que por sua vez são carimbadas pelas cações d’Os Três Amigos, os cancioneiros que agem como uma Cassandra na história, sempre prevendo a morte de Rango, e suspeitando de tudo e de todos. Ligado à performance dessa tríade de músicos, temos um dos mais incríveis pontos técnicos do filme: a trilha sonora.

Assinada por Hans Zimmer (de MegamenteA Origem e Batman – O Cavaleiro das Trevas), Rango é um desfile de temas musicais que vão de Ennio Morricone e melodias tradicionais até arranjos para Ave Maria de Schubert, A Cavalgada das Valquírias de Wagner, Danúbio Azul de Strauss e ainda uma composição de Danny Elfman, tudo isso orquestrado em um crescendo dramático perfeitamente aplicado ao que vemos na tela. Mesmo a mudança brusca de melodias no meio da projeção não nos causa estranheza, por estarem aliadas às mudanças visuais. Podemos, então, dividir a trilha sonora em dois modos de uso, o de acompanhamento puro e simples e o de criação da atmosfera dramática.

Os departamentos de arte e efeitos visuais e especiais dão o toque final a todo o emaranhado árido de Rango. A fotografia sempre muito clara, com indicações de cores típicas de lugares secos, os tons térreos e o contraste inicial com a camisa praieira do camaleão já nos chamam a atenção. Com o desenvolver da trama, e mesmo a partir da chegada de Rango à cidade de Poeira, o cinza se torna mais presente, mesmo na madeira ressequida das casas da cidade. Com nuances muito particulares e à exceção dos olhos e roupas, a maior parte dos habitantes do local possuem esse tom acinzentado como cor de pele. No meio deles, destaca-se Rango, um lagarto verde com pintas amarelas. As tomadas noturnas, os extremos e as grandes panorâmicas, são arrebatadoras. A cavalgada ao sol, as imagens do grupo percorrendo o Monument Valley, o deserto ao anoitecer, as dunas se desfazendo ao vento, o camaleão seguindo a “trilha da lua”, todas essas imagens possuem uma beleza clássica com um sabor tão especial que é impossível a gente não sorrir, balançar a cabeça ou falar mentalmente algumas daquelas gentis palavras de admiração. Não é para menos, o gráfico de Rango é definitivamente inspirador.

Cada faixa etária e cada tipo de espectador vai entender e abstrair o filme de uma forma diferente. Se isso já é regra para todas as outras produções cinematográficas, essa característica torna-se a essência desse filme, dado o seu universo implícito, passível de ser decifrado apenas por quem tem uma proximidade maior com o gênero western ou com o próprio cinema. Mesmo que mais para o final da obra Verbinski perca a mão e decepcione um pouco em relação aos rumos do filme, especialmente em todas as sequências após a chegada de Jake Cascavel, a fita permanece uma revelação muito boa, e por isso mesmo, tenho o orgulho de lhe ceder as cinco estrelas de “é imperdível assisti-lo”, porque de fato, Rango, o falso facínora, é uma personagem imperdível.

Rango (EUA, 2011)
Direção: Gore Verbinski
Roteiro: John Logan
Elenco (vozes): Johnny Depp, Isla Fisher, Abigail Breslin, Ned Beatty, Alfred Molina, Bill Nighy, Stephen Root, Harry Dean Stanton, Ray Winstone, Ian Abercrombie, James Ward Byrkit
Duração: 107min.

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