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Crítica | Reação em Cadeia (2021)

por César Barzine
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Reação em Cadeia abre em seu ato final, próximo a sua resolução e antes de iniciar a história através de flashbacks. Essa decisão de montagem não-linear – nada muito criativa – acaba sendo uma das pouquíssimas escolhas por parte do montador que não deram errado. Pois o filme de Márcio Garcia falha na maioria dos aspectos possíveis, no entanto é durante o trabalho de montagem que o fracasso bate mais forte. A falta de harmonia e coerência causada pela forma com que os planos são ordenados e conectados é de um amadorismo imperdoável até mesmo para alguém que nunca esteve numa sala de edição na vida.

A história é genérica, mas até que tinha potencial. Porém, a execução demonstra ser tão desleixada que coloca em dúvida a hipótese do filme ter sido feito no piloto automático – vários momentos tentam atingir certa intensidade, mas acabam afastando o espectador quanto a essa expectativa -, ou se é apenas mera incompetência da parte dos realizadores – o distanciamento que seus respectivos trabalhos causam são tão desleixados que alguns instantes beiram o insuportável da tosquice. E mesmo que a trama chegue a prender a atenção ao seguir os moldes de um filme de ação/thriller, o trabalho de direção, montagem, interpretações e mais uma série de detalhes dão conta de tornarem o longa o mais jocoso possível.

A caracterização dos personagens e ambientes é um verdadeiro horror. Somos apresentados a um protagonista com a aparência completamente destoante da figura que o personagem quer passar. Guilherme busca aparentar ser um mauricinho nerd bem certinho com óculos, um bigode de coroa e um cabelo que também não combinou. A impressão diante desse visual é nada menos que de estranheza e até algo risível. Como se não bastasse, há ainda a narração, que aparece umas quatro vezes, mas que já é suficiente para importunar os ouvidos do espectador com uma vozinha irritante e um papo meloso que tenta ser profundo.

A principal figura feminina do filme, Lara, possui um tratamento melhor, mas há um pouco de excesso quanto a sexualização dela – mais nas falas dos personagens do que de maneira gráfica. Contudo, o maior problema em relação à construção de personagens reside entre os homens ligados com facções. Zulu e “O Cabeça”, são uma tentativa abismal de manifestar virilidade e uma aparência marginal a todo custo, mas que caem apenas no caricato e distante da realidade. O Cabeça é um esboço de líder de tráfico que transmite tanto realismo quanto charme. O visual de sua turma formada por bandidos que parecem mais crianças brincando de “polícia e ladrão” com roupas esportivas e ouvindo rap e funk de 30 anos atrás sem transmitir um pingo de espontaneidade demonstra uma visão completamente artificial no retrato de criminosos periféricos.

Ainda mais forçada do que a representação dos traficantes, porém com menor presença, é a interpretação da pequena filha de Guilherme. Muitos já devem estar pensando que não se deve cobrar muito de uma atriz nessa idade, mas creio que isso seja diferente de acompanhar uma performance tão irritante quanto a dela. A garota pega pesado na caricatura de uma criança, falando de um jeito desconcertante e com diálogos igualmente pobres. Aliás, toda a forma com que o núcleo familiar de Guilherme é apresentado consegue soar maçante. A ideia do homem de classe média que trabalha num escritório e não consegue conciliar a jornada profissional com a vida familiar já é um lugar-comum no cinema, mas o roteiro dá um jeito de colocá-lo num mar de clichês com a sequência de conflitos entre a esposa de Guilherme e ele, em que o mesmo acaba não conseguindo chegar a tempo em casa para um jantar especial.

O desfecho encontrado pelo roteiro para essa situação foi o mais preguiçoso possível: a casa de Guilherme sofre um incêndio pouco antes de ele aparecer. Sem muito naturalismo e num ritmo apressado demais, os instantes seguintes mostram o desabamento da vida de Guilherme, que também vem acompanhado da já citada narração enfadonha na voz do protagonista. A pretensão em torno de seu uso é dar um verniz de reflexão sobre o curso dos acontecimentos da vida, mas isso faz sentido dentro de um longa de gênero e aparência comercial? Neste caso, o resultado soa nada menos que uma tentativa frustrada, principalmente quando a narração tenta fechar a “moral da história” com um discurso picareta e metido a existencialista.

A montagem é o carro-chefe do desnível de Reação em Cadeia, o funcionamento dela é todo desequilibrado em tom, ritmo e continuidade, perturbando em certos momentos a atenção quanto ao filme. O primarismo é tão grande que não chega a ter uma mínima ligação entre plano e contraplano, tornando certas cenas um verdadeiro caos. Um caso grotesco de incompetência se encontra no momento em que Guilherme aguarda uma chamada na casa de seu patrão. Para demonstrar a passagem do tempo, a montagem utiliza-se de cortes abruptos entre os movimentos de Guilherme em meio a sala de espera; e o mesmo acontece em outras cenas, como na primeira vez de Guilherme dentro da delegacia. Já o “clímax” do filme (a perseguição de carros) é outro caso precário onde a ausência de continuidade, acompanhada de planos picotados, está até mesmo na lógica básica da ação, criando um desarranjo não apenas em termos estéticos, mas na coerência pura e simples dos fatos – e com direito a câmera lenta!

Mas nem tudo dá errado em Reação de Cadeia, alguns elementos do roteiro conseguem fisgar o interesse pelas intrigas enfrentadas pelo protagonista. Sem partir para a adrenalina, as passagens em que Guilherme é introduzido no submundo de corrupção por trás de seu burocrático emprego, e a união dele com O Cabeça para resolver os conflitos criados por esse mesmo envolvimento com o seu patrão acentuam duas pequenas virtudes da narrativa. Digno de elogios é também a fotografia, que trabalha com louvor o ambiente noturno em locações externas e cenários internos. A iluminação em cores azuis, amarelas e vermelhas em contraste com a escuridão demonstram pelo menos alguma precisão no lado técnico do filme; uma produção tão enxuta em seu ritmo dinâmico quanto na qualidade de seus demais aspectos.

Reação em Cadeia – Brasil, 2021
Direção: Márcio Garcia
Roteiro: Márcio Garcia, Thiago Dottori
Elenco: Bruno Gissoni, Monique Alfradique, André Bankoff, Adriano Garib, Silvio Matos, Juliana Knust, Victor Lamoglia
Duração: 96 minutos.

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