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Crítica | Reacher – 1ª Temporada

A versão genérica - e brucutu - de Jack Ryan.

por Ritter Fan
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Apesar de eu ter me divertido pacas com a primeira temporada de Reacher – muito mais do que com os dois filmes estrelados por Tom Cruise – e, via de consequência, ter assistido tudo quase que de uma vez só, algo que normalmente não gosto de fazer, é inafastável que estamos diante de uma obra que se sustenta unicamente no carisma de sua trinca principal de personagens e em algumas cenas de ação razoavelmente inspiradas aqui e ali, pois não há absolutamente nada abaixo da superfície. E não, só “ser divertido” não é suficiente, pessoal. Não se contentem com pouco ou com o que é mastigadinho para não exigir nada do cérebro. Há que haver mais para que uma obra audiovisual realmente se destaque e vá além do genérico e esquecível, mesmo que tecnicamente competente.

Baseada em Dinheiro Sujo (Killing Floor), primeiro romance da longeva série literária Jack Reacher, de Lee Child (que ganha um crédito bem incomum no início de cada episódio, mostrando que seus advogados devem ter sido particularmente bons na negociação com o estúdio), a temporada inaugural de Reacher é apenas enganosamente complexa diante da sequência interminável de reviravoltas e revelações que acontecem em seus oito episódios. Na verdade, ao revés, ela é bem simples e rasteira, pois tudo o que interessa de verdade é saber que Reacher (Jack é o primeiro nome, mas que quase não é utilizado) é um estoico homem particularmente grande e forte que, ao chegar na cidadezinha de Margrave, na Georgia, é imediatamente preso por um assassinato que muito claramente não cometeu.  O que segue daí é a investigação por ele, acompanhado da policial local Roscoe Conklin e do detetive egresso de Boston Oscar Finlay, sobre a sujeirada que levou ao tal assassinato e que, no processo, gera outras diversas mortes, seja pelas mãos de Reacher, seja pelas dos vilões.

Alan Ritchson, que acertadamente largou aquela abominação audiovisual chamada Titãs para protagonizar a série da Amazon Prime Video, é a escolha perfeita para viver Reacher. Tudo o que se exige dele é ser enorme, musculoso, bonitão, simpático e ágil e isso é tudo que o ator entrega (ou talvez seja tudo o que ele consegue entregar), só que com uma boa dose de carisma por cima que faz tudo funcionar bem. Os superpoderes do personagem – porque sim, são superpoderes – são outro artifício capaz de fazer qualquer um sorrir, seja por ser realmente engraçado, seja por pura incredulidade, pouco importa. Afinal, Reacher não só é um lutador invencível e invulnerável (quando tiram sangue dele, é como os filmes dos anos 80 em que o corte ou furo é esquecido na sequência seguinte), como é, também, basicamente um detetive nível Sherlock Holmes (no barato), capaz de olhar para alguém e dizer o que a pessoa comeu no café da manhã naquele dia ou deduzir, com base em apenas um relatório lido para ele, exatamente como o crime ocorreu.

Fora isso, há o tamanho de Reacher. A sensação de que Reacher é uma montanha de músculos é hilariamente ampliada pela escalação de Malcolm Goodwin (o detetive Clive Banineaux de iZombie) como o detetive almofadinha Finlay que não fuma, não bebe, só come comida saudável e anda com terno de tweed em pleno verão no sul dos EUA e de Willa Fitzgerald (da série de TV da franquia Pânico) como a esperta policial Roscoe que se recusa a ser a “dama em perigo” e que é a primeira a acreditar em Reacher, já que os dois atores são de estatura diminuta, não mais do que chegando aos ombros do protagonista, com pernas com circunferência que não devem chegar à metade da do braço de Ritchson (ironicamente, o primeiro Reacher do audiovisual foi Cruise, que é exatamente como os policiais da série…).

Aliás, a questão de seu porte avantajado é um bom aspecto para exemplificar o quanto a série é vazia de conteúdo ou, talvez melhor dizendo, o quanto ela troca conteúdo por bobagens. O pareamento de Reacher com os dois personagens acima é constante e a escalação dos atores mencionados muito claramente tem a função de fazer Ritchson ser ainda maior do que ele já é (o filho e o sobrinho do “dono da cidade”, que Reacher volta e meia enfrenta, são também pequenos, vale dizer). Esse artifício é simpático e já foi usado antes diversas vezes e não tenho nada a reclamar dele, pois ele cumpre muito bem sua função visual, isso sem contar que Goodwin e Fitzgerald, apesar de não serem grandes atores, emprestam bom estofo dramático à narrativa, equilibrando a cara de paisagem esculpida em mármore de Ritchson para absolutamente todas as situações, sejam as mais tensas ou as mais tristes. O problema é que isso não basta e a série faz comentários, referências e menções ao tamanho de Reacher a cada 10 minutos. E, por “a cada 10 minutos”, eu quero dizer isso mesmo, pois o negócio ficou tão exagerado que, chegou na metade da temporada e eu passei a cronometrar, de brincadeira, esse tempo e ele, se não é exatamente perfeito (pois não sou tão louco assim), é uma aproximação bastante razoável da realidade dos roteiros repetitivos da série.

Os trabalhos de direção dos episódios parecem ser cirurgicamente feitos para serem burocráticos. Não é nem o caso daquele tipo de direção que faz de tudo para ser invisível e não chamar atenção para si mesma, algo que considero louvável, mas sim do tipo em que todas as tomadas são idênticas, seguindo uma cartilha de obviedade televisiva, sem nenhuma tentativa de se sair do lugar-comum, de ir um mínimo além do básico. Sei que isso não é exatamente um problema, mas apenas “cumprir seu objetivo”, para mim, é colocar o sarrafo no chão, o que elimina todo tipo de desafio e faz até mesmo as lutas e conflitos armados não conseguirem gerar mais do que aquele adjetivo terrível conhecido por “legal”. Comparando com uma outra série de ação do mesmo serviço de streaming e com um personagem com as mesmas iniciais, Reacher é, para todos os efeitos, a versão sem ambição e completamente aguada de Jack Ryan, uma típica série simpatiquinha que pode muito bem servir como descanso de tela ao fundo de uma conversa entre amigos ou família na sala de estar.

Mesmo assim, Reacher inegavelmente diverte, com Ritchson, Goodwin e Fitzgerald formando uma trinca irresistível que carrega muito facilmente a temporada até seu fim hollywoodiano. É como ver a versão alongada de um filme de brucutus dos anos 80, mas com as sensibilidades e as diluições atuais. Funciona, admito. E a prova disso é que eu quero ver a já aprovada segunda temporada. O que não quer dizer, claro, que a série mereça elogios menos genéricos do que ela própria é.

Reacher – 1ª Temporada (EUA, 04 de fevereiro de 2022)
Desenvolvimento: Nick Santora (baseado em série de romances de Lee Child)
Direção: Thomas Vincent, Sam Hill, Stephen Surjik, Christine Moore, Norberto Barba, Omar Madha, Lin Oeding, MJ Bassett
Roteiro: Nick Santora, Scott Sullivan, Aadrita Mukerji, Cait Duffy
Elenco: Alan Ritchson, Maxwell Jenkins, Malcolm Goodwin, Willa Fitzgerald, Chris Webster, Bruce McGill, Maria Sten, Marc Bendavid, Willie C. Carpenter, Harvey Guillén, Hugh Thompson, Kristin Kreuk, Currie Graham, Lara Jean Chorostecki
Duração: 392 min. (oito episódios)

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