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Crítica | Redemoinho

por Guilherme Coral
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As histórias criadas pelo realizador Denis Villeneuve são conhecidas pela forma íntima como ele aborda o psicológico de seus personagens e, no início de sua carreira, esse intimismo é acompanhado por narrativa subjetivas, que fazem as sensações de seus protagonistas transbordarem para as imagens as quais acompanhamos. Esse aspecto pode ser observado com clareza tanto em 32 de Agosto na Terra, primeiro longa dirigido unicamente por ele, quanto em Redemoinho, esse, sim mergulhando verdadeiramente na mente da personagem central, estabelecendo uma narrativa não linear que não deve ser apenas vista, como interpretada.

Narrada por um peixe (isso mesmo) em uma espécie de abatedouro, escuro e sangrento, o filme nos conta a história de Bibiane (Marie-Josée Croze), uma jovem de vinte e cinco anos, dona de três boutiques de moda, assolada pela depressão, fruto das fortes expectativas que recaem sobre ela em razão da fama de sua mãe. Ao realizar seu primeiro aborto, a protagonista sequer consegue ir ao trabalho e força a si mesma a sair para festas a fim de se manter ocupada. Certa noite ela acaba atropelando um senhor, acontecimento que leva à sua morte. Tomada pela culpa, sua depressão piora ainda mais, colocando-a em um dilema sobre o que fazer em relação a seu crime.

O roteiro de Villeneuve nos pega de surpresa logo nos minutos inicias, quando nos deparamos com o peixe narrador da história, que é constantemente abatido e substituído por outro, que continua a narração, simbolizando a mortalidade da própria protagonista, seus pensamentos suicidas e, é claro, a própria morte do sujeito atropelado. É criada a sensação de confusão no espectador, que perdura durante todo o filme, graças à narrativa não-linear criada pelo diretor, intercalando, ocasionalmente, eventos do presente e futuro ora como mergulho nas intenções da protagonista, ora para representar os efeitos de sua condição nas pessoas a seu redor.

O redemoinho do título, então, torna-se visível ao passo que enxergamos como as pessoas que cerceiam a personagem central são influenciadas pelo estado de depressão da protagonista. A própria morte do senhor atropelado é fruto de sua desolação perante a vida e que acaba afetando o filho da vítima, que vai ao Canadá para recolher as cinzas do pai. O texto foge ainda mais do óbvio e mostra a relação amorosa, inesperada, entre Bibiane e esse personagem, ponto que funciona perfeitamente para expandir o sentimento de culpa dessa mulher, desenvolvendo uma crescente tensão, que nos leva gradualmente ao formidável clímax da obra.

Por outro lado, essa imersão na mente da protagonista funciona como uma faca de dois gumes, visto que, em certos momentos, a não-linearidade da narrativa meramente faz certos trechos serem repetidos, sem verdadeiramente acrescentar em nada. Esse ponto traz leves rupturas no ritmo do longa, que também sofre com as breves sequências dos peixes sendo mortos – essas poderiam, facilmente, ter permanecido no início e fim do filme, transmitindo a mesma ideia, sem fragmentar a trama. O mesmo vale para as pontuais cartelas de narração, ambas utilizadas para explicitar os pensamentos de Bibiane – desses somente um, realmente, chega a ter sua importância bem definida.

Felizmente, a atuação de Marie-Josée Croze mais do que é capaz de nos distanciar desses deslizes, os quais podem ser enxergados como experimentalismos do diretor. A atriz encarna de maneira real e profunda sua personagem, tornando sua depressão palpável e impactante, sem exageros, soando como se, de fato, estivéssemos diante de uma pessoa real, tomada pela impulsividade, que, muitas vezes, leva a cometer ações impensadas e prejudiciais. Temos aqui o retrato vívido da inconstância, que nos leva a nos aproximar dela, ansiando para que, de alguma forma, consiga se livrar de sua condição.

Esse estado frenético do ser, que oscila entre a felicidade, tristeza, profunda dor, dentre milhares de outras sensações é perfeitamente representada pela direção de Villeneuve, que opta por constantes planos em movimento, com a câmera, ora fixa em um eixo, ora na mão, transmitindo toda a instabilidade da personagem. Mesmo as sequências mais paradas em termos de ação dos personagens são exibidas de forma dinâmica, com a imagem nos colocando ao lado da protagonista psicologicamente falando. As bruscas transições entre sequências, então, passam a ser enxergadas como a representação de sua vida que perdera o rumo, ao passo que somos levados de lugar a outro como se a personagem estivesse, grande parte do tempo, em uma espécie de “piloto automático”.

Mais uma vez, portanto, Denis Villeneuve permite que mergulhemos na psiquê de seus personagens, criando uma narrativa extremamente subjetiva, que transmite todas as sensações vividas pela sua protagonista. Mesmo com as ocasionais rupturas no ritmo, esse é um filme que nos mantém imersos, a tal ponto que a crescente tensão cria uma espécie de prisão, da qual somente escapamos ao término da projeção. Como sempre, Villeneuve entrega não apenas um filme, mas uma experiência cinematográfica.

Redemoinho (Maelström) — Canadá, 2000
Direção:
 Denis Villeneuve
Roteiro: Denis Villeneuve
Elenco: Marie-Josée Croze, Jean-Nicolas Verreault, Stephanie Morgenstern, Pierre Lebeau, Marie-France Lambert, Kliment Denchev
Duração: 87 min.

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