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Crítica | Relíquia (Relic)

por Iann Jeliel
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Desde A Bruxa, em 2015, ou melhor, Corrente do Mal, em 2014, o terror vem passando por uma nova fase vanguardista denominada por muitos como “pós-terror” – termo que não faz o menor sentido, diga-se de passagem –, que se refere a um retorno de atmosferas psicológicas sessentistas, buscando subverter as principais convenções do gênero e transformá-las no benefício da dúvida para criar o terror do desconhecido. Em especial, esses filmes articulam um forte teor alegórico, geralmente acrescentando camadas sociais de problemáticas e discussões atuais no fundo do cenário fantasioso proposto. Metaforicamente, esses acréscimos temáticos funcionam como gatilhos para potencializar o poder angustiante da narrativa, ao menos é assim que na teoria deveria funcionar, mas lógico que nem todas as articulações conseguem desenhar esse objetivo com eficiência. Relic, infelizmente, se encaixa em um desses casos, ao prometer demais na construção e ficar devendo na entrega prática para onde tudo é direcionado, de certo modo, adquirindo o significado nocivo do rótulo “pós-terror”, justamente tentando negar o próprio gênero a que pertence.

O aspecto mais problemático é a notória falta de propósito em muitas das cenas que participam do processo de criação de tensão. Existe uma diferença entre as cenas contemplativas que manipulam o encaixe do público dentro da atmosfera e as que simplesmente enrolam o telespectador para gerar expectativa sobre o que raios está acontecendo. Natalie Erika James tem até domínio para realizar a primeira vertente, mas parece perdida no timing de dosagem para os takes escolhidos e muitas vezes cai na segunda, especialmente antes da premissa se estabelecer, ela parece demorar por conveniência em alguns diálogos que nem desenvolvem as personagens nem a situação direito. Quando a premissa finalmente se instaura, o lado atmosférico fica mais evidente, mas a problemática persiste principalmente no que diz respeito a sequências de desconfiança (aquela famosa checagem de algum barulho estranho, ou comportamento bizarro da avó), a cineasta matura ao máximo essas sequências na promessa de entregar alguma coisa, uma informação, uma nova pista ou aspecto alegórico, mas ela espera tanto a cena que perde o tempo de corte e a quebra se torna não só previsível como vai cansando o público depois da décima vez realizada, sem que algo de tão relevante aconteça.

Nos espaços entre elas, fica o período em que a dramaticidade individual do trio de personagens deveria ser consolidada, mas sua introdução feita entre os primeiros 20 minutos tinha ficado à mercê da contemplação vazia. Assim, quando esse desenvolvimento finalmente vem à tona, já é tarde, e a metade final é basicamente um conflito entre a tentativa de criar importância e o efeito consequencial que deveria vir após nos importamos com aquelas pessoas. Não há tempo para nem um nem outro serem executados com destreza, por mais que individualmente tenha noção da importância de importar seus personagens para o que tanto prometia ao clímax ser eficiente e recompensador na espera da suposta construção psicológica.

O trio de atuações é devidamente conduzido a essa lógica do texto, e as atrizes entregam o pedido dentro da noção de “dúvida vs sobrenatural”, mas por conta da má distribuição de tempo, a intenção surge sem efeito. Analisando isoladamente, está tudo ali direitinho, só mal posicionado, o que torna fácil de perceber as intenções, artificializando a mágica de não saber se o problema da avó é demência clínica ou influência espiritual maligna. Na verdade, pouco importa, e bom que não importe, assim não existe tratamento expositivo para nenhum lado de viés interpretativo, há o subtexto familiar alegórico claro sem parecer óbvio, e uma conclusão de pensamento fechada, mas não martelada, mastigada. O grande problema é, pensando no intuito, a reação diante da construção é proporcional?

Lógico que entra um aspecto muito subjetivo de como cada um se relaciona com a premissa, a temática e a própria elaboração do filme enquanto suspense no puro, mas olhando de forma macro, a impressão é a falta de maturidade. Cineasta nova, estreante em longas-metragens que vinha antes de 4 curtas, também de terror – algo significativamente mais prático de entregar –, possivelmente não tenha conseguido lidar bem com o processo de transição entre as durações e acabou tendo de apelar para outra via de convenções de rótulo “psicológico” para estender sua ótima ideia, que talvez fosse melhor realizada no micro de 20 a 30 minutos. Há potencial nela e no filme, mas espaçado dentro de blocos inseguros que, talvez, tenham prometido demais.

Relíquia (Relic | Austrália, 2020)
Direção: Natalie Erika James
Roteiro: Natalie Erika James, Christian White
Elenco: Emily Mortimer, Robyn Nevin, Bella Heathcote, Jeremy Stanford, Chris Bunton, Catherine Glavicic, Steve Rodgers.
Duração: 89 minutos

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