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Crítica | Repórteres de Guerra

por Leonardo Campos
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A prática do fotojornalismo é uma das escolhas profissionais mais arriscadas que existem. Comprometido com a veracidade e o alto grau de inserção do registrador da imagem no ambiente que a define, o fotojornalismo é um exercício estético que perdeu bastante espaço no contemporâneo, era da vulgarização das imagens na internet. Regido por um esquema de alta tensão, os profissionais deste campo colocam as suas vidas em risco para expor ao mundo, imagens que talvez não tivéssemos acesso numa era prévia aos drones, câmeras de alta resolução e outros mecanismos tecnológicos que permitem a captação de imagens sem a necessidade de um ser humano pensante empunhando uma máquina e criando algo estético extraído de uma situação nem sempre tão bela, como já pudemos contemplar com horror na chocante imagem da criança esfomeada, rodeada por um abutre que aguarda a sua morte para dar vazão ao seu instinto de sobrevivência e se alimentar. Quem lembra?

Outro momento marcante, o homem que corre em chamas, captado pelas lentes de um fotojornalista, jamais saiu da memória de muitas pessoas que tiveram a oportunidade de vê-la estampada em revistas e jornais do mundo inteiro. Testemunhar tais situações não é nada fácil. Esse é o mote de Repórteres de Guerra, drama baseado em histórias reais que narra a trajetória de fotógrafos envolvidos em situações conflituosas para contar as suas versões para os fatos noticiados sobre guerras, desastres e outros acontecimentos. Tudo em prol da informação. E da fama. Mantidos em parceiras constantes pelo senso comunitário imaginário durante o exercício de suas respectivas funções, os repórteres de guerra apresentados ao longo dos 106 minutos da produção reforçam questões que já conhecemos no bojo do jornalismo. É a busca incessante pelo furo, apego ao diferencial do concorrente. No mundo de mercantilização da notícia, fotos com flagrantes específicos valem bastante dinheiro e prestígio.

Dirigido por Steven Silver, cineasta que também assume a função de roteirista, Repórteres de Guerra acompanha a trajetória do Bang Bang Club, grupo de fotógrafos formado por João Silva (Neels van Jaarsveld), Kevin Carter (Taylor Kitsch), Greg Marinovich (Ryan Phillipe) e Ken Oosterbroek (Frank Rautenbach). A editora Robin Comley (Malin Akerman) é a intermediadora das imagens, responsável por avaliar o que é publicável ou não, o que atrai e o que repele numa reportagem, busca incessante de jornais que desejam entrar para a história na cobertura de conflitos bélicos. Com carreiras extensas, prévias e posteriores aos acontecimentos do filme, os personagens deste clube de fotógrafos estão situados na acirrada zona de confronto entre membros da etnia Zulu, apoiadores de projetos segregacionistas, e os envolvidos com o Congresso Partidário Africano, o partido de Nelson Mandela, figura política que é eleita e permite a desarticulação do apartheid.

Diante do exposto, a narrativa se desenvolve com momentos de tensão e comoção, mas sempre centrado numa objetividade que faz refletir a transformação de situações trágicas em algo para apreciação estética. Os fotógrafos que estavam ali não buscavam necessariamente o exercício da arte, mas a captação de imagens que lhe permitissem prestígio em suas zonas de percurso social. Eram os registros de acontecimentos da cultura do “outro”, traduzida em espetáculo para plateias distantes contemplarem em suas revistas e jornais com horror e distanciamento. O filme também debate os limites de ação de um fotojornalista. É ético intervir ou o seu papel é apenas testemunhar e registrar a imagem? Eu, na função em questão, salvo uma vida ou faço uma imagem que será eternizada? Kevin Carter e a criança subnutrida é o ponto nevrálgico desta discussão. Mesmo premiado, o profissional foi muito criticado pelo registro e não aguentou as pressões e cometeu suicídio aos 33 anos. Seu dever ultrapassa a missão jornalística?

Questões raciais também são levantadas, haja vista o lucro de editores com as imagens da fome e da miséria de um continente há eras devastado pela colonização e depois, por conflitos internos. Tudo isso é discussão do livro de João Silva e Greg Marinovich, publicado em 2000, transformado em narrativa cinematográfica por Steven Silver, uma história de impasses. O fotojornalista, numa missão que pode ceifar a sua vida, encontra-se constantemente de cara com a morte, seja por um momento de risco dele ou do outro, observado por suas lentes que registram momentos de imensa dor, tal como os pais que observam, arrasados, o corpo do filho devastado por envolvimento nos conflitos sociais apresentados pela narrativa. Observadas por leigos, as imagens podem passar apenas a mensagem em tom de denúncia, mas para os contemplados pelo letramento visual, o que há por detrás dos significados destas fotos é algo muito além da superfície. E é isso que se torna alvo dos debates intelectuais mais próximos ao desfecho do filme, quando os fotógrafos e suas imagens são colocados para interpretação.

Como entretenimento, o filme é uma produção de médio porte, com orçamento razoável, mas nada que impeça o desenvolvimento da tensão diante do suspense e dos acontecimentos trágicos que movimentam a narrativa e permitem que os espectadores purguem com o sofrimento dos fotógrafos e dos fotografados. Como produção para reflexão da prática do fotojornalista, indo dos momentos de periculosidade no registro de imagem aos argumentos em torno da ética diante do que é permito ou não ser fotografado, Repórteres de Guerra também funciona bem. Nada excepcional, apesar do potencial do roteiro, conteúdo que não é totalmente observado na execução, por motivos diversos, mas com informações suficientes para permitir uma reflexão não apenas para comunicólogos, num conteúdo capaz de atingir o espectador comum, haja vista a nossa prática de captação de imagens em qualquer situação corriqueira do cotidiano.

Acompanhados pela condução musical bem intrusiva de Phillip Miller, pontual nos registros dramáticos e no delineamento das tensões mais voltadas ao suspense, a narrativa conta com a direção de fotografia de Miroslaw Baszak, tentada pelos movimentos frenéticos dos personagens em cena, algo que nunca a deixa estática. Sempre no compasso de seus personagens, a câmera na produção é metalinguística, ao exercer função de registrar os desdobramentos da história e colocar em primeiro plano, cenas que são icônicas no campo do fotojornalismo, como a já mencionada imagem da criança observada atentamente pelo abutre em busca de alimento, imagem de Kevin Carter que ganhou o Pulitzer em 1994. Editado por Ronald Sanders e Tod Seaborn, Repórteres de Guerra é econômico no melodrama e mais voltado ao campo de ação de seus personagens, isto é, a zona de guerra que nem sempre garante a sobrevivência dos encorajados a passar por seu limiar e adentrar num espaço onde é “tudo ou nada”.

Repórteres de Guerra (The Bang Bang Club) — Canadá/África do Sul, 2010
Direção: Steven Silver
Roteiro: Steven Silver
Elenco: Taylor Kitsch, Ryan Phillippe, Malin Åkerman, Frank Rautenbach,  Neels Van Jaarsveld, Patrick Lyster, Russel Savadier
Duração: 110 min.

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