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Crítica | Resgate Implacável

A crise de identidade de um filme sem rumo.

por Fernando Campos
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A participação de Sylvester Stallone como roteirista e produtor em Resgate Implacável, reunindo David Ayer e Jason Statham (recém-saídos do eficiente Beekeeper), prometia um resgate da ação oitentista no século XXI. O gênero vive um grande momento no cinema, mas um olhar disruptivo é sempre bem-vindo para evitar que um tipo de filme caia no lugar comum. Stallone já provou em Rocky e Rambo que entende de heróis dilacerados entre o civismo e a violência. Contudo, Resgate Implacável é um projeto esquizofrênico. O longa começa como um manifesto social sobre veteranos de guerra e degenera numa colagem de clichês neon de John Wick. Isso resulta numa obra que, apesar da energia pulsante, falha em definir sua própria identidade.

No filme, o protagonista Levon Cade (Jason Statham) abandona as operações secretas militares para recomeçar numa vida simples como operário. Mas quando traficantes sequestram a filha de seu chefe, seu código de honra o arrasta de volta ao abismo. O que começa como um resgate pessoal desvenda uma teia de corrupção tão vasta que forçará Levon a confrontar os demônios do passado e a violência que jurou deixar para trás.

O maior problema do roteiro de Ayer e Stallone reside na incoerência. A metáfora do operário-guerreiro agrada na introdução. Assistir Cade utilizando materiais de construção como armas no primeiro ato prometia uma abordagem diferente tanto no simbolismo quanto na estética. Contudo, na metade, o filme troca profundidade por exotismo vazio. Cada novo cenário surge desconectado. Uma boate estilo boudoir, um cassino para elites sádicas. Vilões surgem como figurantes de catálogo, sem relação com o tema dos veteranos. 

Pode-se dizer que esse excesso de antagonistas, e seus ambientes peculiares, fazem parte do comentário sobre a desigualdade social, mas apenas fica na superfície. Ricos tratando vidas como entretenimento poderia ser impactante, mas no caso de Resgate Implacável parece apenas empréstimo de O Albergue, outra obra que utiliza a violência como comentário (com muito mais competência), inclusive na questão do tráfico de pessoas. Ou seja, a obra oscila entre dois estilos, o realismo cru de David Ayer e o ludismo estilizado de John Wick, sem nunca encontrar um caminho próprio.

Se a narrativa fraqueja, a montagem sustenta o filme. Ritmo ágil, cortes secos e diálogos econômicos garantem fluidez. Jason Statham, como sempre, carrega cenas com sua presença física e carisma. Porém, a direção falha onde mais importava. As lutas, potencializadas pelo histórico de Statham como coreógrafo, são filmadas de forma tremida e ângulos baixos. Ou seja, a câmera em alguns momentos esconde os movimentos de um ator tão brilhante em coreografias. Em cenas de diálogo, close-ups repetitivos e a mesma câmera instável tentam criar tensão artificial. A fotografia ainda desperdiça oportunidades nos cenários neon e luxuosos. Tudo parece funcional, nunca inspirado.

Resgate Implacável é uma obra que se recusa a escolher um caminho. Sua metade inicial é um retrato necessário sobre homens que trocam fuzis por martelos. Um homem que tenta fugir da guerra através do cotidiano. A segunda metade é um carnaval de crimes coloridos e esquecíveis. O filme acaba como seu protagonista. Um veterano perdido entre duas guerras. Nem manifesto social, nem inovação do gênero. Apenas um soldado sem missão clara. E no cinema de ação, como na guerra, indecisão é o primeiro passo para a derrota.

Resgate Implacável (A Working Man) – EUA e Reino Unido, 2025
Direção: David Ayer
Roteiro: Sylvester Stallone, David Ayer
Elenco: Jason Statham, David Harbour, Michael Peña, Jason Flemyng, Arianna Rivas, Noemi Gonzalez, Emmett J. Scanlan, Eve Mauro, Maximilian Osinski, Kristina Poli, Andrej Kaminsky, Isla Gie, Merab Ninidze
Duração: 116 min

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