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Crítica | Resident Evil- A Série – 1ª Temporada

A lamentável série live-action de Resident Evil.

por Felipe Oliveira
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Parece que voltar a Raccoon City se tornou um evento recorrente e de mal gosto. Embora a franquia de sucesso estrelada por Milla Jovovich tenha sido encerrada em 2016, não se deu muito tempo para o corpo esfriar já que, bastou um novo capítulo do game Resident Evil estourar em 2017 para que um reboot cinematográfico fosse anunciado em 2018, prometendo mais fidelidade ao seu material de origem. No ano seguinte, a Netflix também confirmou estar desenvolvendo um projeto inspirado nos jogos da CAPCOM, sendo ele uma série live-action, e depois outra, em formato de animação, se passando após o quarto volume dos jogos. O que resume todas essas produções chegando com mínimas diferenças, é a capacidade de insistirem tanto para conceber algo de baixa qualidade, se apoiando na popularidade de um produto.

Quando anunciam que a adaptação será inspirada, obviamente isso indica que não seguirão fielmente a história, mas que usarão uma base para movimentar a roda, e nisso, poder inserir os personagens conhecidos pelos fãs. Isso era o que a saga com Jovovich trabalhou, ao apresentar uma protagonista independente lutando contra a Umbrella Corporation, ao lado de aliados oriundos dos jogos, bem como outros criados para os filmes. Se Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City e Resident Evil: No Escuro Absoluto não agradaram, ainda que trouxessem um leque de personagens mais voltados para os jogos, qual o problema dessas adaptações sempre caírem no mesmo ponto infame?

Diferente dos filmes de Paul W. S. Anderson, que quanto mais eram criticados, mais faziam dinheiro, o longa estrelado por Kaya Scodelario não experimentou do mesmo sucesso, mas aqui estamos nós diante de outra atração, nessa primeira série live-action da Netflix inspirada no popular videogame, e novamente, com o mesmo distanciamento de personagens e desdobramentos da história dos jogos, optando por um argumento independente que possa inserir elementos dos games aos poucos. Nesse envoltório, é possível visualizar a lógica criativa que a série parte, como forma de criar um universo alternativo próprio e que interaja com o material fonte dentro de seus critérios. O perigo é produzir algo ausente de qualidade, com diversos problemas que vão desde os personagens à maneira que convergem para absurdos vergonhosos.

Mais conhecido por escrever alguns episódios a partir da quarta a última temporada de Sobrenatural, Andrew Dabb foi o criador e showrunner escolhido pela Netflix para dar vida a essa empreitada. Dividindo a narrativa em duas linhas de tempo principais, em 2022, acompanhamos a adolescência de Jade e Billie Wesker, filhas do cientista da Umbrella, Albert Wesker (Lance Reddick), e como a grande empresa foi a responsável pela dizimação da sociedade, a transformando em mortos-vivos sedentos. Tudo isso para que compreendamos o que leva a luta pela sobrevivência de Jade (Ella Balinska) em 2036, ao menos, é o que idealizamos na teoria, uma vez que a temporada de estreia de Resident Evil: A Série mais caminha em círculos, gerando lacunas por não estar disposta a oferecer respostas.

Assim, a conclusão reflete que, nesse direcionamento, o show sacrificou a possibilidade de expandir a própria mitologia de forma criativa em prol de criar ganchos narrativos que segurassem a audiência, por ter o artifício de brincar com as informações da forma que quisesse. Um exemplo disso é o motivo da separação das irmãs que culmina no pé de guerra na linha atual ser uma incógnita, e a trama termina mostrando que mais coisas aconteceram até o centro dessa rixa, então, enquanto se alterna entre passado e presente, a resposta será dada numa possível segunda ou terceira temporada, por ter-se a chance de jogar com o suspense. O problema, é como o roteiro trabalha essa dinâmica de modo ridículo. 

Além das fases pré e pós-apocalíptica, essa divisão define os blocos com que a trama vai trabalhando a construção de temas, com o ano de 2022 servindo para uma maior dedicação pra ficção científica e aparições de personagens dos jogos (como a apontada no episódio final) a medida que o ano de 2036 indica querer funcionar de maneira mais solta a nível de ligações com personagens, concentrando o escopo da ação com direitos a monstros familiares aos fãs e novos, pelo o que o conceito permite. Difícil é ver como essas separações narrativas não conversam, sofrendo com a péssima construção de personagens, de tom, mistério e ausência de maturidade para gerar conflitos, pois, da adolescência à fase adulta, os personagens parecem infantis.

Logo no piloto, essa regência afetada da série, muito pelas ideias propostas do roteiro, fica evidente quando da batalha de Jade adulta para encontrar uma “cura” para o caos causado pela Umbrella, partimos para o bloco de sua adolescência. O objetivo, claro, é entendermos como ela chegou aquele ponto; sozinha, lutando, mas, não bastando a forma enfadonha e destoante com o roteiro transita por essa fases, a linha adolescente claramente se inspirou em qualquer coming of age teen a fim de dar forma ao que as irmãs Wesker desvendam sobre a grande farmacêutica. Mas antes o viés do amadurecimento fosse só uma escolha narrativa para caracterizar a abordagem, porém, esse mote, de fato compõe a construção das personagens. E como Dabb concilia isso, é fazendo do T-Vírus um determinante não só de mutação genética, mas de transformação individual, o ponto de virada que expõe os dilemas das gêmeas.

Certamente, isso seria muito bem-vindo se tivesse discutindo questões morais, um lugar complexo da natureza das irmãs, mas se resume a tratar o conflito oco de seus desentendimentos, usando do componente biológico numa colocação de “superação da ansiedade, de como uma delas se via” para efeitos melodramáticos. Como tudo que se cria tendência, parece que se tornou banal inserir tópicos de saúde mental como mero artifício conflitante da geração contemporânea, de modo que, citar um ataque de pânico aqui e ali, configura-se os elementos necessários para o impacto do monólogo de “como estou melhor agora” para briguinha das irmãs. Então, da discussão de como o próprio homem traz sua destruição, sendo a criação de uma arma biológica da Umbrella o pivô do extermínio da civilização, o escopo se Dabb prefere concentrar nuances menos adultos nesse prisma dramático dos Weskers.

Tal mecanismo foi desenhado como base de substância para a criação do T-Vírus, que visava servir para o tratamento de doenças crônicas, mas falta mais ambição, mais senso, mais atributos que impactem na concepção de mundo criada e controlada pela Umbrella, mas a série se acomoda em pavimentar isso pelo estofo metódico adolescente que investiga, faz burrada, e convenientemente tudo colabora para a tensão do show. E ainda, aquela que diz vilã da trama, Evelyn (Paola Núñez), não faz muito além do perfil caricato corporativo, quando nem mesmo o que ela está combatendo para manter as aparências da empresa que herdou demonstra algum, e tampouco se tem uma projeção de como funciona sua imagem política como presidente da Umbrella; é tudo muito raso, específico e encenado dentro de um parâmetro básico. Contudo, a personalidade dissimulada diverte nas interações com Albert, o dito antagonista da saga de jogos e aqui assume uma subversão do papel que já conhecemos, e provavelmente poderá ser visto em temporadas futuras.

Se tratando da linha temporal atual, em 2036, o esforço para se criar uma identidade visual para as cenas de ação, com um design de produção com pouca iluminação, luzes quentes, cenário claustrofóbico perde a força por se desenrolar alternadamente com o bloco teen, que aparentemente tem as respostas para os conflitos da linha presente. Como esse sequenciamento de ação frenético e sufocante com zumbis (não no mesmo grau dos set pieces do Anderson) e monstros não consegue se sustentar, o roteiro volta para o exercício fraco de criar situações estúpidas para resultados melodramáticos, e nos últimos episódios, só piora com o tanto de absurdos na tentativa de gerar cliffhangers, quando nem ao menos a urgência de um clímax dar pra ser sentido dado o nível tão baixo que o roteiro desce. 

Lickers, Dr. Salvador, enquadramentos e movimentos de câmera em primeira pessoa, são alguns dos elementos e easter-eggs espalhados que poderiam brindar como a série cria sua mitologia e faz acenos ao universo do famoso jogo, mas é incrível como a premissa consegue ser ruim, com uma história truncada e narrativa presunçosa, se apoiando na ilusão de que o show é complexo e chocante nas “revelações”. Poderia ter qualquer outro nome pruma série pós-apocalíptica perdida em sua inumanidade, mas como de costume numa adaptação de Resident Evil, essa é a sua série live-action.

Resident Evil: A Série – 1ª Temporada (Resident Evil – EUA, Alemanha, África do Sul – 2022)
Criação: Andrew Dabb
Direção: Rachel Goldberg, Bronwen Hughes, Rob Seidenglanz, Batan Silva
Roteiro: Andrew Dabb, Mary Leah Sutton, Shane Tortolani, Garett Pereda, Kerry Williamson, Lindsey Villarreal, Jeff Howard, Tara Knight
Elenco: Ella Balinska, Tamara Smart, Siena Agudong, Paola Núñez, Lance Reddick, Connor Gosatti, Anthony Oseyemi, Ahad Raza Mir, Adeline Rudolph
Duração: 61 a 48 min. cada (8 episódios)

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