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Crítica | Retroceder Nunca, Render-se Jamais

por Ritter Fan
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Sou  o melhor! Sou o melhor!
– Kraschinsky, Ivan

O único problema de Retroceder Nunca, Render-se Jamais é tentar contar uma história. Afinal, essa tentativa é que acaba contaminando a obra toda ao deixar evidente a qualidade abissal do roteiro de Keith W. Strandberg em seu primeiro trabalho de uma carreira tenebrosa e a mais completa incapacidade de Corey Yuen, dirigindo seu primeiro filme americano (e segundo em geral), de lidar com atores a ponto de o belga Jean-Claude Van Damme, em seu primeiro papel minimamente relevante, às vésperas de alcançar seu estrelato em O Grande Dragão Branco, ser o melhor “ator” no elenco, justamente por lutar mais do que falar.

Se este longa tipicamente oitentista não tivesse preferido privilegiar a linha dramática claramente (mal)copiada de Karatê Kid: A Hora da Verdade, do ano anterior, e abraçado a sem-vergonhice brega total da pancadaria generalizada, mais ou menos como seu muito superior contemporâneo – e também semelhante – Rocky IV, o resultado teria sido bem diferente, pois o que Yuen faz realmente bem, algo que ele já havia provado como ator, coreógrafo de lutas e continuaria a provar na década seguinte, é lidar com sequências recheadas de lutas marciais. Retroceder Nunca, Render-se Jamais tem algumas das mais cinematográficas sequências de pancadaria marcial da década que, mesmo não necessariamente transparecendo realismo – e quem quer realismo absoluto nessas horas, não é mesmo? – impressiona pela sua cinética, verossimilhança dentro da narrativa e força em cada golpe desferido, sem que o cineasta precise recorrer a picotes insuportáveis na ilha de edição.

O problema é que, para chegar na nata da fita, o espectador é obrigado a andar por um modorrento lamaçal narrativo em que o jovem Jason Stillwell (Kurt McKinney), carateca e fã de Bruce Lee, mudando-se com seus pais para Seattle, precisa firmar-se na nova cidade, sofrendo bullying no processo, lógico. Existe também uma história de fundo sobre a máfia nova-iorquina querendo tomar controle dos dojos da Costa Oeste por razões incertas e não sabidas, que é o estopim da mudança da família Stillwell, já que seu pai, sensei de caratê, tem a perna quebrada pelo russo Ivan Kraschinsky (Van Damme), capanga do crime organizado, e decide fugir para o norte.

O roteiro é mais do que completamente inepto em contar essa simples história, fazendo uso de elipses narrativas inexplicáveis que avançam a história aos trancos e barrancos, com a direção de Yuen não conseguindo costurar sequer duas sequências seguidas que ou se segurem pela pura lógica interna ou não dependam de explicações didáticas. Nesse processo, o elenco parece perdido, falando frases de efeito aos gritos e fazendo caras e bocas, com personagens que entram e saem da história na base da pura conveniência narrativa, como é o caso do garoto obeso que decide encasquetar com Jason, fazendo da vida dele um inferno. Esse personagem, Scott, vivido por Kent Lipham, não só é ridiculamente caricato, como ele só existe até o momento do filme em que o próprio fantasma de Bruce Lee (Tai Chung Kim) aparece para transformar Jason, de um sujeito que só apanha, em um mestre absoluto em jeet kune do capaz de descer a lenha no russo invencível e cruel ao final, o que poderia ser uma homenagem ao saudoso ator e artista marcial, mas que acaba sendo tão ridículo que dizer isso é até uma ofensa.

Com isso, dos 85 minutos de projeção, o espectador precisa ver algo como três horas de filme antes de finalmente ser premiado com a sucessão de lutas bacanas nos 25 minutos finais, mesmo que algumas apareçam antes, aqui e ali, muito brevemente e sem o mesmo impacto. Quando Jean-Claude Van Damme finalmente reentra na história – seu personagem é outro que aparece por alguns segundos no começo, e, depois, só retorna no finalzinho – é como se o filme tivesse finalmente começado, somente para acabar logo depois, deixando aquele gostinho de quero mais que só viria mesmo três anos depois com o “ator” vivendo Frank Dux.

Retroceder Nunca, Render-se Jamais acerta em cheio somente quando Corey Yuen está confortável em seu ambiente de lutas marciais. Fora dele, o filme é um desastre completo, uma vergonha alheia tão grande que chega a ser hilário, podendo muito facilmente cair naquela boa e velha categoria do “é tão ruim que é bom”. Pelo menos o longa serviu de trampolim para Van Damme protagonizar seus clássicos nos anos seguintes, desta vez fazendo aquele doloroso espacate do lado dos mocinhos.

Retroceder Nunca, Render-se Jamais (No Retreat, No Surrender – EUA/Hong Kong, 1985)
Direção: Corey Yuen
Roteiro: Keith W. Strandberg (baseado em história de See-Yuen Ng e Corey Yuen)
Elenco: Kurt McKinney, Jean-Claude Van Damme, J.W. Fails, Kathie Sileno, Tai Chung Kim, Kent Lipham, Ron Pohnel, Dale Jacoby, Peter “Sugarfoot” Cunningham, Joe Verroca, John Andes, Farid Panali, Mark Zacharatos, Ty Martinez, Timothy D. Baker, Gloria Marziano, Paul Oswell
Duração: 85 min.

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