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Crítica | Rick and Morty – 3ª Temporada

por Kevin Rick
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Vocês já sentiram que estavam sendo tapeados vendo um filme/série no sentido de parecer melhor do que realmente é? Pois é, durante grande parte da terceira temporada de Rick and Morty eu me senti dessa forma, como se a criatividade visual em tela estivesse ludibriando e escondendo um roteiro mais fraquinho que do ano anterior, especialmente em relação a diálogos e dinâmicas. E o maior exemplo disto no terceiro ano é o visualmente espetacular, ainda que substancialmente vazio, Pickle Rick.

E eu sei que parte dos leitores estão me chamando de chato, que estou querendo encontrar Cidadão Kane (adoro como sempre trazem esse filme à tona) em um episódio de comédia sobre um péssimo ser humano virando um picles. Honestamente, talvez eu seja chato mesmo, mas vamos pensar um pouquinho. Rick and Morty é uma série que constrói seu humor em contrastes, não é? A personalidade anárquica, meio niilista e extremamente narcisista de Rick está sempre em choque com a presença frágil, moral e, bem, normal de Morty, o que cria uma dinâmica cômica que realça a violência de Rick, ao mesmo tempo que nos faz rir (e às vezes refletir) com os traumas de seu neto. Até mesmo a dinâmica de Beth (dominadora) e Jerry (covarde), é feita no mesmo sentido de manter diferenças dentro da comédia situacional familiar para trabalhar o ótimo humor de extremos, e, claro, sempre respaldado pela inventividade sci-fi, algumas camadas de comentário social e o banho de referências nerds – tudo isso melhor trabalhado quando há um senso de continuidade narrativa e desenvolvimento dramático, mas também contendo ótimos episódios “ordinários”, como Total Rickall, para dar um exemplo.

Melhor exposto meu argumento de como vejo os pontos fortes da animação, podemos retornar ao famosíssimo Pickle Rick. O episódio que Rick se transforma em picles é uma aula de violência e ação cômica e um curso de imaginação na maneira que usa a genialidade científica de Rick no absurdo irreverente das aventuras, mas, se a comédia está apenas no teor hediondo, a obra não se torna superficial e até uma paródia de si mesma? Cadê o contraste com o banal e o rotineiro; onde está a sitcom? Quando tudo é agressivo e brutal, o humor e o drama se estabilizam, pois o transgressor é normalizado narrativamente. Não existe mais choque, trauma, surpresa, pois o caótico vira regra, se torna… comum.

E não estou falando apenas de Pickle Rick, mas usando ele como exemplo para a abordagem em quase toda a temporada. No terceiro ano, o humor parece que está no piloto automático, até preguiçoso eu diria, pois é focado no caos, e não nas dicotomias e relativizações feitas anteriormente com consequências, aprofundamento dramático e conflitos familiares. Morty e Summer são quase tão nocivos quanto Rick, enquanto Beth é agora uma total psicopata e Jerry é escanteado. Talvez possa chamar isso de desenvolvimento dos personagens, cada vez mais absortos pela gravidade de Rick, mas não sei… me parece mais uma regularização de temas e humor. Até o existencialismo, principalmente de Rick, tão bem trabalhado na reta final do ano anterior, simplesmente deixou de existir. Aos poucos, o show deixa de ser ambíguo e complexo, e sim redundante e expositivo – aliás, o diálogos são bem mal-escritos ao longo da temporada, mastigando os acontecimentos ou dramas dos personagens, como a cena da terapia em Pickle Rick, todo o molde de jogo crítico de Vindicators 3, e as conversas entre Rick e Jerry em The Whirly Dirly Conspiracy.

Eu não estou dizendo que é ruim, sabe? É divertido, frenético e constantemente criativo, e por isso digo no início do texto que a vitrine da animação parecia querer me enganar com um produto usado por trás dela. É bom, mas certamente não é excelente. Esta ideia é melhor evidenciada pelo fato de que os melhores episódios da temporada são os que justamente fogem do molde, como os dois capítulos da cidadela, Rest and Ricklaxation e Morty’s Mind Blowers. Todos esses capítulos têm o enfoque no conflito dos personagens consigo mesmos, sejam inseguranças, rancores familiares ou traumas, além de expandirem o progresso narrativo dando complexidade a Rick e Morty para além dos seus parâmetros de personalidade estabelecidos.

Pode parecer que estou querendo mais drama, drama e drama, mas a questão é que o humor da série nunca foi distante do sofrimento destes personagens, especialmente a partir de Rick Potion #9 e do segundo ano que toma isso como alicerce cômico/dramático, logo, quando temos um episódio como The Ricklantis Mixup que usa a trama para trabalhar a narrativa da cidadela, da dinâmica tóxica (o episódio Rest and Ricklaxation exterioriza isso brilhantemente) de Rick e Morty, a mitologia em si do show, além de dar camadas sociais com o estudo de classes, preconceito e marginalidade, a animação demonstra como pode ser especial. Mas então, decide retornar ao lugar-comum logo em seguida.

Para mim, a experiência foi novamente de altos e baixos, mas o meu incômodo principal está em como não temos um norte, uma direção, dada à série. Nem é tanto sobre continuidade mais, o que certamente existe aqui, mas este sentimento de que a série não quer mais discutir, transformar ou evoluir sua linguagem, mas sente-se confortável no marasmo repetitivo. De forma simplificada, Rick and Morty começa seu caminho para o panteão de sitcoms animadas que duram décadas, navegando entre raros episódios de genialidade, e outros de mesmice rasa. Pode ser uma comparação meio ruim, mas o segundo ano passa um sentimento de Bojack Horseman, no sentido de desenvolver a irreverência e o humor negro com o conflito do elenco. E então, a terceira temporada destrói tudo isso para se manter cômoda,  divertida aqui e ali, com alguns vislumbres especiais, mas bastante… estável. Como ser caótico se a obra é estagnada?

Rick and Morty – 3ª Temporada (EUA, 1 de abril de 2017 a 01 de outubro de 2017)
Criação: Justin Roiland, Dan Harmon
Direção: Wes Archer, Dominic Polcino, Bryan Newton, Juan Meza-León
Roteiro: Dan Harmon, Justin Roiland, Ryan Ridley, Matt Roller, David Phillips, Tom Kauffman, Mike McMahan
Elenco: Justin Roiland, Chris Parnell, Spencer Grammer, Sarah Chalke, Nathan Fillion, Tony Hale, Joel McHale, Susan Sarandon, Peter Serafinowicz, Danny Trejo, Brandon Johnson, Gillian Jacobs, Christian Slater, Logic, Lance Reddick, Thomas Middleditch, John DiMaggio, Dan Harmon, Keith David
Duração: 230 min. (10 episódios)

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