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Crítica | Ripley Subterrâneo (Ripley #2), de Patricia Highsmith

Esse não pode ser o Tom Ripley do primeiro livro...

por Ritter Fan
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Patricia Highsmith demorou 15 anos para retornar ao universo de seu sensacional sociopata Tom Ripley, que surgiu em O Talentoso Ripley, publicado em 1955, talvez seu romance mais conhecido e festejado, mas Ripley Subterrâneo é, em poucas palavras, uma decepção. Não é um livro ruim de forma alguma, mas ele nem de longe faz jus ao primeiro, sequer justificando sua existência para além de uma tentativa da autora de capitalizar em cima de seu personagem no que viria a ser o que se convencionou chamar de Ripliad, composta de cinco livros protagonizado por Ripley. Na verdade, vou além e afirmo categoricamente que quase todos os demais romances que Highsmith escreveu entre 1955 e 1970 trazem personagens masculinos perturbados melhores do que a versão de Tom Ripley que vemos aqui.

Escolhendo começar sua nova história seis anos após os eventos da primeira, Highsmith distancia o Tom Ripley agora casado com a aristocrata francesa Héloïse Plisson e morando em Belle Ombre, uma bela e rica propriedade clássica em uma cidade pequena da França que é bancada tanto pela mesada que Héloïse recebe de seus pais quanto pela fortuna de Dickie Greenleaf herdada por Ripley depois de ele ter forjado a documentação relevante. É uma vida de conforto e, sobretudo, de ociosidade que, conhecendo Ripley como o conhecemos a partir do que ele fez com Dickie e demais em sua “história de origem”, não é eternamente sustentável em razão de sua mente doentia. Ripley precisa de risco, precisa andar na corda bamba e seu negócio escuso de falsificação de obras de arte ao lado de seus amigos Jeff Constant e Ed Banbury, que consiste em manter vivo Philip Derwatt, que cometera suicídio na Grécia anos antes, e vender quadros novos “dele” que, para todos os efeitos, mora recluso em algum lugar não revelado no México, que, na verdade, são pintados por Bernard Tufts.

O esquema de falsificação por si só, que o leitor já recebe como em andamento há bastante tempo, é complexo e repleto de partes móveis que são de difícil assimilação e que exigem um grau avançado de suspensão da descrença e de aceitação de diversas conveniências narrativas. Como o próprio O Talentoso Ripley é também repleto de conveniências, isso em si não seria um problema sério se Highsmith não usasse toda essa complicada atividade que Ripley esconde de sua esposa como um mero trampolim para acrescentar ainda mais conveniências que vão sendo empilhadas até tomarem conta da narrativa por completo, obrigando o leitor a prosseguir em uma corrida de obstáculos cada vez mais instransponíveis. O que serve de gatilho para que a autora comece a bagunçar tremendamente sua história é a chegada do colecionador de arte Thomas Murchison para tirar satisfação da galeria de Constant e Banbury por ele desconfiar que um quadro que ele comprara é falso.

O que segue, daí, são esquemas em cima de esquemas para convencer Murchison do contrário, o que inclui Tom Ripley personificando o artista morto com direito a disfarces, sotaque e até entrevistas. E eu disse “inclui” pois essa personificação é realmente apenas um dos expedientes usados por Ripley (e mais de uma vez) em um plano confuso e arriscadíssimo que não faz muito sentido lógico a não ser para permitir contar uma história que é cheia de idas e vindas, assassinatos desnecessários e mudanças de planos que acabam soterrando o protagonista e, muito sinceramente, descaracterizando-o, mesmo se levarmos em consideração o tempo que se passou desde o primeiro romance e o quanto o personagem deveria ter amadurecido nesse tempo. Aliás, sendo sincero, quando justamente levamos em consideração os fatores tempo e amadurecimento é que fica ainda mais difícil engolir esse “novo” Tom Ripley, pois ele parece uma sombra de como ele foi desenvolvido no livro original.

Claro que a sociopatia continua lá, intacta, mas Highsmith parece mais preocupada em inventar moda do que focar em Ripley. E, como se isso não bastasse, o livro não exatamente acaba, mas sim é interrompido sem um fim. E não quero dizer que o final é ambíguo, pois sou o primeiro a defender finais assim ou mesmo que é um final aberto que permite o leitor vislumbrar, de uma maneira ou de outra, o que poderia acontecer. Trata-se de um final brusco que pede uma continuação e que eu achei que encontraria – mesmo a contragosto – no terceiro livro, O Jogo de Ripley, somente para descobrir que não é isso que acontece. Ripley Subterrâneo não só é um segundo romance tendo Tom Ripley como protagonista que nos apresenta ao que parece ser outro personagem com o mesmo nome, como a autora parece mais enamorada com a ação labiríntica que ela cria para criar surpresas quase aleatórias para o leitor. Teria sido melhor deixar Tom Ripley quieto em seu canto…

Ripley Subterrâneo (Ripley Under Ground – EUA, 1970)
Autoria: Patricia Highsmith
Editora original: Doubleday
Data original de publicação: junho de 1970
Editora no Brasil: Editora Intrínseca
Tradução: Fernanda Abreu
Páginas: 352

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