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Crítica | Rituais e Festas Bororo

Etnografia cinematográfica brasileira.

por Luiz Santiago
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Rituais e Festas Bororo é uma obra etnográfica brasileira que nos traz um recorte do cotidiano dos povos originários citados no título, também conhecidos como otuques, bororós ou boe. Em território brasileiro, habitam o estado de Mato Grosso e falam a língua bororo, autodenominada boe wadáru. Segundo o site do Instituto Socioambiental, na seção de povos indígenas no Brasil, “o termo Bororo significa, na língua nativa, “pátio da aldeia”. Não por acaso, a tradicional disposição circular das casas faz do pátio o centro da aldeia e espaço ritual desse povo, caracterizado por uma complexa organização social e pela riqueza de sua vida cerimonial”. 

Quem assina esta fita de 1916 é Luiz Thomaz Reis, que captura com competência a execução dos rituais e o exercício de diversos papéis no tecido cultural desse grupo indígena, exibindo práticas espirituais ancestrais ainda em voga para esses indivíduos no início do século XX. Vários aspectos da vida cotidiana Bororo são observados por uma  câmera que passa de momentos muito íntimos, em planos fechados em rostos, mãos, objetos, plantas e animais, para uma disposição curiosa à distância, que apesar de aparentemente inocente, classifica para os Bororo de maneira paternalista, como indivíduos “exóticos” e “selvagens”.

O viés de abordagem aqui tem uma explicação para além da mentalidade histórica branca nos anos 1910 em nosso país. A produção de Rituais e Festas Bororo aconteceu através de uma parceria entre a Comissão Rondon e a Inspetoria de Fronteiras (portanto, uma obra de viés estatal, não inocentemente utilizada, depois, para mostrar a exuberância da natureza, das riquezas e dos terrenos na região, a fim de atrair investimentos) entre os anos de 1912 e 1938. 

As filmagens da fita ocorreram na Colônia de São Lourenço, num posto do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) localizado no Estado do Mato Grosso. Em dado momento de sua estadia naquelas paragens, Luiz Thomaz Reis soube que uma criança Bororo havia morrido e que os devidos rituais seriam realizados. Surgiu aí a encomenda para o registro cinematográfico daqueles rituais de preparação e despedida (que também contemplaria uma mulher morta). As filmagens aconteceram entre julho e setembro de 1916, e além do filme, que é um valiosíssimo documento histórico que temos hoje à nossa disposição na íntegra, também foram produzidos relatórios (militares) sobre toda a situação.

A beleza de danças nos blocos Juria, Thoro e Parabaradogue, por exemplo, faz parte de um critério bem interessante do diretor para a construção do documentário, e não se pode negar que a sequência do ritual que ele escolheu para encerrar a fita é absolutamente inesquecível. Segundo o blog do Museu do Índio (RJ), “esse trabalho, considerado um dos primeiros filmes etnográficos do mundo, foi apresentado na mostra “Premier contact, premier regard”, organizado por Pierre Jordan em Marselha, na França em 1992, junto aos filmes europeus e norte-americanos do início do século”, o que mostra a importância não apenas nacional, mas também internacional da produção. 

Rituais e Festas Bororo é uma obra que podemos consumir sob diversos olhares: o do maravilhamento e aprendizado, mas também o da crítica à exploração, extermínio físico e cultural ou ao sincretismo cometidos com esses povos. O resultado é mais um [fantástico] “monumento de barbárie”. Um marco infelizmente pouco conhecido do cinema brasileiro.

Rituais e Festas Bororo (Brasil, 1916)
Direção: Luiz Thomaz Reis
Duração: 30 min.

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