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Crítica | Robinson Crusoé em Marte

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

Ib Melchior, que dirigira o quase completamente imprestável Viagem ao Planeta Proibido, também passado em Marte, escreveu o primeiro roteiro de Robinson Crusoé em Marte como mais um filme sci-fi trash cheio de monstros, sua marca registrada.  Não havia muito da obra original de Daniel Defoe ali.

Foi apenas quando John C. Higgins entrou para reescrever o roteiro que a ideia original foi resgatada, ainda que a literalidade com que o romance de Defoe tenha sido transposto para um futuro próximo, na primeira missão para Marte, seja um pouco desconcertante. De toda forma, diferente do que muitos podem imaginar, essa produção, apesar de ter sido de baixo orçamento e ter um título que pode levar qualquer um – justificadamente – a revirar os olhos, tem bem mais a oferecer do que só bobagens. Sob restrição orçamentária, a criatividade imperou no trabalho de Higgins e do diretor Byron Haskin, do famoso A Guerra dos Mundos mais de 10 anos antes e, com atuações interessantes de Paul Mantee como o astronauta Christopher ‘Kit’ Draper, perdido no Planeta Vermelho depois de um acidente e de Victor Lundin, como Sexta-Feira, nativo de outro planeta escravizado por outros extra-terrestres (e extra-marcianos também…) e resgatado por Kit. E isso sem contar com a estridente, mas simpática macaquinha Mona, única parceira (no bom sentido!) de Kit durante toda a primeira metade da fita.

Depois que o espectador consegue ultrapassar os risíveis – para os padrões de hoje – momentos iniciais em que Kit usa a roupa de astronauta de enfeite, pois ele pode abrir o visor e respirar quase à vontade, apenas esporadicamente fingindo que precisa de ar e, quando precisa, respira como se os humanos pudessem acumular oxigênio, a narrativa melhora muito. Temos que nos acostumar que essa Marte é basicamente a Terra só que vazia e vermelha e pronto, temos um Robinson Crusoé fazendo de tudo para tornar seu isolamento confortável, com algumas conveniências narrativas divertidas, como pedras que soltam oxigênio quando esquentadas, água que surge do nada em abundância e outras coisas mais que só acrescentam ao lado camp da produção.

O que a retira do lodaçal de filmes semelhantes das décadas de 50 e 60 é mesmo o esmero fotográfico, com muita filmagem em locação no quente e inóspito Vale da Morte na Califórnia, que convence de verdade – com um filtro avermelhado, claro – como a superfície de Marte em planos abertos. Nos planos mais fechados, como no interior da conveniente caverna que Kit acha para viver seus dias de solidão, há uso de cenários claramente artificiais, mas que são bem trabalhados ao ponto de acrescentarem um tom surreal à produção que deixaria Buñuel muito satisfeito (aliás, vale lembrar que o diretor aragonês adaptou Robison Crusoé para as telonas também!).

Além disso, as pinturas matte, de fundo, são absolutamente lindas. Sei que esse está longe de ser um “termo técnico”, mas é essa a impressão que fica. Ainda que visíveis a artificialidade, o detalhismo rigoroso expande os cenários naturais do Vale da Morte e aprofundam a sensação de solidão, com Mantee evoluindo em sua atuação ao ponto de nos convencer realmente de sua “quase loucura” por não ter com quem conversar a não ser um macaquino que, lógico, nada responde.

Quando, a partir da segunda metade, Sexta-Feira (Lundin) entra na narrativa, temos que novamente perdoar a produção por liberdades e por sinais externos de colonialismo que refletem a obra de Defoe. Afinal, o “selvagem” que vemos está semi-nu, com apenas uma tanga e uma sandália no estilo romano, além de um cabelo preto à la Príncipe Valente. É uma visão ridícula considerando-se o ambiente em que o filme se passa, mas a dinâmica dos dois atores logo equaliza os personagens. De uma relação de subserviência, Sexta-Feira e Kit passam a ser iguais – irmãos/buddies como Kit chama seu amigo –  e realmente acabam nos convencendo disso com atos heroicos e sacrifícios de ambos. E o melhor é que o roteiro foge do sentimentalismo barato e dá um tom mais sério e objetivo à aventura, sem que sintamos pena dos personagens. Até mesmo Mona, a macaquinha, é tratada como mais um do grupo, sem tratamentos especiais ou particularmente chorosos.

A ameaça – além do planeta em si -, assim como no romance original, é uma  raça estranha ao local que pouco vemos e que escraviza o povo de Sexta-Feira para garimpar o local. Eles pouco aparecem na forma humanoide e ficamos apenas com suas naves, mais do que obviamente pinçadas de A Guerra dos Mundos, de Haskin, em um típico reaproveitamento de ideias comum para a época. E esse “inimigo oculto” funciona bem na trama e impulsiona o terço final, unindo ainda mais os dois amigos e gerando a necessidade de novos e variados cenários – lava, neve, deserto – que só acrescentam à riqueza paupérrima da produção.

Robinson Crusoé em Marte tem seus óbvios defeitos, gera risos quando não deveria e nos faz trincar os dentes às vezes. Mas, se o espectador souber relevar esses aspectos – e pode não ser tarefa fácil para muitos – ele encontrará valor nessa pequena e curiosa produção que talvez seja uma das melhores tendo Marte como pano de fundo.

Robinson Crusoé em Marte (Robinson Crusoe on Mars, EUA – 1964)
Direção: Byron Haskin
Roteiro: Ib Melchior, John C. Higgins (baseado em romance de Daniel Defoe)
Elenco: Paul Mantee, Victor Lundin, Adam West
Duração: 110 min.

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