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Crítica | Rogai Por Nós

Mais uma trama sobre a dessacralização dos dogmas católicos.

por Leonardo Campos
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Quando terminei de conferir o terror sobrenatural Rogai Por Nós, refleti sobre a resposta que darei aos meus alunos quando me perguntarem um exemplo de filme genérico, termo que utilizo frequentemente quando o assunto é o desenvolvimento dramático de narrativas, bem como o seu processo de receptivo. Acho que seria injusto chamar a produção protagonizada pelo eficiente Jeffrey Dean Morgan de ruim, sendo preferível classifica-la como pouco envolvente, básica demais, banal em algumas passagens, em suma, a minha definição de “filme genérico”, algo que pode agradar como entretenimento ligeiro, mas que não vai muito além disso. Lançado em 2021, o enredo nos mostra um acontecimento anterior, em 1845, a reverberar na contemporaneidade, numa pacata região que vive seus dias tranquilos, com fieis que visitam a paróquia, alimentam as suas crias na fazenda e conduzem a vida sem grandes acontecimentos diários, até então afinal, um devastador segredo católico do passado parece estar pronto para voltar à tona. Dirigida e escrita por Evan Spiliotopoulos, a história nos apresenta Gerry Fenn, personagem de Morgan, um jornalista decadente que busca rever a sua moral diante dos pares profissionais, haja vista uma trapalhada do passado que insiste em o acompanhar no presente. Ele é o catalisador desse resgate histórico que promete vingar-se de algo inadequado, não resolvido em sua época.

Numa viagem para a Nova Inglaterra, ele se depara com uma situação peculiar, material que pode render uma boa matéria sensacionalista, algo pequeno que vai ganhando proporções cada vez maiores e se tornando uma polêmica global. Certo dia, enquanto voltava de uma investigação pela estrada, rumo ao hotel onde se encontra hospedado, ele se depara com uma jovem aparentemente perdida. Desfocado no volante, ele quase a atropela. Não demora a descobrir que ela é Alice (Cricket Brown), uma menina surda, sensível e órfã, figura que nunca expressou uma palavra sequer, por também ser muda, mas que naquela misteriosa noite, parecia falar com alguém ou algo. Levada após um desmaio, a garota começa a falar do nada, deixando todos que gravitam em torno de seu cotidiano boquiabertos. Em seu relato, Alice afirma que recebeu uma visita da Virgem Maria, entidade estimada no catolicismo. Não demora, a jovem começa a operar milagres e caberá ao jornalista desvendar os segredos por detrás dos acontecimentos que começam a demonstrar um lado indesejável, com mortes inesperadas e outros inconvenientes.

O que estará por detrás da visão de Alice? Será que a entidade que se apossa da garota para operar milagres na verdade é uma presença maligna? São esses os questionamentos preambulares, respondidos logo de cara neste filme com cenas de ação pouco intensas, diálogos esquemáticos, desenvolvimento de vários clichês do gênero e abordagem crítica sobre a Igreja Católica, instituição que aqui, tal como na maioria dos filmes do tipo, é apresentada como um território de corrupção e outros comportamentos questionáveis. Assim, ao longo de seus 99 minutos, Rogai Por Nós traz os habituais objetos sagrados em simbiose com traços do profano, com a imagem da santa que chora sangue, as cruzes em chamas, os padres corrompidos ou com falhas de conduta e o infame excesso de jumpscare. Construídos pelo design de produção de Felicity Abbott, os espaços contemplados pelos elementos mencionados ganham a iluminação da direção de fotografia de Craig Wrobleski, setor que se destaca neste ponto, mas se apresenta com muita pouca ousadia, sendo incapaz de salvar as falhas dramáticas com um festival de imagens estonteantes para nos compensar. Com subaproveitamento do design de som de Kassi Asgar, a produção também apresenta uma trilha sonora pouco inspirada de Joseph Bishara.

Ademais, os efeitos visuais supervisionados pela equipe de Jon Camphens também não encontram espaço para brilhar, pois a maioria das passagens do filme são mornas, até mesmo os trechos onde há um horripilante incêndio ameaçador de vidas. Inspirado pelo romance de James Herbert publicado nos anos 1980, o cineasta Evan Spiliotopoulos assume um trabalho mediano na direção, pouco inspirado, além de cometer deslizes dramáticos no texto que também é de sua autoria. Jeffrey Dean Morgan, como protagonista, parece conduzido por um desempenho automático, sem o vigor que geralmente encontramos em seus personagens, numa saga de horror e heresia que irritou bastante alguns representantes do catolicismo, algo que podemos ver num artigo publicado nos Estados Unidos na ocasião de lançamento do filme. A reflexão diz que Hollywood adora apresentar clichês sobre a instituição e abordar padres corruptos, facilmente dominados e frouxos. Um questionamento interessante é sobre a impossibilidade da presença maligna se apossar do espaço eucarístico que é uma igreja, o Templo de Deus. Salvaguardado o ponto de vista da leitura religiosa e na base do contraponto, faltou para o padre que assina o texto a compreensão acerca da condição ficcional de Rogai Por Nós. Certas exigências são demasiadamente fora dos propósitos quando estamos lidando com a liberdade artística. Ah, Sam Raimi assumiu a produção, mas contemplamos muito pouco da “marca” desse mestre do terror no desenvolvimento do projeto.

Rogai Por Nós (The Unholy, Estados Unidos, 2021)
Direção: Evan Spiliotopoulos
Roteiro: Evan Spiliotopoulos, James Hebert
Elenco: Jeffrey Dean Morgan, Katie Aselton, William Sadler, Cricket Brown, Diogo Morgado, eCary Elwes
Duração: 98 min.

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