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Crítica | Roman J. Israel, Esq.

por Ritter Fan
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Existem diversos filmes de estudo de personagens que passam a exata impressão de que o papel foi concebido para aquele determinado ator. É assim com Tom Hanks em Forrest Gump, com Dustin Hoffman em Rain Man, Robert de Niro em Taxi Driver e Touro Indomável, Daniel Day-Lewis em Sangue Negro (e em praticamente toda a filmografia do ator, diria) e vários, vários outros. São papeis que, como se costuma dizer, foram construídos tim tim por tim tim para levar a estatueta do Oscar e que sem dúvida a merecem e muito mais.

No entanto, filmes que substancialmente revolvem em volta de personagens do naipe dos que citei também precisam ser mais do que vitrines para eles para que realmente tenha a performance realçada e trazida para a luz da imortalidade, para o panteão dos grandes papeis da Sétima Arte. As obras precisam ter voz e vida próprias, indo além de seu personagem, mesmo que o tenha como força motriz. Roman J. Israel, Esq. talvez pudesse ser resumido como um estudo de personagem que, porém, falha fragorosamente em ser um filme que vai além disso, que nos apresente elementos que o destaque em meio a tantos outros.

O personagem título, vivido pelo sempre excelente Denzel Washington, é um brilhante advogado (não o brilhante seguro de si e arrogante de Thurgood Marshall em Marshall, o outro filme com um advogado negro militante que concorre ao Oscar 2018) que passou toda a sua carreira defendendo clientes sem jamais mostrar seu rosto para o mundo. Ele era o cérebro de uma operação de apenas dois homens, com seu sócio e parceiro sendo aquele que aparecia no tribunal e conversava com os clientes. Mas tudo vem por água abaixo quando, nos minutos iniciais, esse seu sócio tem um ataque cardíaco e fica impossibilitado de advogar, falecendo não muito  tempo depois (tudo off camera). Perdido em um mundo em que não se encaixa – Roman é estranho, socialmente “inadequado”, cheio de manias e com uma advocacia militante utópica – ele acaba sendo relutantemente absorvido pelo escritório de George Pierce (Colin Farrell) o típico advogado “tubarão” que só vê cifrões quando está diante de clientes, o que, lógico gera imediato conflito com a prática quase pro bono de Roman.

Dan Gilroy, responsável pelo excelente O Abutre, dirige e roteiriza o filme e emprega uma grande parte do tempo de projeção para estabelecer a personalidade de Roman. É nesse mais de um terço de filme (diria talvez até a metade) que não é particularmente curto, que Denzel Washington tem seu espaço para brilhar nessa delicada construção de personagem que começa afastado de tudo e de todos, praticamente uma ilha em meio ao selvagem mundo jurídico moderno, mas que, aos poucos, vai abrindo espaço para a vida como ela é e não como ele acha que deveria ser. Ele começa um hesitante relacionamento platônico com a advogada ativista de direitos civis Maya Alston (Carmen Ejogo) e mantém uma contenciosa amizade com Pierce ao longo de quase uma hora de projeção que não nos deixa sequer entrever o objetivo de Gilroy além de permitir uma performance diferente e oscarizável para Washington.

Quando o caldo começa a engrossar, o filme perde o fio da meada e ingressa em imbróglios que o levam à seara do thriller de ação e que começam a perverter a essência da narrativa até esse momento. É como ver duas obras, uma que começa a tomar forma e outra que destrói o pouco que foi construído. Talvez um dos problemas principais é que o diretor e roteirista estabelece, nos segundos iniciais, que toda a ação se passará ao longo de apenas três semanas. Em outras palavras, ele nos pede para acreditar em todas as mudanças de personalidade por que Roman passa em apenas nesse curto espaço de tempo. E, pior, ele faz com que todos os personagens que orbitam o principal também passem por grandes mudanças nesse mesmo período, algo que fica artificial demais especialmente em relação ao advogado 100% voltado ao dinheiro que o roteiro faz de George Pierce.

E não falo aqui de mudanças comportamentais apenas. Ver Roman se abrindo ao mundo “normal” faz parte do processo e, francamente, é algo mais do que esperado. Mas as alterações são mais profundas, envolvendo guinadas morais que não fazem absolutamente sentido algum, pelo menos não no tempo do filme. É como se Gilroy tivesse comprimido anos em dias, dias em horas e assim por diante e isso depois de ser muito cuidadoso em erigir um Roman J. Israel complexo e multifacetado.

Com isso, a narrativa perde em coesão e eficiência e o tempo de duração do filme passa a ser sentido, funcionando como um âncora daquelas que são pesadas demais para serem içadas. Quando o “segundo filme” começa, o espectador já está cansado e esperando que a odisseia em super-velocidade de Roman acabe, até porque seu fim – seja ele qual for – nem interessa mais muito diante da maleabilidade implausível de sua personalidade.

Roman J. Israel, Esq., nome e título incansavelmente repetidos por Roman ao longo de mais de duas horas, é uma tentativa de gerar simpatia por um personagem que está perdido como os seis personagens que buscam o autor no Teatro do Absurdo de Pirandello. Uma performance certamente com potencial, mas que quase desaparece debaixo de um roteiro que não sabe o que quer ser.

Roman J. Israel, Esq. (EUA – 2017)
Direção: Dan Gilroy
Roteiro: Dan Gilroy
Elenco: Denzel Washington, Colin Farrell, Carmen Ejogo, Lynda Gravatt, Amanda Warren, Hugo Armstrong, Sam Gilroy, Tony Plana, DeRon Horton, Amari Cheatom
Duração: 122 min.

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