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Crítica | Round 6 – 3ª Temporada

O fim...?

por Kevin Rick
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Três temporadas depois, Round 6 chega ao seu ponto final com mais cicatrizes do que glórias, mas também com a coragem de dobrar as próprias apostas narrativas. A série sul-coreana criada por Hwang Dong-Hyuk, que começou como uma alegoria social explosiva sobre a brutalidade do capitalismo tardio, termina como uma mistura de distopia emocional, thriller de conspiração e metacomentário sobre o próprio sucesso da franquia. Embora o resultado seja irregular, esta terceira temporada é mais uma vez ambiciosa e, por vezes, a mais honesta naquilo que quer ser: não mais um espelho do sistema, mas uma reação direta contra ele, apesar de muitas críticas ficarem na superfície.

A história retoma imediatamente os acontecimentos da temporada anterior, com Seong Gi-hun (Lee Jung-jae) consolidado como agente infiltrado e opositor ativo do sistema de jogos. A estrutura do novo arco busca focar menos na progressão dos jogos e mais na dinâmica por trás deles: conselheiros, operadores, funcionários que se rebelam, compradores silenciosos e os mecanismos de produção da violência como espetáculo, além da investigação de Hwang Jun-ho (Wi Ha-joon) que mais uma vez consome boa porção da trama. Esse deslocamento do foco principal é arriscado e com graus variados de qualidade, mas o conceito é interessante. A pergunta não é mais quem vai vencer o próximo jogo, mas se os jogos em si podem ser desmontados por dentro, alterando mais uma vez a tensão dramática, apesar da estrutura narrativa similar.

Infelizmente, não penso que esse lado narrativo político é desenvolvido a contento. O grupo de ricaços que desfrutam dos jogos são extremamente artificiais, quase robóticos (tenho a impressão que até a forma como eles falam inglês soa estranha). Uma possível leitura é de que isso é proposital, com donos do mundo “sem face” que controlam tudo pelas sombras, mas falta personalidade e profundidade na concepção desses personagens, que muitas das vezes apenas aparecem em tela para despejar de maneira expositiva alguma crítica política-social frágil ou então apenas para nos relembrar do porquê os jogos existem. A falta de consequência para o grupo é um ponto interessante de ser analisado, mas também esquecido ao final da temporada.

A parte visual continua estilizada, com direção de arte exuberante, paletas de cores calculadas e cenários que exploram tanto o surrealismo infantil dos jogos quanto a arquitetura opressiva dos bastidores corporativos (o CGI vacila em certos momentos, como no jogo de pular a corda, mas de maneira geral é competente). Se na primeira temporada o destaque visual era o contraste entre o lúdico e o macabro, aqui o tom é mais sóbrio, quase paranoico. As salas de reuniões substituem os parquinhos multicoloridos, temos um jogo inteiro em ambientes fechados e claustrofóbicos, e o peso de algumas cenas (o suicídio de uma determinada personagem, o sacrifício de uma mãe) gritam mais do que qualquer explosão de sangue. Infelizmente, ainda percebo que a série pesa mais na violência gráfica e menos no drama, em uma falta de evolução temática.

Os jogos mais uma vez são reposicionados. Há um episódio inteiro — o quarto — que remonta ao espírito do primeiro ano, com um desafio físico simples transformado em massacre psicológico. Esse episódio, inclusive, é talvez o mais impactante da temporada, junto ali do jogo de esconde-esconde que revela a natureza sombria de diversos personagens. É quando a temporada lembra o espectador do que está em jogo que a série volta a brilhar: o valor da vida humana reduzido a estatística e performance. O problema é que esses momentos são pontuais. A maior parte da temporada está mais preocupada em amarrar pontas soltas, explicar os bastidores, preparar o clímax do confronto entre Gi-hun e Hwang In-ho (Lee Byung-Hun) e, ao final, estabelecer o futuro da franquia.

O embate entre os dois é o centro moral da temporada. Ambos são sobreviventes do sistema, mas em lados opostos da ideologia. Gi-hun ainda acredita que pode mudar as coisas. Hwang In-ho representa o niilismo institucionalizado, aquele que já se convenceu de que não há saída, fazendo a gestão do caos. Suas conversas, por vezes filosóficas, por vezes cruéis, são os melhores momentos de atuação da temporada, com Lee Byung-Hun roubando cena com olhares, pausas e monólogos gelados. A série claramente tenta fazer dele mais do que um vilão caricatural, o que é bem-vindo, ainda que algumas de suas ações no roteiro dependam de conveniências dramáticas e seu tempo de tela seja menor do que eu gostaria.

O principal problema da temporada, porém, está na construção do desfecho. A série prepara tanto o tabuleiro que, quando finalmente entrega o xeque-mate, o movimento é menos impactante do que poderia. O episódio final opta por um clímax mais simbólico do que profundo. Há um encerramento que é coerente com a lógica da série, mas não achei tão catártico quanto a produção parece querer entregar. O criador parece mais interessado em passar uma mensagem amarga sobre o herói que recusa o conformismo do que em entregar recompensas narrativas devidamente especiais. Ainda assim, a temporada é eficiente em retomar e concluir os grandes temas da obra: a desumanização promovida pelo capital, o espetáculo como controle social e o dilema da resistência dentro do próprio sistema.

Hwang Dong-Hyuk fecha a série com a consciência de que não se pode destruir um jogo sem jogar até o fim, entregando uma conclusão melancólica e incômoda, apesar de anticlimática. O caminho até esse final deixa muito a desejar. No balanço final, a terceira temporada não é a mais divertida, com mais problemas na criatividade por trás dos jogos, nem a mais emocional, com problemas de ritmo e na construção de alguns personagens e de tramas paralelas que incham a história apenas para se confirmarem como barrigas para o futuro da franquia. Para quem vê na série apenas um entretenimento brutal com roupagem pop, é mais um ano que entrega um trabalho competente, mas é perceptível como o roteiro tem dificuldade de encontrar novas justificativas para a existência dessa continuação, que, ironicamente, termina com um teaser de que essa franquia ainda vai render muito ao capitalismo.

Round 6 (오징어 게임 | Squid Game) – 3ª Temporada | Coréia do Sul, 27 de junho de 2025
Criação: Hwang Dong-Hyuk
Direção: Hwang Dong-Hyuk
Roteiro: Hwang Dong-Hyuk
Elenco: Lee Jung-jae, Lee Byung-hun, Im Si-wan, Kang Ha-neul, Wi Ha-joon, Park Gyu-young, Lee Jin-wook, Park Sung-hoon, Yang Dong-geun, Kang Ae-shim, Jo Yu-ri
Duração: 366 min. (06 episódios)

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