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Crítica | RRR: Revolta, Rebelião, Revolução

Tudo o que o cinema popular pode oferecer.

por Fernando Campos
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Na última lista da revista Sight and Sound de melhores filmes de todos os tempos, o cineasta S. S. Rajamouli colocou dois filmes de Mel Gibson em seu ranking pessoal, divulgado pela publicação. Os longas escolhidos por ele foram: Apocalypto e Coração Valente. Ao assistir RRR (Revolta, Rebelião, Revolução), fica claro como Rajamouli não só admira o colega, como adota a obra do americano como uma importante fonte de inspiração. Assim como nos filmes de Gibson, o cineasta promove em RRR personagens maiores do que eles mesmos, representando ideias e movimentos, atingindo esse status ao passar por um processo de guerra e dor. Para Gibson e Rajamouli, a violência sofrida e observada por seus personagens servem como ferramenta de amadurecimento, ultrapassando as dores mundanas e atingindo um status de ícone dentro de seus universos.

O filme é ambientado na Índia pré-independência, mostrando Bheem (N. T. Rama Rao Jr.), um guerreiro camponês corajoso, em uma missão perigosa. Ele busca resgatar uma criança de seu povoado que foi sequestrada por ingleses. Porém, ele encontra no caminho Alluri (Ram Charan), um policial que possui interesses conflitantes com o dele, mas acabam criando uma amizade a partir disso.  

Ainda sobre as similaridades de Rajamouli e Gibson, perceba como até mesmo a cena de dança de RRR envolve resistência. Vemos em plano geral diversos ingleses caindo exaustos no chão com cãibras, enquanto os protagonistas resistem à dor e ao cansaço. Em meio a momentos de diferentes tons, o que conecta a narrativa no longa são as provações vividas pelos protagonistas No entanto, o indiano se diferencia do americano ao elevar esse conceito a patamares quase fantasiosos, criando uma experiência mais voltada para o encantamento. Quanto maior a provação dos personagens, mais fortes eles ficam próximo do clímax, beirando a superpoderes no final. Mas o que poderia soar exagerado, consegue ser perfeitamente orquestrado pelo diretor, que insere elementos de fantasia e religião no filme para nos fazer crer que Bheem e Alluri realmente podem transcender a própria humanidade deles, como se fossem destinados um ao outro e ao que se tornaram.

Por isso, soam equivocadas avaliações sobre RRR, até mesmo as positivas, que colocam a obra como brega ou de narrativa simples. Os diálogos sim são expositivos, mas na questão de construção de arco de personagens, como cada protagonista adquire características do parceiro e amadurece a partir disso, existe uma elegância e eficiência raríssima no cinema de apelo mais popular atualmente, especialmente no mercado estadunidense. Aliás, somente figuras como Mel Gibson conseguem fazer isso atualmente nos Estados Unidos. 

Não há nada de simples no roteiro de RRR, pelo contrário, vemos uma obra de três horas que apresenta dois personagens densos, com características próprias bem estabelecidas e arcos de vingança dramáticos. Adotando a simbologia do fogo e da água de forma bastante lúdica, entendemos como Alluri é implacável e pragmático, enquanto Bheem possui mais empatia e serenidade. A partir disso, o texto une os dois arcos para que um adquira características do outro e partir disso alcancem seu maior potencial, uma espécie de imponência com ternura que permite que a dupla finalmente alcance o que busca. Tematicamente, a obra diz como em uma guerra não se pode abrir mão da força, vide a população sendo armada contra seus opressores, mas jamais perdendo a humanidade, se opondo aos colonizadores desumanos.

Mas o verdadeiro milagre de RRR está em como o diretor Rajamouli consegue pegar um roteiro com tanta substância, afinal de contas, são três horas de duração, e transformar em um filme extremamente divertido e envolvente. Ao invés de optar por uma edição dinâmica para desinchar a obra, opção que a maioria dos diretores comerciais adotariam, o indiano prefere adotar um trabalho de câmera bastante agressivo, inserindo dinamismo sem deixar que o filme caia num ritmo cansativo.  Além disso, ele insere com precisão diferentes elementos de gêneros de encantamento e divertimento, como musical, ação e romance.

São diversos os momentos com movimentos laterais de câmera, uso de steadicam, zoom-ins, dolly-ins, slow motion e planos aéreos. Aliado a isso, o realizador possui em mãos dois atores extremamente carismáticos e muito talentosos em realizar coreografias, seja de ação ou de dança. Ou seja, Rajamouli usa todas as armas que tem para criar um longa imersivo e dinâmico. Mais do que isso, cada cena, seja uma dança, uma corrida entre amigos ou uma luta, ganha ares especiais. Como se o destino dos dois protagonistas resultasse em um universo em que o gesto mais trivial receba ares épicos. 

Assim como a união improvável de água e fogo, de ternura com agressividade, o diretor S. S. Rajamouli consegue o inimaginável em RRR: aliar uma história de resistência, dor e violência a uma dinâmica divertida, criativa e envolvente. Se Rajamouli vê em Mel Gibson uma inspiração, ele começa a construir o próprio legado e se colocar como referência dentro do cinema de apelo popular.

RRR (Revolta, Rebelião, Revolução) – Índia, 2022
Direção: S. S. Rajamouli
Roteiro: S. S. Rajamouli
Elenco: N. T. Rama Rao Jr., Ram Charan,  Alia Bhatt, Ajay Devgn, Ray Stevenson, Alison Doody, Olivia Morris, Shriya Saran
Duração: 187 min.

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