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Crítica | Ruas de Fogo

por Ritter Fan
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Vou deixar uma coisa bem clara logo no início da presente crítica em prol da transparência: minha objetividade de crítico é seriamente ameaçada no que se refere a Ruas de Fogo. Eu simplesmente adoro esse filme desde a época em que eu o assistia incessantemente com amigos até hoje em dia. Fiquei até com receio de reassistí-lo para fins do texto a seguir, mas descobri que continuei amando-o igualmente.

Estão avisados? Então vamos lá.

Co-escrito e dirigido por Walter Hill, que tem curiosamente poucos filmes em sua cinematografia nessa cadeira, mas dentre eles os clássicos Os Selvagens da Noite, Cavalgada dos Proscritos e 48 Horas, Ruas de Fogo é justamente o que sua abertura diz que é: uma “fábula de rock ‘n roll” que se passa em “outro tempo e outro lugar”. E o que exatamente é isso, afinal de contas? A resposta é simples: Ruas de Fogo. Pareço um cachorro correndo atrás do rabo? Pode ser, mas a grande verdade é que essa obra de Hill é única em termos plásticos e musicais, uma espécie de criação atemporal que desafia e ao mesmo tempo abraça as convenções de um sem-número de outros filmes, inclusive de seu Os Selvagens da Noite em uma amálgama irresistível e que, arriscaria dizer, permanecerá na memória de qualquer um que assisti-lo.

Sua história é típica dos filmes de brucutu dos anos 80, com Ellen Aim (Diane Lane), famosa vocalista, sendo sequestrada por uma gangue de motoqueiros liderada por Raven (Willem Dafoe). Reva Cody (Deborah Van Valkenburgh), dona de um restaurante local, chama seu irmão Tom (Michael Paré), que já fora namorado de Ellen, para resgatá-la das mãos dos bandidos e, com isso, a estrutura de “valentão que vai aos poucos reunindo um grupo de desajustados para lidar com o problema” é descortinada e desenvolvida de maneira energética e ritmada tendo como pano de fundo excepcionais canções compostas para a fita como “Tonight Is What It Means to Be Young”, “Nowhere Fast”, “I Can Dream About You”, esta última tendo figurado no top 10 da Billboard de 1984, além de uma versão de “Sorcerer”, de Stevie Nicks.

A estética da produção é de se tirar o chapéu, com um design de produção que mistura o antigo e o novo em um conjunto harmônico e característico que funcionaria tanto em uma obra de época como em alguma passada em um futuro distópico. Filmado quase integralmente em estúdio, mas com cenários construídos fora de soundstages e cobertos artificialmente para permitir a impressão de noite mesmo durante o dia, a fotografia de Andrew Laszlo (Viagem Insólita, Rambo – Programado para Matar e Os Selvagens da Noite) privilegia o alto contraste de tendências noir e superfícies reflexivas e iluminação artificial que resvalam no cyberpunk. É algo que, juntamente com as canções, imediatamente prende a atenção do espectador, desnorteando-o da mesma maneira que o hipnotiza em uma atmosfera simultaneamente refrescante e sinistra que evoca efetivamente fábulas clássicas como as dos Irmãos Grimm.

Hill tem o controle total – e literal – desse ambiente estranho que sua imaginação fértil cria pelos esforços da equipe liderada por John Vallone (Jornada nas Estrelas: O Filme, O Predador, 48 Horas) e James Allen (Mulher Nota 1000, Scarface), o que lhe permite trabalhar de maneira muito eficiente o posicionamento de suas câmeras de forma a tirar o melhor de cada número musical organicamente inserido na narrativa e de cada sequência de ação, por mais que essas normalmente caminhem para o lado mais burocrático e “comum”. Mesmo assim, a montagem dinâmica de James Coblentz, Freeman A. Davies e Michael Ripps estabelece um ritmo invejável que nunca permite o esmorecimento e mantém uma velocidade acelerada constante sem, porém, confundir o espectador com cortes de milissegundos. É uma pegada definitivamente tão atemporal quanto toda a atmosfera criada.

O elenco é, porém, o ponto fraco de Ruas de Fogo. Michael Paré (o papel era para ter sido de Tom Cruise, mas ele já havia aceitado outro papel) é um dos piores atores que já singraram as telonas e sua apatia completa e absoluta falta de carisma não tem sequer um milésimo da pompa e da circunstância que a imagem de seu personagem durão, construída por meio de diálogos, deveria ter. Diane Lane, que concorreu ao Framboesa de Ouro por sua falta de atuação (injustiça, pois se alguém merecia concorrer era Paré), pelo menos compensa sua inexperiência com uma presença física forte de “dama em perigo” mesmo considerando que sua voz foi substituída nos números musicais pela combinação das vozes de Laurie Sargent e Holly Sherwood, creditadas conjuntamente como Fire, Inc.

Willem Dafoe, por seu turno, faz um dos mais divertidamente caricatos vilões de sua carreira, uma espécie de T-Bird vampiro cheio de caras e bocas pálidas e com cabelo lambido. Uma diversão, sem dúvida. Amy Madigan, vivendo a durona soldada McCoy e Rick Moranis como o inescrupuloso agente e namorado atual de Ellen Aim são os destaques por pelo menos trazerem carisma para personagens também estereotipados por uma fita que tem como verdadeiros protagonistas não as pessoas que transitam diante de nossos olhos, mas sim toda a atmosfera atemporal e as espetaculares canções que pontuam a narrativa.

Ruas de Fogo é, como disse, um fruto único de Walter Hill, uma verdadeira fábula de rock ‘n roll que desafia as décadas e sobrevive até os dias de hoje com a mesma energia que mostrou ter em seu lançamento. É, sem dúvida alguma, uma obra relativamente pouco vista e comentada, mas que dificilmente será esquecida por quem escolher aventurar-se por esse outro tempo e lugar.

Ruas de Fogo (Streets of Fire, EUA – 1984)
Direção: Walter Hill
Roteiro: Walter Hill, Larry Gross
Elenco: Michael Paré, Diane Lane, Rick Moranis, Amy Madigan, Willem Dafoe, Deborah Van Valkenburgh, Richard Lawson, Rick Rossovich, Bill Paxton, Lee Ving, Stoney Jackson,  Grand L. Bush, Robert Townsend, Mykelti Williamson, Elizabeth Daily
Duração: 93 min.

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