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Crítica | Rumo à Alegria (1950)

por Luiz Santiago
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Violoncelos e baixos devem soar como labaredas! É uma questão de felicidade, entendam. Não a felicidade expressa no sorrir ou a felicidade que diz: “Eu sou feliz”. Falo de uma felicidade tão grande, tão especial que está além dor e do desespero ilimitado. É uma felicidade além de toda a compreensão.

Maestro Sönderby (Victor Sjöström)

Tendo de certa forma destruído a vida conjugal em Sede de Paixões, Bergman fez de seu filme seguinte, Rumo à Alegria, uma jornada de dificuldades, separações e reconciliações de um casal, dinâmica que basicamente marca a maior parte dos relacionamentos. Existe, claro, toda a sorte de abusos dos homens em relação às mulheres (inclusive agressão que culmina com a vítima se culpando por ter sido agredida!) mas é fácil entender essa representação como um caráter de época — infelizmente ainda existente — e como parte da construção do relacionamento complicado entre Stig (Stig Olin) e Marta (Maj-Britt Nilsson), ambos os atores em ótimas interpretações. Cada vez mais à vontade na direção (desde Prisão isso foi ficando evidente), Bergman expunha situações sob sua ótica existencialista, valendo-se do verão como uma temática de realizações pessoais, futuramente revisitadas pelo diretor em Juventude e Mônica e o Desejo.

Encontrando-se inesperadamente, dois amigos de academia de música são contratados por uma orquestra e se aproximam, se apaixonam e se casam. O roteiro, escritor pelo próprio Bergman enquanto estava em uma tediosa temporada na França ao lado do amigo e ator Birger Malmsten (que faz um papel pequeno e provocativo neste filme), foi chamado muitas vezes de “ambíguo do início ao fim“, o que é realmente verdade e não se caracteriza um demérito para a obra. A relação entre o casal protagonista transita, de fato, entre a felicidade, a busca da felicidade e as muitas tristezas, com momentos infames em meio a discussões e conflitos de interesse. Mas isso não se assemelha a muitas realidades? A ambiguidade aqui é apenas parte da vida.

A constante busca anda lado a lado com a luta pelo respeito e convivência com o projeto de felicidade do outro. Cada sonho pessoal tem o potencial de ser barrado pelo sonho alheio e, a princípio, o grande problema é saber conviver e respeitar esses desejos. Stig tem o sonho de se tornar um solista. Ele acredita ser um talentoso violinista e ambiciona fazer turnês pelo mundo, caso tenha um bom destaque na orquestra onde trabalha. Marta tem o sonho de ser mãe, depois de já ter abortado um filho (notem que o tema volta à filmografia do diretor). O maestro Sönderby não concebe que músicos de sua orquestra tenham um relacionamento, pois isso atrapalha, segundo ele, o desempenho dos músicos e atrasa a orquestra. Ao longo do filme, porém, com as diferenças de opinião e a convivência entre esses personagens, os sonhos são adequados às novas situações ou substituídos por outros. Através da música, vemos os personagens de Rumo à Alegria (que no Brasil também ganhou o título de Rumo à Felicidade) serem guiados para um patamar de realização bem diferente daquele que tinham planejado.

Mas como sempre, não existem estados permanentes de emoção. Qualquer que seja. A felicidade, o descontentamento, o sucesso e a tragédia se alternam ao longo da obra, dividida em pequenos atos, infelizmente não muito bem conectados, destacando algumas estações do ano e, através da simbologia de cada uma delas e da fotografia com grandes explosões de luz pelas mãos de Gunnar Fischer, mostram como cada um dos personagens lidam com essas situações. Até os mais cínicos como Marcel (Birger Malmsten) são afetados pelas mudanças e, mesmo que não demonstrem grandes alterações de personalidade (afinal, nem todos amadurecem quando deveriam), são obrigados a viver diante das novas configurações da realidade à sua volta.

O tema central do longa ganha um imenso arcabouço de significados com a representação do Ode à Alegria, poema de Schiller cantado no 4º Movimento da 9ª Sinfonia de Beethoven. A peça se põe para Stig como lembrança da mulher amada, ensaiada aos olhos do filho, uma âncora de esperança e ao mesmo tempo de lembranças neste novo momento. Despindo-se cada vez mais através da direção de arte, o filme volta ao centro do problema e o diretor, às vezes sem jeito e às vezes de maneira muito bem feita, contrapõe Stig e seu violino ao restante da orquestra, fazendo-nos sentir a música, o poema cantado e a troca de olhares entre o jovem viúvo e o filho. Neste momento ele se dá conta de um caminho antes jamais considerado que lhe pudesse trazer alegria. A paternidade.

Bergman aglutina todas as principais emoções da obra em uma única sequência e nela faz o título ganhar um ar irônico e ao mesmo tempo realista, como uma busca que apresenta soluções jamais esperadas e nos leva exatamente para onde deveríamos estar. Os incontroláveis rumos à alegria que nos traz a vida.

Rumo à Alegria (Till glädje) — Suécia, 1950
Direção: Ingmar Bergman
Roteiro: Ingmar Bergman
Elenco: Maj-Britt Nilsson, Stig Olin, Birger Malmsten, John Ekman, Margit Carlqvist, Victor Sjöström, Staffan Axelsson, Astrid Bodin, Erland Josephson, Sif Ruud
Duração: 108 min.

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