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Crítica | Runaways – 1X05: Kingdom e 1X06: Metamorphosis

por Giba Hoffmann
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  • Há spoilers. Leiam as críticas dos demais episódios de Runaways, aqui.

Chegando ao meio de sua temporada de estreia composta por 10 episódios, Runaways tem especial sucesso na frente da caracterização do elenco principal, sem deixar de evoluir bem suas tramas – feitos consideráveis para uma série que introduziu um elenco tão vasto em tão pouco tempo. Do que tivemos aqui, o ritmo desacelerado, o foco nos personagens, o uso econômico das habilidades especiais de nossos heróis e a construção de um tabuleiro complexo com elementos bastante diversos faz lembrar um pouco a 1ª temporada de Heroes (e somente a 1ª temporada, que fique bem claro, bate na madeira!). Ou seja, a forma como o desfecho for trabalhado será definidora da eficácia do conjunto da obra. Por enquanto, a coisa parece encaminhar bem, ainda que não sem seus tropeços.

1X05 – Kingdom

Encerrando bem a primeira metade da temporada, Kingdom não apenas representa o primeiro e aguardado conflito dos Fugitivos como equipe (ainda que no uso apenas embrionário de seus poderes), mas se destaca principalmente como um episódio fortíssimo ao abordar a temática central da série: as relações entre pais e filhos. Nessas alturas já ficou claro ao público familizarizado com a série em quadrinhos que a rota que a produção da versão televisiva adotou para adaptá-la consiste em explorar melhor as minúcias das relações familiares dos adolescentes mediante a descoberta terrível da real natureza de seus pais. Certamente presente na versão original, este elemento é todavia expandido aqui de forma hábil na caracterização bem acertada de todo o (enorme) elenco de personagens.

Provavelmente reconhecendo que grande parte da força do quadrinho de Brian K. Vaughan está no carisma e backstory dos adolescentes, a adaptação televisiva tomou a arriscada decisão de trabalhar os vilões de forma tão detida quanto os próprios heróis – escolha que a essas alturas já prova dar frutos. O ritmo com que isso é posto em prática pode parecer lento, mas se prova eficiente na medida em que nos apresenta camadas da história de vida dos vilanescos pais e como elas se relacionam com a PRIDE e com as histórias pessoais de nossos protagonistas. Ainda que correndo o risco de deixar que os referidos pais em determinados momentos roubem um tanto a cena, o formato ajuda a revestir a história com nuances de caracterização bastante realistas que complementam perfeitamente o enredo do conflito geracional entre pais supervilões e filhos super-heróis, garantindo que não estamos diante de apenas mais uma história sobre adolescentes com super-poderes.

Essa dinâmica é bem explorada aqui através de dois núcleos centrais: o rapto de Alex Wilder (Rhenzy Feliz) e sua relação com o passado e o real caráter de seu pai Geoffrey (Ryan Sands), e a inusitada aproximação de Chase Stein (Gregg Sulkin) com seu pai Victor (James Marsters) em torno da construção das fistigons, projeto de arma experimental do jovem (quem nunca?). Via flashback, ficamos sabendo dos detalhes do acordo entre Geoffrey e Darius (DeVaughn Nixon) responsável pelo conflito entre os dois que fora apresentado em Rewind. Na prisão, acompanhamos o primeiro contato entre Geoffrey e sua advogada/futura esposa Catherine (Angel Parker) com a misteriosa figura por trás da igualmente enigmática escavação dos Wilder, ninguém menos que Victor Von Doom um daqueles caras misteriosos com muito dinheiro e poucas respostas, obviamente ligado de alguma forma à Igreja de Gibborim.

O flashback tem sucesso não apenas em nos informar a respeito da história pessoal dos Wilder e como eles vieram a se filiar à PRIDE, mas principalmente em facilitar o estabelecimento de um paralelo narrativo entre Geoffrey e Alex. Uma das coisas mais interessantes que a série tem feito é mostrar aos poucos como os Fugitivos lidam com a rejeição daquilo que eles trazem em si de seus próprios pais. A subtrama dos Wilder mostra um pouco o outro lado da moeda: não apenas o modo pragmatista de pensar herdado pelo filho, mas aquilo que Geoffrey tem da nobreza de Alex, e o caminho que o levou a sacrificá-la em nome do poder. Ao mesmo tempo, vemos um pouco da frieza calculista de Geoffrey e Catherine em Alex, não apenas no modo como ele lida com o sequestro, mas especialmente quando ele se prova capaz de atirar pelas costas em Andre (Nathan Davis Jr.). O conflito entre Alex e Geoffrey se baseia nesse jogo de identificação mútua, para o benefício de ambos personagens, nuançados para além da simples oposição entre vilão e herói.

O outro núcleo do capítulo trabalha igualmente bem essa mesma temática. Retratado até então quase que exclusivamente como um pai (e marido) abusivo, o maníaco Victor Stein apresenta um lado mais humanizado ao relembrar sua juventude ao lado do filho, lamentando ter perdido a inspiração ingênua que agora surpreendentemente lhe alegra ver em Chase. Assim como Alex, Chase também quer conciliar a imagem do pai com as descobertas recentes a respeito de quem ele realmente é, e as cenas entre os dois são eficientes em passar a tensão presente na desajeitada tentativa de reconexão entre pai e filho. No entanto, a atuação de Gregg Sulkin deixa a desejar um pouco, em especial contracenando com James Marsters no papel que ele nasceu para interpretar: um cara (muito) mau, mas que no fundo é um romântico incorrigível torturado por suas escolhas de vida. É um tanto quanto inconvincente a velocidade com que o par constrói as luvas (e, no final do episódio, uma TV que mostra o futuro – lol), mas isso provavelmente só atesta a qualidade das impressoras 3D da Nemo. Vai ver que é com elas que o Tony Stark fabrica tantas armaduras tão rápido assim…

Em paralelo à tensão das cenas do sequestro, temos algumas boas sequências cômicas com a desajeitada tentativa de resgate das garotas, com destaque para a sempre divertida dinâmica entre a importunação sem fim de Gert (Ariela Barer) e a diversão despreocupada e carismática de Molly (Allegra Acosta) – duas das personagens que foram melhor traduzidas para o live-action. De quebra, a subtrama do sequestro serve ainda para proporcionar a primeira cena de ação com o uso em conjunto dos poderes de alguns dos protagonistas com Molly finalmente conseguindo provar que possui de fato sua alegada superforça, silenciando os incrédulos com uma humilde levantada de carro à la Jessica Jones.

Conforme o conflito escala, temos a chance de ver Nico (Lyrica Okano) utilizando o cajado para criar um escudo protetivo contra balas, Karolina (Virginia Gardner) provando a utilidade de seus poderes e a participação ainda de Chase, que chega do nada (derrapando em um carro vindo direto da outra cena) para realizar um test-drive razoável de suas fistigons. Em termos de efeitos especiais a cena é bastante competente, ainda que a direção não impressione, em especial pela leve lentidão que tira um pouco o senso de urgência da situação. No entanto, não se trata de um distrativo suficiente para atrapalhar o aguardado momento, que nos deixa ansiosos por mais demonstrações do tipo no futuro – com as habilidades dos nossos heróis melhor desenvolvidas e contra inimigos mais à altura delas.

Geoffrey deixa bem claro seu alinhamento ao oferecer Andre para a PRIDE, enquanto que Alex questiona suas ações e sente o peso da culpa pelo que está para acontecer com o jovem. Com o lugar do sacrifício mudado, os Fugitivos não têm sucesso em confrontar o PRIDE, invadindo o porão da casa dos Wilder apenas para encontrá-lo vazio. Temos tempo ainda para acompanhar um sacrifício ad hoc – vai ver que acharam melhor conectar os sarcófagos via cabo, já que o sinal do wi-fi estava muito ruim – que finalmente restaura à normalidade o terrível homem ressecado, que se revela ser ninguém menos do que Victor Von Doom, o cara do flashback que queria comprar o terreno de Geoffrey, em um ótimo twist para encerrar o episódio mais forte da série até então.

1X06 – Metamorphosis

Após o dinâmico e envolvente capítulo anterior, Metamorphosis perde um pouco do momentum no desenvolvimento da trama, repetindo de forma vagarosa elementos de roteiro já bem explorados e desperdiçando a chance de um bom episódio de heist. Dando sequência ao plano dos adolescentes em expor a verdadeira face da PRIDE, o foco do capítulo encontra-se disperso entre os (pouco explorados, mas muito importantes) Dean e as relações amorosas: do lado dos vilões, a traição novelesca de Janet Stein (Ever Carradine) com Robert Minoru (James Yaegashi), e do lado dos heróis, o pentágono amoroso entre basicamente todos os personagens. Após um interessante flashback explorando o lado mais frágil e (relativamente) menos vilanesco da PRIDE, remontando ao primeiro sacrifício realizado por eles, somos conduzidos de volta a um terreno familiar demais onde pouco acontece.

Com o retorno de Jonah (Julian MacMahon) ficamos sabendo (bem pouco) mais sobre Leslie Dean (Annie Wersching) e sua misteriosa Igreja de Gibborim. A principal revelação é a de que Frank (Kip Pardue) não é o pai verdadeiro de Karolina, mas sim o próprio Jonah. O desgraçado ator porém nem mesmo suspeita disso, e nem sabe que escapou de ser o sacrifício da vez por pouco. Revoltado por não conseguir “atingir Ultra”, ele decide desistir da ideia de acompanhar a mulher em seu culto e dar uma virada em sua vida. Trata-se de um personagem bastante interessante por sua posição imprevisível no esquema geral das coisas, mas que pelo que foi sugerido na conversa com Jonah no final do episódio, corre o risco de ser desperdiçado. Acompanhamos também Karolina em sua completa revolta contra as mentiras em que consistem sua identidade, sua busca por liberdade bem alegorizada na cena em que ela finalmente descobre que pode voar. Mais sobre isso em instantes.

Temos alguns momentos de Nico e sua mãe Tina (Brittany Ishibashi), onde recebemos uma explicação para os poderes do cajado bastante divergente da dos quadrinhos. Não se tratando de mágica, na verdade o poder do artefato advém de pura tecnologia – “sem paralelos” – da própria Wizard. Como exatamente isso funciona e as origens dessa tecnologia ainda podem ser explorados, mas é interessante a forma como a série adapta um elemento central do original, onde Nico precisa oferecer sangue para poder usufruir de seus poderes. Aqui, trata-se de uma leitura de DNA – o que é ocasião para que Tina provoque a filha e retome o tema recorrente da série: “Aparentemente somos mais parecidas do que você gostaria de admitir”. É sempre interessante este ângulo sob o qual a série trabalha. Em Runaways, os heróis não apenas adquirem suas habilidade especiais ou poderes por conta do status de supervilões de seus pais – mas o fato de que suas habilidades são uma herança remete ao fato de que o “fugir de casa” representa aqui a rejeição interna que cada um se vê forçado a fazer daquilo que eles tem em comum com seus imorais progenitores.

O plano dos Fugitivos de invadir a sede da Wizard e copiar os vídeos incriminatórios passa um pouco ao largo dessas questões – mediante um questionamento simples de Molly, vemos que eles não se questionaram minimamente sobre o que a prisão de seus pais pode significar para eles. Porém, trata-se de um ato de compreensível desespero frente à situação absurda em que se encontram – e no fim das contas, eles são apenas adolescentes sem rumo. O que parece ser o maior ganho da ideia – a perspectiva de um divertido episódio de heist com nossos protagonistas utilizando-se de suas habilidades e poderes para infiltrarem-se na Wizard em plena noite de gala da PRIDE – acaba desperdiçado em favor de um roteiro um tanto arrastado e que opta por enfatizar as relações amorosas entre os personagens. É compreensível a centralidade do romance dada a proposta e o estilo da série, mas a forma vagarosa com que esses temas se oferecem aqui, ainda mais logo após um episódio tão movimento quanto Kingdom, acabam por minar a materialidade das ameaças que nossos protagonistas enfrentam no decorrer do capítulo.

Claro que temos nossa infiltração, com Alex, Nico e Gert trabalhando em conjunto para ter acesso aos servidores extremamente seguros da empresa dos Minoru. Porém, o plano dos jovens em nenhum momento empolga o suficiente e, pior do que isso, não há o menor senso de urgência na coisa toda, algo obrigatório para uma trama do tipo. Mais do que o próprio roteiro, as escolhas de direção parecem contribuir para essa limitação. Não temos uma sequência minimamente desenvolvida ou sequer interessante de ação furtiva, e a jornada não apresenta obstáculos desafiadores que exigem um bom uso das habilidades – nem mesmo da sorte – por parte de nossos protagonistas. Pelo quanto a segurança da empresa é supervalorizada nos diálogos, a coisa toda acaba sendo bastante linear e monótona. A distração de Gert sobre os seguranças rende alguns momentos engraçados, mas não é o suficiente para que a manobra seja convincente. Optar pelo uso da comédia na cena em que Tina, chocada pelas revelações a respeito do marido, dirige-se ao escritório, embora seja eficiente em divertir, joga pra longe qualquer senso de perigo iminente, em especial pela atitude despreocupada que Gert inexplicavelmente adota, mesmo com tudo que está em jogo caso os amigos sejam descobertos.

Toda essa conjuntura não favorece a cena em que Karolina acaba descobrindo acidentalmente seu poder de vôo. De maneira geral, o comportamento de Karol e Chase soa bastante deslocado dada a situação atual. A troca de farpas entre Karol e Gert, que formam um desinteressante triângulo amoroso em torno de Chase (que na verdade é apenas parte de uma figura geométrica bem mais complexa em torno de praticamente todos os adolescentes do elenco), não apenas não convencem como não ajudam em nada na caracterização de nenhum dos envolvidos. Por outro lado, a tensão romântica entre Karol e Nico é muito bem interpretada na sequência em que elas se arrumam para o baile de gala, sugerindo que talvez seja novamente Chase o vínculo fraco na história toda. A forma como a jovem acaba quase caindo da cobertura do arranha-céu é um tanto quanto absurda, e visualmente o efeito utilizado é estranho, lembrando mais uma suspensão congelada no ar do que um vôo ou flutuação. Pelo menos os efeitos de seu brilho permanecem muito bem realizados, e temos uma bela tomada no nível do chão mostrando a jovem suspensa no alto do prédio, com ajuda de uma trilha sonora sempre acertada. Representando a metamorfose de Karol, aceitando-se cada vez mais como realmente é e não como Leslie ou o culto sempre quiseram que fosse, a sequência acaba soando um pouco fora de lugar no estado atual das coisas, mas não deixa de marcar um momento de desenvolvimento significativo para a personagem.

Se a infiltração na Wizard, as intrigas românticas e a simultânea auto-descoberta de Karol não pareciam o suficiente para preencher o episódio, os roteiristas ainda dão conta de inserir o desfecho da subtrama do affair entre Janet e Robert. Sofrendo com os efeitos de seu tumor cerebral, nosso desgostoso Elon Musk do mal, Victor Stein, aproveita de seu tempo no microfone do evento para lançar na cara da sociedade suas infelizes descobertas a respeito da esposa. Embora ainda estejamos pra ver as consequências plenas deste ato, não deixa de ser um encaminhamento um tanto anti-climático para a situação. Até então muito bem retratado como um exímio canalha, as revelações de que Victor stalkeava a mulher em suas puladas de cerca pareciam sugerir algum tipo de retalhação mais ardilosa, ao nível da perversidade que o personagem havia mostrado até então. Não ajuda o fato de que o que segue é uma surpreendente intervenção de Jonah, que utiliza-se de um soro misterioso para aparentemente curar Victor (!).

Embora tenha sido ocasião para intrigas amorosas das mais variadas, muita comédia e até mesmo para a cura de um câncer de cérebro, o que acabou faltando no baile de gala da Wizard é um roteiro menos disperso e um ritmo mais dinâmico capaz de envolver o espectador com os desafios que se impõem sobre nossos protagonistas. Metamorphosis não deixa de entreter, mas acaba sendo um tanto redundante em termos de desenvolvimento de personagens e roteiro, deixando esfriar um pouco do conflito entre os adolescentes e a PRIDE que vinha escalando de forma lenta, porém certeira até aqui.

Runaways – 1X05: Kingdom e 1X06: Metamorphosis — EUA, 5 de dezembro de 2017 (1X05), 12 de dezembro de 2017 (1X06)
Criação: 
Josh Schwartz, Stephanie Savage
Showrunner: Josh Schwartz, Stephanie Savage
Direção: Jeffrey W. Byrd (1X05), Patrick Norris (1X06)
Roteiro: Rodney Barnes (1X05), Michael Vukadinovich (1X05), Kalinda Vazquez (1X06)
Elenco: Rhenzy Feliz, Lyrica Okano, Ariela Barer, Cris D’Annunzio, Cody Mayo, Virginia Gardner, Gregg Sulkin, Allegra Acosta, Angel Parker, Ryan Sands, Annie Wersching, Kip Pardue, Ever Carradine, James Marsters, Brigid Brannagh, Kevin Weisman, Brittany Ishibashi, James Yaegashi, Julian McMahon, DeVaughn Nixon, Nathan Davis Jr.
Duração: 45 min. (cada)

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