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Crítica | Saga – Volume Cinco

Em uma guerra, ninguém é inocente.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais volumes.

Com mais uma elipse temporal que afasta o começo do quinto arco da série do final do quarto, mas com o razoavelmente desequilibrado Dengo ainda controlando a árvore foguete e mantendo Alana, Klara e principalmente Hazel – além do filho de Príncipe Robô IV – em cativeiro, Brian K. Vaughan e Fiona Staples criam uma história claustrofóbica e agoniante que deixa todas as possibilidades abertas no tabuleiro de Saga. Afinal, o sequestro de crianças, por si só, já é um assunto pesado, especialmente depois de os autores trabalharem o tráfico de crianças usando Sophie como trágica representante dessa atrocidade.

A separação em núcleos bem marcados é o grande destaque do arco, com o de Dengo sendo o que comanda a narrativa em razão de o robô revoltoso ter contatado a Última Revolução, grupo que tenta acabar com a guerra entre Landfall e Wreath para oferecer Hazel como um “bem valioso”. É aqui, mais do que em qualquer outro núcleo, que a sensação de que qualquer coisa pode acontecer é mais sensível, até porque o que Vaughan quer realmente fazer é explorar a hipocrisia até mesmo dos revolucionários, daqueles que até podem ter um objetivo nobre, mas que, para alcançá-lo, são capazes de absolutamente tudo, inclusive usar uma criança como moeda de troca.

No final das contas, de todos ali, com exceção, lógico, de Alana e Klara, Dengo é o único que mantém sua ética intacta. Sim, ele chacinou diversas pessoas para sequestrar o pequeno príncipe, inclusive inocentes trabalhadores do palácio real, mas o mínimo que se pode dizer dele é que ele tem princípios. Podem não ser os mesmos que nós compartilhamos, mas o personagem muito claramente tem uma visão e ele não se desvia dela, tanto que acaba sendo ele quem, influenciado por Alana, acaba enxergando a verdade e faz de tudo para acabar com os revolucionários antes que Hazel seja levada, só errando ao subestimar Klara.

No segundo núcleo, formado por Príncipe Robô IV, Marko e o diminuto homem-foca Ghüs, o estudo de personagem fica quase que integralmente em cima de Marko, ainda sofrendo pelo ato de violência contra sua amada Alana. Tenho certeza que muita gente – muita gente mesmo – deve ter achado uma bobagem Alana ter ficado furiosa com Marko arremessando uma sacola de compras nela em um momento de fúria, mas Vaughan foi brilhante ao criar as circunstâncias para discutir a violência doméstica justamente sob esse viés de “ah, é bobagem”. Afinal, o que Vaughan quer dizer não é que o arremesso da sacola em si foi um ato reprovável fora de contexto, mas sim que ele – ou qualquer ato assim, que parece ser “menor”, “inofensivo” – é uma demonstração do que o homem pode ser capaz de fazer com uma mulher. Troquem a sacola de compras por um… extintor de incêndio. No momento de raiva extrema, será que Marko não teria arremessado esse objeto em Alana? Será que, se ele estivesse de mãos vazias, não teria socado sua esposa? Esqueçam que ela é uma soldada, pois esse não é o ponto. O que interessa é que ela é uma mulher e que Marko, por seu turno, é alguém que já fora estabelecido como alguém afeito a esses ataques de raiva.

Portanto, esse lado da história aborda primordialmente esse aspecto, levando Marko a alguma expiação – ou pelo menos clareza – de seus pecados com a droga estragada que ele acaba tomando, o que nos permite enxergar seu passado e entender exatamente o que ele tanto teme e o porquê de Alana ter reagido como reagiu diante da “sacola de compras”. A capacidade de Vaughan em lidar com a intimidade de seus personagens e transformá-los em avatares do que acontece no cotidiano ao nosso redor é invejável, com Staples e seus maravilhosos traços fluidos e capacidade de criar mundo com facilidade convertendo as palavras do roteirista em um universo cada vez mais rico.

Finalmente, temos o terceiro núcleo, este composto por A Mácula, Gwendolyn, Sophie, Gata da Mentira e Doce Garoto em uma aventura à la O Senhor dos Anéis em Demimonde – que sensacional não só o nome como a aparência literal do planeta, não? – para obter esperma(!!!) de lagartos gigantescos que lá vivem para curar O Querer com um feitiço. Apesar da manutenção do tom de seriedade que normalmente permeia Saga, essa é a primeira vez em que vemos uma jornada de estrutura clássica, ainda que com um fim abrupto para A Mácula, que leva à cura de O Querer, mas, por outro lado, seu profundo pesar pela perda da irmã que pode alterar a dinâmica futura entre ele e suas companheiras humanoides e felinas.

Vaughan e Staples não conseguem errar com sua ópera espacial para adultos. Cada volume traz mais deslumbramento visual e narrativo e mais discussões sérias e profundas sobre a natureza humana. O cuidado com o roteiro que se preocupa em contar uma história precisa, mas, ao mesmo tempo, expandindo vertiginosamente esse universo, com uma narração de Hazel em futuro incerto e não sabido que dá pistas do que está para acontecer é cativante e arrebatador a cada página e a arte acompanha tudo em uma perfeita impressão de conjunto, revelando uma impressionante – e sobretudo rara – sinergia entre a dupla criativa. Outro grande triunfo na saga de Hazel e sua família!

Saga – Volume Cinco (Saga – Volume Five – EUA, 2015)
Contendo:
 Saga #25 a 30
Roteiro: Brian K. Vaughan
Arte: Fiona Staples
Letras: Fonografiks
Editora (nos EUA): Image Comics
Data original de publicação: fevereiro a julho de 2015
Editora (no Brasil): Editora Devir
Data de publicação no Brasil: junho de 2017
Páginas: 152

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