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Crítica | ‘Salem, de Stephen King

por Kevin Rick
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Em 1975, após o sucesso estrondoso de Carrie, a Estranha, Stephen King lançaria seu segundo livro, ‘Salem, originalmente publicado no Brasil como A Hora do Vampiro, e seguindo sua identidade artística célebre de romances de horror, o autor criou mais um clássico do gênero para a literatura. A narrativa acompanha os eventos sinistros de uma cidadezinha chamada Jerusalem’s Lot, ou simplesmente Salem’s Lot, ou até mesmo apenas Salem para os íntimos. Os macabros acontecimentos locais são resultados de ataques de seres mitológicos bebedores de sangue, também chamados de vampiros. E como toda boa trama vampiresca, temos o nosso amontoado de vítimas prontas para serem sugadas, nesse caso o município interiorano em sua totalidade. Dentre eles, estão Ben, um escritor amargurado, Susan, uma jovem apaixonada e curiosa, Matt Burke, um descrente professor do ensino médio, o temeroso padre Callahan, e um menino corajoso chamado Mark Petrie, que recebem a ingrata tarefa de salvar a cidade dos males noturnos.

Desde o início da obra literária, é notável a escolha e dedicação de King na criação de uma narrativa mais geral que Carrie, a Estranha, que tinha como enfoque a personagem titular com seu entorno preenchendo seu arco pessoal, mas, agora, utiliza Salem como ambientação, simbologia temática e um personagem mesmo, diria até que o mais próximo de um protagonista do livro, junto de Ben e Mark. Dessa forma, apesar de traçar muitos paralelos e semelhanças com sua estreia em romances, ‘Salem vai na contramão do mote personalíssimo de Carrie, manuseando a cidade homônima como uma entidade viva, representando os horrores reais e fantásticos, o âmago de uma escuridão enraizada na essência humana.

A construção de Salem como organismo misterioso e terrível começa no prólogo do livro, no qual Ben e Mark estão fugindo e encontram um jornal com uma manchete sobre a cidade-fantasma no Maine, descrevendo desaparecimentos, entrevistas de sobreviventes apavorados e eventos pra lá de atípicos no interior superficialmente imperturbado. E o terror da reação dos dois, elemento este magistralmente transposto ao longo da obra, começa lentamente a elaborar o suspense em torno da cidade. E King abre seu leque de artifícios macabros, manuseando o clima, ora chuvoso, ora taciturno, o tempo – a hora do vampiro – como uma corrida contra o prazo mortal, os semblantes e comportamentos pavorosos dos inocentes, e até mesmo a tremenda descrição de sons – adoro como ele expõe os gritos dos vampiros como algo ancestral, fúnebre e doente.

E a cartola magicamente sinistra do autor não para por aí, implementando vários contos locais nefastos sustentados por tramas contidas, sedimentando a principal característica de King na demonstração da malignidade humana concebida sob o olhar do fantástico, utilizando uma gama de temáticas perversas dos residentes de Jerusalem’s Lot, desde bullying (novamente), abuso infantil, corrupção, assassinato… E não apenas o lado ruim, pois o autor tira seu tempo nas vidas diárias dos personagens para caracterizar amor, misericórdia, fé, amizade e coragem. Elementos agradáveis proporcionados principalmente pelo grupo principal citado anteriormente, conforme somos apresentados ao romance de Ben e Susan, a crença do padre Callahan, e a descrença de Matt, assim como a amizade forjada pelo horror imposto à eles. Também é importante notar a quebra de inocência de Mark, em paralelo à Ben, no qual King é fenomenal em transcrever a maturidade antecipada pela bestialidade.

Aliás, falando dos monstros da história, Stephen pega o mito dos vampiros e injeta seu próprio estilo, entregando uma versão silenciosa e assustadora das criaturas, indo numa vertente mais fantasmagórica, no qual apresenta os antagonistas de modo enigmático, idílico e um tanto flertivo, romântico de todas as formas erradas. E a inserção deles na trama é uma muleta para o foco narrativo de “cidade misteriosa”, lembrando Dracula, de Bram Stoker, no sentido do papel vampiresco servir à ambientação, e não necessariamente ser o núcleo principal. A própria Casa Marsten, localidade posta como um monumento melancólico, derrotista e temível, recebe mais atenção do que Barlow, o vampiro-mestre, funcionando como o cerne maligno de Salem; o mausoléu que representa a entidade geral em si, misteriosa, vil e atrativa.

E essa construção sem pressa de Salem acaba atrapalhando a leitura. Ou é pelo menos o que eu pensava à medida que folheava as páginas. Não é como se a escrita sofresse de ritmo ou seja vagarosa, pelo contrário, a despeito do tamanho maior, King demonstra um controle rítmico bem melhor que em Carrie, a Estranha, lentamente navegando o leitor no clima vampiresco de suspense. A questão é que toda a obra se resigna a isso, uma elaboração da ambientação, que te mantém intrigado durante a leitura, contudo, é como se toda a experiência fosse anticlimática, no qual você fica esperando algo impactante. Até mesmo o ato final, respaldado por uma trama com mais ação, sustenta a aura de mistério pelo mistério. E, por fim, não vejo isso necessariamente como um problema, mas como uma escolha do autor em trabalhar a cidade em sua essência secretamente horripilante, e nisso, King tem êxito primoroso.

‘Salem é um livro que puxa muitos recursos habituais do autor, e, considerando que estamos falando do seu segundo livro, é uma das obras que estabeleceu métodos, perspicácias e convenções dele, e notando como ele divergiu e navegou em tantos gêneros diferentes, Salem representa um dos melhores suspenses clássicos de King. A experiência pode ser decepcionante partindo da perspectiva que citei de uma falta de ímpeto, caindo numa falta de clímax – eu, particularmente, acho que o final representa isso da pior forma possível -, todavia, pensando no que a obra se propõe a fazer, é um ótimo livro. Um romance sobre a atmosfera do horror.

‘Salem (‘Salem’s Lot) – Estados Unidos, 1975
Autor: Stephen King
Editora original: Doubleday
Data original de publicação: 17 de outubro de 1975
Editora no Brasil: Suma
Data de publicação no Brasil: 19 de abril de 2013
Tradução: Thelma Médici Nóbrega
Páginas: 460

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