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Crítica | Doctor Who: Salvação, de Steve Lyons

por Luiz Santiago
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Equipe: 1º Doutor, Steven, Dodo
Espaço: Wimbledon Common, Londres, Reino Unido / Nova York, EUA
Tempo: Março – Abril de 1965

Salvação é um livro cuja história se passa entre os arcos The Massacre e The Ark, estabelecendo, portanto, a primeira aventura de Dodo Chaplet ao lado do Doutor e Steven, além de dar um excelente e chocante pano de fundo para a garota e algumas informações importantes sobre a percepção de Steven a respeito do Time Lord com o quem viajava pelo Universo.

Nós sabemos que a dificuldade de relacionamento entre o Doutor e o companheiro foi bastante explorada no Universo expandido da série. Na linha do tempo do 1º Doutor percebemos que eles se separam por um tempo, depois da morte da assassina de Sara, ao término de The Daleks’ Master Plane que após diversas aventuras solo do Doutor, eles se reuniram para viver mais um momento complicado juntos (The Massacre), aventura que deixou Steven com mais raiva do Doutor e questionando se gostaria de passar mais tempo ao lado do velho resmungão.

Os impasses morais e éticos entre os dois personagens são retirados com perfeição daquilo que víamos na TV e aplicados por Steve Lyons aqui em Salvação com a vantagem de um maior espaço para explorá-las em um contexto de novidade para quase todos, especialmente para a novata que entrou desesperadamente na TARDIS em busca de ajuda da polícia após fugir de uma tentativa de estupro de um alien que assumiu o corpo de um velho vizinho. Confesso que eu não esperava nada nem remotamente tão chocante para a história de Dodo e este livro me ajudou a ver a personagem com outros olhos. Uma sucessão de tragédias, desde a morte de sua mãe até o convívio nada amigável com a tia-avó em Londres, o sequestro pelo alien e os eventos que a fazem fugir da casa onde era mantida prisioneira e entrar na TARDIS achando que era realmente uma cabine de polícia deram a ela a personalidade cuidadosa e ao mesmo tempo ansiosa por aventuras que conhecemos da TV.

Essa dualidade é um dos principais focos do livro e sem dúvida alguma, Dodo é a personagem mais bem escrita do volume. Aqui, o trio desembarca em Nova York, em 1965 — a nave se moveu no espaço, mas não no tempo, desde o seu status anterior — e em poucas páginas temos armado o principal circo: duas naves espaciais caíram na Terra e existem forças com interesses diferentes querendo informações sobre isso. O lado do Exército americano quer manter as coisas afastadas da opinião pública (aqui, destaca-se Charles Marchant). O outro, um grupo de grande mídia e mídia independente, quer vazar o máximo de infos possíveis sobre esses recém-chegados ao planeta, se é que eles realmente existem (e aqui destaca-se Kathy Marchant, que só faz esse serviço para irritar o pai. E também por discordar da política de “segredos de Estado” que ele adota a mando de sua pátria).

O título “Salvação” foi uma excelente escolha. Ele pode tanto ser aplicado aos eventos com Dodo nos dois capítulos iniciais, quanto aos deuses que caíram na Terra e que estão curando e convencendo pessoas de que estão aqui para trazer o bem e fazer com que todos sejam felizes. Neste grupo de aliens temos Dennis (Deus da Guerra), Jennifer (Deusa do Livre Amor), Joseph (Deus da Paz), Max (Deus do Materialismo — Lyons certamente não resistiu à piadinha econômico-filosófica aqui, subtraindo apenas um “r” do nome do ‘Deus’), Norman (Deus da Ordem) e O Patriarca, todos com um nível de convencimento grande, mas igualmente incapazes de impedir a influência da visão humana sobre suas próprias percepções. Seus poderes, como era de se esperar, ganham força se as pessoas realmente acreditarem que eles são capazes de fazer as maravilhas e danações que dizem poder fazer.

O livro se desenvolve à base de conflitos de percepção em diversos níveis e com diferentes atores sociais. Temos conflito de gerações, temos inúmeras visões do que é religião e seres poderosos ou divinos, temos tratamento diferente para com essas informações de maravilhas e milagres e, por fim, a difícil tarefa do dia que normalmente cai sobre o Doutor: que lado apoiar? Steven, para variar, escolhe inicialmente o lado oposto ao do Doutor, para depois se arrepender e tentar corrigir o erro. Ao longo da história, dos “deuses” aos humanos, vemos todos procurarem salvação, expiação de algum tipo de pecado ou erro cometido.

Os capítulos finais, destinados à resolução do problema, talvez forcem demais a barra, possivelmente influenciados pela boba passagem das pessoas para o “Paraíso” dos deuses, para onde Dodo vai, inclusive, vivendo por um momento em um mundo de contos de fadas e princesas, como ela sempre sonhara quando criança. Esse mundo, claro, é “contaminado” pelas muitas visões e desejos do que deveria ser o Paraíso para os humanos e a coisa toda dá errado, gerando pequenos núcleos que nos dispersam um pouco e talvez sobrecarregam algo que até o momento tinha um bom ritmo narrativo. Por mais que Lyons tentasse construir uma realidade mais complicada, talvez uma justificativa para a ação dos personagens, sua forma de condução nesse ponto não é plenamente sólida.

Intenso em seus dramas e um ótimo convite para se pensar variações do sagrado ou o que significa “ser salvo” em diversos contextos, esta obra é com certeza uma das mais maduras na linha das BBC Past Doctor Adventures que eu tive a oportunidade de ler. Mandou muito bem, senhor Steve Lyons!

Doctor Who: Salvação (Salvation) — Reino Unido, 4 de janeiro de 1999
BBC Past Doctor Adventures #18

Autor: Steve Lyons
Editora: BBC Books
274 páginas

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