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Crítica | Sandman – Teatro do Mistério: O Tarântula

Pulp fiction na DC Comics.

por Luiz Santiago
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A série Sandman – Teatro do Mistério surgiu como uma versão alternativa àquela do Sandman da Era de Ouro, Wesley Dodds, que apareceu pela primeira vez em The Sandman… at the World’s Fair, publicada em abril de 1939. Ou seja, por mais que possamos traçar este ou aquele paralelo com a continuidade padrão do Universo DC, Teatro do Mistério é, de fato, um retcon num contexto de narrativa paralela. Curiosamente, alguns elementos desta versão foram utilizados em aparições futuras de Dodds nos quadrinhos. Contudo, o fato de a concepção da presente série ser para maiores de 18 anos faz com que a ambientação, os personagens, seus hábitos, falas, desejos e o tipo de crimes cometidos ou investigados não sejam repetidos nas revistas de amplo público da DC… por motivos óbvios.

Matt Wagner concebe esse Universo com base em uma interessante pesquisa da sociedade e criminalidade estadunidenses nos anos 1930 e 1940, trazendo para os quadrinhos elementos da primeira grande fase das histórias de gângster (no presente caso, logo após o fim da Lei Seca) e homenageando os personagens Nick e Nora Charles do romance O Homem Magro (1934), de Dashiell Hammet. No entanto, o leitor encontrará aqui referências diretas ou indiretas a Seara Vermelha e A Estranha Maldição, do mesmo autor, além de todo o espírito das histórias com o detetive Philip Marlowe, personagem criado por Raymond Chandler em O Sono Eterno (1939). Considerando as fontes, as homenagens sociais e o encaminhamento dado para os crimes e o processo investigativo, O Tarântula ambienta um cenário diferente das histórias noir, embora eu entenda quem confunda ou aproxime as atmosferas e faça esse tipo de comparação.

O roteiro procura desenvolver aspectos da personalidade e da vida de Wesley Dodds, ao passo que mostra a coragem e a busca por liberdade de Dian Belmont, a filha bon vivant de um promotor. Ao longo dos atos, ela vai mudando de comportamento e sua relação com Dodds torna-se cada vez mais próxima. A emancipação feminina aparece aqui ao lado de crimes contra a mulher, uma boa jogada do roteiro. Embora a questão de gênero não seja uma motivação total para os crimes (o que os motiva, na verdade, é uma herança e a uma vingança), as vítimas são todas mulheres, o que não dá para simplesmente ignorar. Os crimes vão ficando cada vez mais sombrios, e me lembrou um pouco da linha de exposição e investigação de atos terríveis retratados em Antes de Watchmen: Minutemen, que se passa relativamente na mesma época, já na década de 1940.

Eu não sou exatamente um grande fã da arte de Guy Davis, mas devo dizer que este é o tipo de desenho com finalização suja e desproporções que combinam com aquilo que o cenário mostra. Ou seja, a atmosfera é perfeitamente capturada por esse tipo de arte, e mesmo que não me agrade em termos de conceito/representação, ao menos não é algo sem sentido dentro desse tipo de história. Já o roteiro de Matt Wagner prepara o leitor para algo muito mais intenso do que aquilo que entrega no final, quando resolve o caso. Mesmo antes da revelação dos culpados, sabíamos quem era pelo menos um dos vilões (O Tarântula) e a rede familiar de contatos, problemas e máscaras criminosas já tinham sido expostas vagarosamente. Há um pouco de confusão no trato de alguns personagens (especialmente os da polícia), porque o roteiro deixa de contextualizar muitas coisas e acaba confundindo o leitor. O mesmo vale para as estranhas cenas oníricas /surrealistas com a mulher de véu, que acaba sendo apenas uma piscadela sobre determinada personagem.

A burguesia de uma grande cidade dando suporte ao crime organizado é a linha que costura essa história, e isso não é nenhuma novidade, mesmo em nossos dias, não é mesmo? Em O Tarântula, essa situação — que me fez lembrar também de como os Mistérios do 87º Distrito, que se passam no mesmo período, mostram essas mesmas questões — é vista em um cenário onde um herói sem superpoderes assume a responsabilidade de resolver um caso. É uma boa história, no geral, apesar de sua revelação pouco marcante dos assassinos e do estilo mais reticente, meio epistolar, na forma como fala do Sandman.

Sandman – Teatro do Mistério: O Tarântula (Sandman Mystery Theatre: The Tarantula) — EUA, abril a julho de 1993
No Brasil:
Panini, outubro de 2014
Roteiro: Matt Wagner
Arte: Guy Davis
Arte-final: Guy Davis
Cores: David Hornung
Letras: John Costanza
Capas: Gavin Wilson, Richard Bruning
Editoria: Matt Wagner, Shelly Bond, Karen Berger
116 páginas

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