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Crítica | Santa Sangre (1989)

por Luiz Santiago
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Ao mesmo tempo em que é uma homenagem aos filmes de terror e aos dramas sobrenaturais e psicológicos (com um toque particularmente mexicano), Santa Sangre, de 1989, também funciona como um olhar de Alejandro Jodorowsky para a sua própria vida como artista e algo exagerado de sua relação com a mãe, o primeiro grande prenúncio em sua filmografia do que começaria a aparecer assumidamente em A Dança da Realidade (2013). Estamos falando de um coming of age trágico e simbólico, com a história se desenvolvendo em diferentes tempos, primeiro num flashback onde a semente de todos os males é plantada, depois, no presente movimentado e sanguinolento do protagonista, agora em sua vida adulta.

Como é comum nas películas de Jodorowsky, temos uma jornada de busca e pelo encontro consigo mesmo, mas numa esfera muitíssimo diferente do que vimos em suas obras anteriores. O roteiro, escrito pelo próprio diretor, em parceria com Roberto Leoni e Claudio Argento, dá o máximo de destaque para as transformações do personagem principal — tendo diversas pistas visuais como gatilho para travar-lhe e destravar-lhe a alma. Inicialmente conhecemos Fênix (Axel Jodorowsky) em um hospital psiquiátrico. Seu comportamento estranho nos chama a atenção e estabelece um status mental que servirá de grande marca narrativa ao longo da fita, especialmente no desenvolvimento de sua personalidade. Daí temos um corte que nos leva para o passado, onde o Fênix, ainda criança (Adan Jodorowsky), se encontra com a realidade do mundo e com as coisas que o marcariam para sempre.

Desde os primeiros momentos de Santa Sangre vemos o quanto o trabalho da figurinista Tolita Figueroa se ergue como um destaque imenso na fita. Se levarmos em conta todo o conteúdo psicológico posto em evidência nessa obra, é de se imaginar que o roteiro, sozinho, não daria conta de expor todas as informações e emoções necessárias, algo que os figurinos fazem aqui de uma maneira brilhante. Cores, modelos e evolução (ou permanências) do vestuário ao longo do filme dão dicas preciosas sobre o que é real e o que não é; sobre a personalidade do protagonista em constante transformação — ou em tentativas frustradas para se transformar — e sobre os estados de alegria e tristeza, de prisão ou liberdade de cada um. Quando entendemos a obsessão de Fênix pela mãe e o fato de que ele se recusa a crescer ou se separar da figura materna (tendo o início disso na cena de destruição da igreja da Santa Que Sangrou), muitas dessas escolhas passam a fazer imenso sentido.

Sexo e violência são as duas grandes referências que Fênix tem ao observar o abusivo e estranho relacionamento entre seus pais. O que se passa no decorrer de todo o filme — jornada que para um espectador desatento pode parecer um conjunto de nonsense, pelo menos até a revelação final — é o resultado traumático de sua psicose, com diversas referências que vão desde a formação circense (com elementos de O Monstro do Circo) até o sentimento de vazio e vontade de desaparecer, com literal e visual — além de muito bonita — referência a O Homem Invisível. Se presenciar a morte de um elefante e receber uma tatuagem quando criança foram os momentos de morte de sua inocência e rito de passagem para Fênix, concluímos que a cena tragédia com sua mãe coloca tudo a perder, e ele fica em um estado catatônico até o dia em que sai para assistir, com uns garotos do hospital, ao filme Robinson Crusoe (1970) e vê uma mulher tatuada, a peça feminina que destrava todo o ódio e perturbação do personagem, há muitos anos adormecidos.

Flertando com Psicose (1960) e também com o giallo (não nos esqueçamos que o co-roteirista e também produtor do filme é irmão de Dario Argento, um dos mestres do gênero e para quem Claudio produzira, até ali, longas como Prelúdio Para Matar, Suspiria e TenebreSanta Sangre é uma violenta e estilizada viagem por uma mente perturbada. Dessa vez, o encontro consigo mesmo e a busca por algo, em um filme de Jodorowsky, não levou a lugares exatamente místicos, mas o diretor soube brincar muito bem com essa ânsia pelo prazer e pela manutenção de uma mulher forte ao lado de um mirrado, mágico e edípico Orlac traumatizado.

Santa Sangre (Itália, México, 1989)
Direção: Alejandro Jodorowsky
Roteiro: Alejandro Jodorowsky, Roberto Leoni, Claudio Argento
Elenco: Axel Jodorowsky, Blanca Guerra, Guy Stockwell, Thelma Tixou, Sabrina Dennison, Adan Jodorowsky, Faviola Elenka Tapia, Teo Jodorowsky, Mary Aranza, Jesús Juárez, Sergio Bustamante
Duração: 123 min.

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