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Crítica | Sapatinho Vermelho e os Sete Anões

Ofuscado por um marketing grosseiro.

por Felipe Oliveira
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E se a Branca de Neve não fosse tão bonita e os 7 anões não fossem tão pequenos?” Frase curiosa e bastante chamativa para uma história conhecida, mas a mesma gerou polêmica em 2017 quando, durante o Festival de Cannes, um cartaz promocional de Red Shoes and the Seven Dwarfs fazia uma contraposição da versão magra da princesa e uma versão gorda. A produção de origem sul-coreana se tratava de uma paródia sobre o conto de A Branca de Neve, mas logo se viu numa controvérsia acusada de gordofobia e promover o body-shaming. Piorando a situação, o vexame crescia quando o elenco de voz americano contava com nomes como Chloë Grace Moretz e Sam Claflin, levantando o questionamento de que atores em alta se envolveriam em tal projeto. O resultado foi ter a produção prevista para 2018 — chegando apenas em outubro de 2020 nos cinemas — ser adiada diante dos posicionamentos que não aceitariam ter em uma animação, a propagação de uma cultura negativa, que alimentava os padrões de corpo exigido pela sociedade.

O marketing vendeu muito mal esse peixe, que pretendia justamente contestar as imposições do corpo padronizado, e trazer uma mensagem positiva a respeito da autoaceitação. E bem no estilo raiz das paródias, Sapatinho Vermelho e os Sete Anões não mediu esforços em trazer comédia e brincar com o universo dos contos de fadas ao escolher a popular história da princesa que é caçada por sua madrasta, pelo simples motivo de o reino só ter lugar para uma bela do pedaço, e não poderia ser a Branca de Neve. No filme de Hong Sung-Ho, a mitologia traz os conhecidos anões como sete homens heroicos arrogantes e ultrapassados, que para quebrar uma maldição que lhes foi imposta, deveriam ser beijados pela mulher mais linda do mundo. A esperança deles é a princesa que usa Sapatos Vermelhos (Moretz), ou como é melhor conhecida, Branca de Neve, que ao usar os sapatos mágicos de sua madrasta má, tem o corpo gordo alterado para uma versão magra.

A partir desse aspecto, Red Shoes and the Seven Dwarfs começa a envolver os reflexos da sociedade quando a jovem passa a ser tratada como a mulher mais perfeita, bela e padronizada do reino, apenas por portar sapatos que alteram sua aparência física. Focar no tratamento quando ela está com os utensílios, foi o suficiente para a narrativa mostrar que Branca está experimentando o deslumbramento da aprovação, a normalização do corpo magro, ideal de beleza que a sociedade, o meio virtual, indústria e mercado promovem e exigem, diferente do desdém que recebia quando não calçava sapatos mágicos. O que a animação de Hong Sung-Ho investiu, foi usar das problematizações para convocar uma mudança de pensamento, mas não como uma Insatiable da vida, abraçando a contradição e esquecendo da responsabilidade do que está contando. Se fazermos uma pequena observação, é notório como as pessoas não conseguem usar as palavras “gordo” e “gorda” sem apelar pro diminutivo, para assim soar menos ofensivo na pronúncia, sendo esse fator inserido muito bem no texto da produção.

Por um lado, Branca é atingida pelo convencimento da aprovação de imagem que o sapato promove, percebendo a magnitude de uma aparência física e status padronizado. Do outro, a figura de Merlin (Clafin) traz a representação de como Branca passa a negar em parte a forma que se sentia e se expressava quando perto dele, por ele ser alguém que sempre está julgando as aparências e reafirmando como costumava ser um galã longe da maldição de ser um anão verde toda vez que é visto. Branca cria uma ligação e afeição por Merlin, embora se sinta acuada para usar a palavra “cheio” em vez de “gordo”. São pontos como esses nos diálogos que o cineasta Sung-Ho mostrou delicadeza para inserir na produção questões pertinentes ao tema, nisso, sem parecer que está panfletando os fatores que formam a mensagem central, mas tendo um senso para costurar os tópicos numa animação que pretendia ser clara e para todos os públicos.

O marketing ofuscou, mas a mensagem é clara: Branca acidentalmente se viu usando os sapatos que mudaram seu corpo, e como consequência, descobriu que não precisava de magia para estar bem consigo, feliz, satisfeita, e muito menos atender a expectativas e padrões pré-estabelecidos. E para o controverso Merlin, a maldição lhe veio como uma lição para a forma que julgava e depreciava as aparências, tendo então que experimentar o oposto de ser esnobe e padronizado e esperar por um beijo verdadeiro, da bela mais bonita do mundo que o amaria e aceitaria sem impor padrões. E nisso se concentra o escopo da animação ao cutucar de maneira madura as problematizações que se propôs, e acertando em cheio em utilizar uma sátira aos contos de fadas.

É mesmo uma pena que o marketing grosseiro tenha afastado a audiência de dar qualquer chance para a produção. Não sendo pouco o cartaz colocado em um festival importantíssimo pro cinema ter trazido uma percepção contrária do que o longa animado buscava, os trailers também não conseguiram amenizar e divulgar sem ser tido como um filme problemático que apoia a gordofobia. Usar da figura da Branca de Neve e os elementos que compõem sua história é só um pedaço do que Sapatinho Vermelho e os Sete Anões tem a oferecer, já que o roteiro não se limitou em só parodiar a mais invejada do reino, mas incrementou sua fábula satirizando várias narrativas de contos de fadas. Então, se perceber elementos de Shrek, O Mágico de Oz, Cinderela, e até uma pegada de comédia romântica musical, é só a alma de um bom filme paródia funcionando.

Sapatinho Vermelho e os Sete Anões (Red Shoes and the Seven Dwarfs – Coreia do Sul, 2019)
Direção: Hong Sung-Ho
Roteiro: Hong Sung-Ho
Elenco: Chloë Grace Moretz, Sam Claflin, Gina Gershon, Jim Rash, Patrick Warburton, Simon Kassianides, Frederik Hamel, Nolan North, Frank Todaro
Duração: 92 minutos

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