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Crítica | Scream, Queen! My Nightmare On Elm Street

por Leonardo Campos
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Freddy Krueger, criação de Wes Craven, é um dos mais emblemáticos monstros que emergiram dos anos 1980 mantém a sua relevância cultural até os dias atuais. Ele, no entanto, divide um pouco do palco com alguns famosos personagens perseguidos por suas afiadas lâminas, em especial, nos filmes de 1984 e 1986, A Hora do Pesadelo e A Hora do Pesadelo 2: A Vingança de Freddy, respectivamente. Sobre o primeiro, há I Am Nancy, um documentário sobre o magnetismo de Nancy Thompson como a final girl mais empoderada da época, mais ativa que as garotas sobreviventes das franquias “concorrentes”, tais como Sexta-Feira 13, Halloween: A Noite do Terror e os demais slashers do período. Já no caso do segundo filme, o monstro dos pesadelos tem o seu legado somado aos conflitos de Jesse Walsh, final boy que representa, num olhar diacrônico, um forte subtexto homoerótico que não foi devidamente por todos que estavam contaminados pelo contemporâneo, mergulhados num contexto que os impossibilitava de olhar para a questão com distanciamento e percebê-la criticamente.

Dirigido por Jack Sholder, cineasta guiado pelo roteiro de David Chaskin (inspirado pelos personagens de Wes Craven), A Hora do Pesadelo 2: A Vingança de Freddy é um filme com legado mais importante que a sua própria condição enquanto narrativa de entretenimento. A música de Christopher Young é atmosférica e o desempenho dramático de Robert Englund como o maníaco dos pesadelos é formidável, mas o filme peca em diversos aspectos. Falta ritmo, o conteúdo é uma repetição de algumas situações anteriores, os personagens são desinteressantes, com exceção do curioso trajeto do protagonista, figura que motiva a cristalização da narrativa na memória cultural. Mesmo que peque pela falta de qualidade, o filme é parte integrante do “carinhoso” público que compreende a franquia A Hora do Pesadelo como um conjunto, com filhos mais respeitáveis e “presenças bastardas”.

Não fosse a sua sobrevivência dentro de debates em eventos especializados no gênero terror em sites e redes sociais, dificilmente a trama teria um legado tão extensivo. No filme, velas com cera pingando e outros objetos fálicos expressam a tal subjetividade homoerótica que o ator alega ter sido um soco para ele na época, uma espécie de bullying, em especial nas falas posteriores do roteirista que alegou não ser um filme gay, mas uma produção interpretada de maneira gay pelo ator protagonista. Eles até se encontram próximo ao desfecho, numa entrevista bem a cara de programas jornalísticos sensacionalistas. David Chaskin insistiu durante muito tempo que a sua produção não era gay, mas enfim, nos depoimentos do documentário retrospectivo Never Sleep Again, expôs a verdade e assumiu que não mesmo de maneira para ser prejudicial, mas achou que a história de repressão soaria instigante para o desenvolvimento do enredo. Daí surgiram cenas que eram reescritas constantemente no roteiro. A passagem onde ele encontra o professor na boate gay, a relação com o amigo e as constantes posturas que davam a entender que a sua homossexualidade se encontrava reprimida.

É com este direcionamento que Roman Chimienti e Tyler Jensen dirigem Scream Queen! My Nightmare on Elm Street, documentário sobre a segunda parte de A Hora do Pesadelo, supostamente um dos filmes mais gays da história do cinema de terror. A produção teve os pormenores da narração roteirizados por Michael Beard, Clint Catalyst, Justin Lockwood e Leo Herrera, material narrado por Cecil Baldwin, integrantes de uma equipe que junto aos esforços do ator Mark Patton, o intérprete de Jesse Walsh, tornaram possível a realização, exibição e distribuição do documentário. Ao longo dos 99 minutos de duração, Patton reflete o filme, o cenário slasher da época, as interpretações das protagonistas nos filmes deste segmento e o desdobramento da sua carreira eclipsada pela homofobia e preconceito na indústria hollywoodiana, tomada por pessoas que temiam a exposição e voltavam vertiginosamente para dentro de seus armários.

Preocupadas com a violência física e psicológica de uma sociedade que insistentemente nomeava a AIDS como o câncer gay, não apenas em suas relações cotidianas, mas em veículos de ampla reprodutibilidade da informação destas manifestações opinativas, isto é, a TV e os jornais impressos, as pessoas que viviam a homossexualidade passou por um terreno pantanoso nos anos 1980, cada vez mais mergulhadas em guetos em busca de proteção coletiva para os danos de uma era ainda imprecisa e repleta de dúvidas sobre as cenas de seus próximos horripilantes capítulos. Assumir-se em público era uma proposta arriscada e quem fez isso pagou um alto preço pessoal e midiático. E assim, o assunto é refletido, com depoimentos de quem esteve na produção: Robert Englund, o Freddy Krueger em pessoa, além do roteirista David Chaskin e do cineasta Jack Sholder, Kim Myers (o interesse amoroso do protagonista Jesse Walsh), Marshall Bell (o treinador Schneider), Robert Rusler (o interprete de Ron Grady), dentre outros.

Há, juntamente com os depoentes que foram parte da experiência do hoje polêmico A Hora do Pesadelo 2: A Vingança de Freddy, aparições de fãs, organizadores de eventos e outras pessoas que fazem parte da manutenção do legado desses personagens e artistas na cultura contemporânea. São nomes que não gozam dos privilégios de celebridades do alto escalão hollywoodiano e suas carreiras mediadas por muito luxo e dinheiro, mas temos que observar, enquanto fenômeno social, a sobrevivência destes ícones na cultura. Eles fazem parte de um nicho. Kane Hodder e os fãs de Jason, Heather Langenkamp e os admiradores de Nancy, Mark Patton, e os inveterados pelo subtexto do protagonismo de Jesse Walsh. O ator, ao narrar a sua trajetória na publicidade e no teatro após o segundo filme da franquia de Freddy Krueger, reforça que por causa de sua condição, não conseguiu alavancar dentro do sistema que tal como já comentado. E, em seu tom acusatório, explora os desdobramentos disso em sua vida pessoal e profissional, numa história que é parte de um feixe homofóbico ainda mais amplo.

Com depoimentos que legitimam todas as questões abordadas, sem deixar espaço para rumores, Scream Queen! My Nightmare on Elm Street é um documentário que tem como ponto nevrálgico, o subtexto homoerótico do segundo filme da franquia A Hora do Pesadelo, bem como as suas consequências na carreira do protagonista interpretado por Mark Patton. É uma produção que segue algo parecido com o que os dançarinos da turnê Blond Ambition fizeram ao revelar como a vida deles se desenhou após o impacto de uma das fases mais polêmicas da cantora Madonna, isto é, o comportamento “fora do chão”, os surtos de estrelismo, a contaminação por HIV na época do espetáculo, algo que não podia ser revelado para evitar supostas demissões ou retaliações de outro tipo, etc. Aqui, no entanto, o alvo da cinebiografia não aponta o dedo necessariamente para uma pessoa em si, mas para um sistema maior, representado coletivamente ao longo da história por Ronald Reagan e Donald Trump, nomes que interligam o lançamento do filme (Freddy) e o documentário (sobre Patton).

Dentre tantos pontos abordados, é importante ressaltar a estética eficiente da produção, um atrativo que não encontrou a mesma sorte na cinebiografia da personagem Nancy Thompson, do mesmo universo, filme menos atrativo que o debate sobre o subtexto homoerótico no filme em questão. Na condução musical de Scream Queen! My Nightmare on Elm Street, o compositor Alexander Taylor entrega uma trilha discreta, sem o uso de notas melodramáticas para tornar o documentário um compêndio da vitimização. Tyler Jensen, além de assumir a direção, orquestra alguns depoimentos da fotografia, junto com outros cinco membros de uma equipe que mantém o alinhamento estético das entrevistas, as externas e nos eventos. O drone é pouco utilizado, mas faz algumas passagens panorâmicas interessantes, tais como o famoso letreiro de Hollywood, além de outras breves passagens. Jensen também assume a edição cheia de fotos de arquivo e trechos com cenas dos filmes da franquia, materiais que corroboram com os pontos expostos pelos depoimentos dos entrevistados. Ademais, um documentário retrospectivo que expõe a atualidade dos temas expressados, mesmo que intuitivamente, nos filmes slashers.

Scream, Queen! My Nightmare On Elm Street – Estados Unidos, 2019.
Direção: Roman Chimienti, Tyler Jensen
Roteiro: Michael Beard, Clint Catalyst, Justin Lockwood, Leo Herrera
Elenco: Mark Patton, Robert Englund, Jack Sholder, David Chaskin, Robert Rusler, Kim Myers,  Marshall Bell, Robert Rusler, Kane Hodder
Duração: 71 min.

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