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Crítica | Segredos de Um Crime

Um atropelamento, a sensação de culpa e o poder da corrupção.

por Leonardo Campos
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O que leva uma pessoa que é agente da lei a deturpar os próprios códigos judiciais e se comprometer numa situação evitável? Irresponsabilidade? As costas estão quentes diante de sua posição privilegiada? São os questionamentos possíveis diante do interessante Segredos de Um Crime, narrativa que dialoga com um dos mais habituais conflitos dramáticos das histórias cinematográficas acopladas nos grandes centros urbanos: os sinistros de trânsito, denominação atualizada do termo acidentes de trânsito, hoje revistos por legislações ao redor do mundo, inclusive no território brasileiro. No filme, acompanhamos a traumática experiência de atropelamento ocasionado pelo personagem interpretado por Joel Edgerton, homem que precisa lidar com as consequências diante de um breve, mas turbulento, momento de distração e falta de responsabilidade diante da condução de seu automóvel. Ao longo dos 105 minutos longevos desta produção que poderia ser um pouco mais econômica, haja vista a resolução de seus arcos já nos primeiros instantes de seu último ato, contemplamos a trajetória de crime punido com o castigo da culpa corrosiva que toma o protagonista por inteiro, num inferno interno que precisa ser silenciado após outros personagens entrarem na jogada e sujarem os seus caros nomes.

Dirigido por Matthew Saville, Segredos de Um Crime parte de uma premissa básica, costumeira no cinema desde sempre: Malcolm Toohey (Edgerton) é um policial respeitado em seu ofício, conhecido por executar as suas ações com muita competência. Um certo dia, após o sucesso diante de uma batida contra o crime que saiu devidamente como o planejado, ele comemora com os parceiros de atuação e volta para casa um pouco balanceado, afinal, consumiu álcool e assumiu o volante depois de uma exaustiva jornada de trabalho. No caminho, ele atropela um ciclista de apenas nove anos de idade. A vítima fraturou o crânio e corre sério risco de vida. E agora? Se for pego, perderá todos os seus privilégios conquistados arduamente. O que fazer? Fugir da cena do crime? Prestar socorro? Clamar por compreensão? Atordoado pela quantidade de questionamentos, Malcolm decide ajudar, mas esconde ser o autor do atropelamento.

A ambulância chega, os policiais acobertam o caso, principalmente um nome de grande porte dentro de sua região, personagem frio e calculista, interpretado pelo sempre ótimo Tom Wilkinson. A saga de dor dos familiares da vítima e a presença de alguns vestígios de sua postura ética causam no policial uma onda de indignação e o seu interesse em se entregar e contar toda a verdade começa a falar mais alto, num processo de racionalização diante do atordoante sentimento de culpa. Um investigador insistente começa a mexer cada vez mais no caso e encontrar pistas que indicam a responsabilidade de Malcolm, uma figura ficcional que em seu processo de catarse, encontra obstáculos para expor todo o esquema, pois levará não apenas a sua imagem e carreira para o limbo, mas o envolvimento de outras pessoas que o ajudaram no momento de incerteza. Assim, além da culpa, ele carrega o medo de ser aniquilado por aqueles que não querem nem cogitar um registro assim em suas trajetórias.

Diante deste mote, Segredos de Um Crime se desenvolve sem grandes reviravoltas, demonstrando ao espectador um exercício mediano da linguagem cinematográfica, tendo em sua estrutura narrativa um feixe de lições filosóficas sobre temas ligados aos meandros da corrupção, ética, abuso de poder e impunidade. O intérprete de Malcolm é também o responsável pelo roteiro, transformado em filme pela equipe eficiente composta por Mark Wareham, diretor de fotografia, adequado na demonstração dos conflitos por meio de imagens cuidadosas, em especial, as passagens do primeiro ato envolvendo a apresentação dos personagens e o trágico atropelamento. Ademais, a condução musical de Bryony Markins colabora com o estabelecimento da atmosfera de tensão, num filme que dialoga, como já mencionado, com um dos mais frequentes catalisadores de situações dramáticas no cinema, isto é, o atropelamento com fuga ou negação da autoria do crime, rasura total do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, caso o espectador faça conexões com a nossa realidade, não muito diferente, talvez até mais tenebrosa, que a oferta de catarse de filmes desta linha. Branda, a narrativa nunca se exalta e mantém um ritmo interessante do começo ao fim, sem grandes momentos, mantendo-se alinhada com a sua proposta de cinema básico, mediano, aparentemente sem pretensões eloquentes.

Três Mundos (Felony, Canadá – 2013)
Direção: Matthew SavilleRoteiro: Antoine Jaccoud, Benoît Graffin, Catherine Corsini, Lise MacheboeufElenco: Joel Edgerton, Jai Courtney, Tom Wilkinson, Melissa George, Mark Simpson, Sarah Roberts, Rosie Lourde, Duração: 105 minutos

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