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Crítica | Seinfeld – A Série Completa

por Iann Jeliel
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O teor revolucionário e populista de Seinfeld na TV americana passa pela coragem de seus criadores, Jerry Seinfeld e Larry David, em testar os limites do humor mais do que qualquer outra coisa. Surgida como Seinfeld Chronicles, a série utiliza o lema de ser “sobre nada” para vender seu mar de experimentalismos em “tudo” que há disponível na comédia. Algo que abriu margem para o gênero da sitcom não ter barreiras de discussão temática dali para frente. Não exatamente progressista, Seinfeld busca fazer graça com qualquer coisa, à frente até do sentimento de apatia pelos personagens com quem nos relacionamos através daquele cotidiano. Quem dirá querer criar uma história linear com eles; as caricaturas e suas narrativas cotidianas são meros dispositivos para se fazer humor, ainda que o caráter de autoparódia biográfica seja um respaldo positivo para fornecer a identificação necessária ao quarteto principal, a ponto de querermos prosseguir vendo os próximos episódios interessados em acompanhar suas novas banalidades.

As experiências da vida dos criadores são transpostas quase no literal aos personagens, não à toa, Seinfeld interpreta ele próprio na série, e George (Jason Alexander) é basicamente a representação cuspida da personalidade de Larry, ou no mínimo, na extrapolação do tipo de humor em que ele acredita. Kramer (Michael Richards) e – minha personagem favorita – Elaine (Julia Louis-Dreyfus) formariam um misto de personalidades de companheiros/amigos/namorados, algo já admitido por eles em entrevistas. No fim das contas, por mais que essas personalidades excêntricas tenham valor criativo pela própria capacidade humorística dos roteiristas em usá-las para situações adversas, não deixam de estar, assim como a série, interligadas a uma metalinguagem circular sobre o que acontece em suas vidas. Surpreende a dupla ter extraído disso material para 180 episódios e nove temporadas, com uma inegável e imensa regularidade, dentro do caráter episódico. Contudo, ao viver de um sequenciamento de experimentações, uma hora é cobrado um preço pela repetitividade estrutural.

Um dos fatores que fazem Seinfeld distante dessa unidade central para o seu todo é o aspecto temporal sem continuidade, que por vezes é seguido, por muitas vezes é algo que quase nem existe. De modo geral, a série não admite nenhum dos dois lados. Sim, em sua estrutura geral, o tempo do episódio é irrelevante, porque o que importa é como ele vai propor a ideia no humor. Então, se em um episódio Seinfeld está namorando com alguém, e no seguinte já está namorando com outra pessoa totalmente diferente, é porque não importa quantos dias se passaram entre um e outro, o que importa é ter uma nova fonte de piada para o episódio em específico. No entanto, várias vezes, em algumas temporadas, tramas com alguma definição tomam o princípio da narrativa, como é o caso da ótima trama metalinguística de Jerry e George em busca de criarem um piloto para sua série de TV – que não coincidentemente corresponde ao surgimento de Seinfeld –, ou da inserção de Susan (Heidi Swedberg) como esposa de George em determinado momento para propor um jogo de contrastes mais direto ao aspecto narcisista tão colocado em fonte de humor.

Esses momentos, nem que sejam só por um aspecto contínuo em temporada, trazem vários  de seus melhores momentos enquanto sitcom, por saber muito bem trabalhar a continuidade em escala da situação cômica inicialmente proposta e gerar, por meio disso, várias novas situações cada vez mais engraçadas. Lógico que existem capítulos pensados em isolado absolutamente fantásticos, principalmente aqueles que propõem situações engarrafadas de um só cenário, situações que exploram aleatoriedades absurdas, ou aqueles em que os personagens se dispõem a discutir sobre algum tabu (como o sexo, à época naquele contexto de TV) sem falar explicitamente dele. No entanto, estes episódios “diferentes” e tematicamente arriscados não são tão frequentes assim quanto se imagina, fora que nem todos são bons, como a decisão ao final da sétima temporada com a morte de Susan, que particularmente vejo de péssimo gosto. A grande maioria segue o cotidiano de conversas banais, problemas com relacionamentos, com emprego, dentre outros mencionados no stand-up comedy de Jerry ao início de todo episódio, ou seja, ficam à mercê da irregularidade da percepção particular de humor de cada um.

Se a amplitude da comédia é um valor de destaque, por outro lado a mise-en-scène não se faz atuante no valor cômico da piada – o que faz muito sentido, diga-se de passagem, pensando na origem do stand-up dos criadores –, deixando-a sem a permissão de atingir um valor para além de quem gosta ou não de seu conteúdo. Tratando-se de humor irreverente, ácido e sem limites morais, além do claro e único objetivo de fazer rir, a instabilidade é certa ao longo de tanto tempo de jornada. Especialmente porque a série não oferece tanto mais além da comédia, como outras sitcom após sua influência fariam. Claro, as expressões exageradas, a repetição de determinadas frases com uma entonação artificial de desespero, a química do elenco principal, os ótimos personagens secundários, dentre vários outros elementos a tornam fabulosa na comédia, só que ainda daria para ir além. “Mas é uma sitcom, o que mais se pode extrair daí?” Muita coisa. Mas sendo específico, sinto falta na parte de conflitos que levariam os personagens a sofrerem alguma óptica de transformação. Em determinado momento, torna-se cansativo acompanhá-los exatamente iguais a quando começaram. E aí é que sentimos falta de uma linearidade mais presente no todo, o que não seria sinônimo algum de comodidade para a série, pelo contrário, traria uma nova base para levar as experimentações num pedestal de autoquestionamento.

Eu até acho que isso exista nas últimas duas temporadas, que são basicamente sustentadas exclusivamente por Jerry Seinfeld, com a saída de Larry David, somente retornando no último capítulo. Nesse momento, até pela falta de ideias no mesmo corpo, várias coisas enquadradas na fórmula dos episódios são abandonadas. A exemplo do fim da abertura por stand-up comedy, ou a frequência cada vez mais presente de um didatismo temporal e conectivo entre os eventos dos episódios. Tudo isso é um ótimo parâmetro de refresco para a piada, que começa a debochar da própria situação de não ter mais ideias com o que fazer humor, depois de tantos anos no ar. É isso, inclusive, que leva ao finale espetacular da série, quando eles literalmente se cancelam quando vão pensar no seu legado politicamente incorreto.  Então, sim, existe uma autoconsciência dos dois em nunca evoluírem os personagens para preservar esse lado libertário que o fez surgir como diferente, no entanto, essa falta de evolução ainda é um problema, a meu ver, pensando que a própria série em exercícios isolados prova ser possível a coexistência dos dois discursos, inclusive para um revigorar o humor situacional de forma mais crítica do outro.

Não que isso não aconteça, afinal, em grande parte dos episódios os personagens geralmente se dão mal, numa piada revés da inconsequência que leva graça às situações. É inegável que Seinfeld faz uma leitura debochada acerca do próprio individualismo deles e, consequentemente, do próprio caráter moralmente errôneo do humor, ainda que rindo junto a todos. Uma prova de que sua identidade nunca manifestou desejo pelo compromisso crítico do humor, sendo esse um dos justos motivos que a tornaram tão icônica – junto à criatividade que tinha para driblar a censura, levando a momentos genuinamente geniais –, mas foi também o descompromisso que fez razoavelmente mal à série com o tempo em algumas valências, seja no tratamento irresponsável de alguns temas (aquele episódio do suicídio é inadmissível…), seja no aproveitamento temático com uma densidade correspondente a sua infame coragem de encarar qualquer tema de mente aberta e sem culhões. No fim, os méritos de uma rebeldia criativa e regular por muito tempo ainda falam mais alto, fazendo-a merecer esse posto tão importante na história das comédias sitcom.

Seinfeld – A Série Completa | EUA, 1989-1998
Showrunners: Larry David, Jerry Seinfeld
Diretores: Andy Ackerman, Tom Cherones, David Steinberg, D. Owen Trainor, Joshua White, Jason Alexander, Art Wolff
Roteiristas: Larry David, Jerry Seinfeld, Peter Mehlman, Carol Leifer, Alec Berg, Jeff Schaffer, Andy Robin, Gregg Kavet, David Mande, Larry Charles, Steve Koren, Jennifer Crittenden, Dan O’Keefe, Tom Gammill, Max Pross, Spike Feresten, Matt Goldman, Darin Henry
Elenco: Jerry Seinfeld, Jason Alexander, Michael Richards, Julia Louis-Dreyfus, Wayne Knight, Heidi Swedberg, Estelle Harris Estelle Harris, Jerry Stiller, Liz Sheridan, John O’Hurley, Barney Martin, Len Lesser, Richard Herd, Richard Fancy, Patrick Warburton
Duração: 9 temporadas – 180 episódios (1° Temporada: 5 episódios | 2° Temporada: 12 episódios | 5° + 8°: 22 episódios | 3° Temporada: 23 episódios | 4° + 6° +7° +9°: 24 episódios – 22 minutos cada episódio

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